Lobbying: a transparência como condição para o reforço do Estado de Direito

A regulamentação do lobbying é um importante objetivo que se impõe prosseguir em benefício, também, e em primeira linha, da atuação do próprio Ministério Público.

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Com a recente dissolução do Parlamento, alguns diplomas relevantes ficaram, uma vez mais, pelo caminho, pelo que terão, nessa exata medida, de ser recuperados na próxima legislatura. Entre eles destaca-se, a nosso ver, com especial visibilidade na espuma dos dias que correm, o relativo à necessidade de regulamentação do lobbying, matéria complexa e de elevada sensibilidade, à qual o Grupo de Estados Contra a Corrupção (Greco) tem dado, de forma muito clara, sobretudo no seu último relatório, uma especial atenção, considerando o facto de continuar a não existir em Portugal, incompreensivelmente refira-se, legislação que efetivamente o regule.

Como temos vindo a referir, a situação é crítica e merece ser tratada o quanto antes, pois, ao fim de muitos e longos anos de regime democrático e dos inúmeros governos que se foram sucedendo, continua a não existir qualquer obrigação de “pessoas com funções executivas de topo” (ou, na expressão inglesa, PTEF “persons with top executive functions”, entre as quais, note-se segundo o Greco, se deve integrar o primeiro-ministro e restantes membros do Governo, o chefe de gabinete e os assessores do primeiro-ministro, bem como os chefes de gabinete e os assessores dos restantes membros do Governo) divulgarem os seus contactos com lobistas e terceiros, nem quaisquer regras ou orientações sobre a forma como aquelas primeiras devem interagir com estes últimos.

Entende o Greco, no que naturalmente acompanhamos, que tal regulamentação seria indutora de uma maior transparência desses contactos e da concomitante responsabilização do universo das pessoas com funções executivas de topo.

É, aliás, refira-se, movido por esse objetivo maior, que o Greco recomenda a adoção e introdução de regras pormenorizadas sobre a forma como as pessoas com funções executivas de topo estabelecem contactos com lobistas e outras partes que procuram influenciar o trabalho legislativo e outros trabalhos governamentais, recomendando, igualmente, que se deva disponibilizar, por essa via, informação suficiente sobre o objetivo destes contatos, a identidade das pessoas com quem, ou em nome de quem, tais contatos/reuniões foram realizados e, bem assim, os assuntos que nos mesmos terão sido especificamente tratados.

Aqui chegados, e como alguns mais descrentes professam, bem sabemos e não o ignoramos que a regulamentação do lobbying não será nunca a panaceia de todos os nossos males ou, se preferirmos, não será nunca o tão desejado antídoto celestial, providenciado por forças divinas e capaz de erradicar, a um tempo e de forma definitiva, o tráfico de influências e outros fenómenos criminógenos que a seu reboque possam vir a emergir.

No entanto, e se isso é verdade, é igualmente inegável, que é um primeiro e relevante passo para que tudo possa ser mais transparente e mais escrutinável, potenciando-se a criação de efetivas condições de acompanhamento, rastreabilidade e controlo das relações estabelecidas entre os atores executivos de topo com lobistas e outros potenciais influenciadores do trabalho e ação legislativos.

Mas não só, se me é permitido.

Existe um outro aspeto que, surpreendentemente, tem sido ignorado sempre que a discussão relativa à necessidade de regulamentação do lobbying se reacende.

É que esta regulamentação também se assume, em nosso entender, como uma relevante e não negligenciável exigência orientada no sentido de incrementar uma maior eficácia, transparência e compreensibilidade da atuação desenvolvida pelo próprio Ministério Público (MP).

Na realidade e como todos bem sabemos, o MP é, no nosso sistema jurídico-constitucional, o órgão competente para o exercício da ação penal, participando também na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, representando o Estado e defendendo a legalidade democrática e os interesses que a lei determina.

Dotado de atribuições que não são materialmente jurisdicionais nem se confinam às exercidas pelos tribunais, o MP é um órgão do poder judicial, participando, com autonomia, na administração da justiça, competindo-lhe, ainda, entre outras relevantes tarefas, exercer a ação penal orientado pelo princípio da legalidade e dirigir a investigação e as ações de prevenção criminal que, no âmbito das suas competências, lhe incumba realizar ou promover, assistido, sempre que tal seja necessário, pelos órgãos de polícia criminal.

Nesta medida e na exata relevância da sua atuação, a regulamentação do lobbying é um importante objetivo que se impõe prosseguir em benefício, também, e em primeira linha refira-se, da atuação do próprio Ministério Público, dado que ao tornar-se transparente a ação executiva naquilo que antes era opaco e ao tornar-se visível para todos o que antes se mantinha na sombra, se criam efetivas condições de maior eficácia na investigação criminal que relativamente àquela ação executiva se possa potencialmente vir a desenvolver, recentrando a investigação criminal em dados objetivos e que, por força da transparência, serão também eles de conhecimento público e, nessa medida, mais ampla e facilmente escrutináveis, por todos, sem exceção, nos tempos e nas condições legalmente previstas para esse efeito.

Estamos pois em crer que a maior transparência que a regulamentação do lobbying irá permitir será também um fator indutor de maior confiança na ação dos agentes políticos, permitindo, em simultâneo, incrementar a confiança com que todos, cidadãos e instituições, e aqui naturalmente se incluindo o MP, encaram a ação governativa e criando condições para que a ação penal possa ser ainda mais eficazmente desenvolvida, com tudo o que isso de positivo aporta para o reforço do nosso Estado de Direito Democrático, sobretudo num ano tão importante, como sucede com o presente, em que se comemoram os 50 anos da nossa democracia.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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