Forças de segurança: “não há trabalho sem trabalhos…”

Mais importante do que pagar, “subsidiar”, a sujeição a maiores riscos para a integridade física ou vida, será que, tanto quanto possível, se garanta aos trabalhadores a prevenção dos riscos.

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Os trabalhadores das forças de segurança têm vindo a manifestar-se publicamente por melhores condições de trabalho e melhores salários.

Este confronto de relacionamento laboral com o Governo já vem de há vários meses sem que isso, que se saiba, tenha diminuído a efectiva assunção das suas responsabilidades estatutárias e deontológicas e a missão das organizações de que fazem parte (essencialmente, PSP e GNR), às quais, aliás, tem sido reconhecido o grande valor social da sua acção, algo que foi ainda mais evidente pela sua dedicação profissional durante o período da pandemia.

Entretanto, há dias (3/2/2024), verificaram-se incidentes de (des)ordem pública relacionados com um jogo de futebol para a segurança do qual não houve elementos da PSP ou GNR suficientes, por a maior parte dos escalados para essa função ter apresentado “baixa médica”. Associado à discussão pública desses factos, um dirigente sindical na PSP alertou numa televisão para a possibilidade de alguns trabalhadores dessas forças de segurança não assumirem as responsabilidades que por lei lhes competem na realização das próximas eleições legislativas.

Sendo do conhecimento público e porque não relevam para o que aqui mais interessa focar, entende-se ser dispensável referir outros desenvolvimentos destes factos.

Como a de quaisquer outros trabalhadores, desde que institucionalmente organizada e enquadrada, é legítima a luta dos trabalhadores das forças de segurança por melhores condições de trabalho, por aquilo que consideram uma remuneração justa tendo em conta o contexto socioeconómico do exercício do seu trabalho, o esforço físico, mental e familiar nisso necessário, a complexidade (de vária ordem) e a respectiva qualificação e formação de que carece o exercício, propriamente dito, da profissão.

Em particular, porque associam a justiça (absoluta e sobretudo relativa) da sua atribuição às características do exercício (também) da sua profissão, reivindicam um “suplemento de risco” equiparado ao que, há algum tempo, foi atribuído pelo Governo a trabalhadores da Polícia Judiciária.

Independentemente da resposta que o Governo (este ou qualquer outro) venha efectivamente a dar, ou não, a estas reivindicações, o que se conclui de declarações públicas de responsáveis governamentais, inclusive do ministro da tutela (ministro da Administração Interna), é que os trabalhadores das forças de segurança merecem e por isso carecem de melhores salários e condições de trabalho.

Ora, o que a propósito se pergunta é porque é que, então, não se lhes reconhece uma remuneração-base justa para a “natureza, qualidade e quantidade” (a expressão é da CRP) das suas funções, em vez de remunerações particularmente diferenciadas (“suplementos” ou “subsídios”) das de outros trabalhadores visando “pagar” a assunção de riscos suscitados pelo exercício concreto do seu trabalho para o que não tem “preço” porque de valor sem dimensão – os que se presumem ser os que para a saúde, integridade física e vida.

Riscos que são os do trabalho dos trabalhadores das forças de segurança, como também os do trabalho de muitos outros trabalhadores.

Dos mineiros aos trabalhadores da administração pública em geral, passando pelos dos transportes, da indústria química, da indústria de material eléctrico, dos serviços de saúde, da protecção civil, da indústria têxtil, da construção civil, etc., também aos trabalhadores destes sectores não lhes faltam situações de trabalho que põem em risco a sua vida, a sua integridade física ou a sua saúde: soterramentos, intoxicações, doenças respiratórias várias, cancro, queimaduras, lesões e doenças músculo-esqueléticas, esgotamento físico-mental, infecções e viroses (riscos biológicos), electrocussão, esmagamento, atropelamento, quedas em altura, etc..

Sim, porque, quanto a riscos no (do) trabalho, não há trabalhador que não esteja sujeito ao risco de num acidente de trabalho (que de facto até pode ser um suicídio originado pelo ou no trabalho) “perder a vida a ganhá-la” ou, pelo “menos”, por uma doença causada pelo trabalho, a ganhá-la perder (ir perdendo) a vida.

Sim, por este prisma dos “subsídios ou suplementos de risco”, então, no limite, não há trabalhador que não o mereça, porque, como escreveu há muitos anos um (quase) conterrâneo, “não há trabalho sem trabalhos, é tão certo como uma Escritura” (Aquilino Ribeiro, em O Malhadinhas).

Então, mais importante do que lhes seja paga, "subsidiada", a sujeição a maiores riscos para a saúde, integridade física ou vida, será que, tanto quanto possível, se garanta a esses trabalhadores (das forças de segurança ou a quaisquer outros) a prevenção desses riscos.

Prevenção que, para além de medidas e meios de ordem organizacional e material, porque “o trabalho tem um braço longo”, também passa, e muito, por condições de trabalho e salários dignos, de maneira que não sejam também estes, os salários, porque insuficientes para o necessário e digno sustento pessoal e familiar, a fragilizar os trabalhadores nas relações de trabalho na medida em que os obriguem a “aceitar” (se não até a proporem-se a) trabalhos de maiores riscos e sobreintensificados trabalhando mais por ganharem menos.

Entretanto, voltando aos incidentes do dia 3/2/2024 e às declarações do dirigente sindical numa televisão, de qualquer modo, importa ter em conta que, em princípio, há sempre, para o bem e para o mal, uma íntima relação entre condições de trabalho, condições do exercício de uma profissão e a qualidade e prontidão do resultado que esse trabalho visa perante terceiros (clientes, utentes, cidadãos). Sobretudo quando essa profissão se insere no âmbito de um serviço público (Saúde, Educação, Justiça, Segurança Pública...).

De modo que o debate público, a contestação, greve ou qualquer outra forma de protesto e de luta inerente às condições laborais de exercício de qualquer profissão, mormente de uma profissão associada a qualquer serviço público, deve sempre evidenciar, para além do cumprimento da inerente lei, a íntima relação dessas condições (e a reivindicação e formas de luta que por elas são desenvolvidas) com a essência da missão do serviço público em causa.

Se de algum modo assim não for, quem promove esse debate e assume esse protesto e luta, e mesmo em geral a própria profissão, perde ancoragem social. Ainda que reconhecendo-se que “não há trabalho sem trabalhos…”.

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