A esterilização forçada de pessoas com deficiência é uma afronta aos Direitos Humanos. No entanto, em Portugal, ainda é permitido fazê-lo, incluindo em menores. A diretiva da UE relativa ao combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica, que incluía a criminalização desta prática, está de momento a ser negociada em trílogos. No entanto, o Conselho da EU retirou a criminalização da esterilização forçada da Diretiva, e não o inclui numa definição de violação baseada no consentimento. Uma falha imensa na proteção das mulheres com deficiência.
Nesse sentido, 20 associações de pessoas com deficiência, feministas, LGBTQIA+ e de direitos humanos assinaram uma carta aberta organizada pela Associação Portuguesa Voz do Autista, para pedir a criminalização desta prática em Portugal, pedir o compromisso da criminalização da esterilização forçada de pessoas com deficiência nos vossos manifestos e campanha eleitoral para as eleições legislativas e europeias em 2024, e pedir o apoio para garantir que a diretiva da UE relativa ao combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica inclui a criminalização da esterilização forçada no seu texto final.
Apesar desta prática ser internacionalmente repreendida, inclusive através da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, mais conhecido como Convenção de Istambul, e do artigo 23 da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, esta ainda continua a ser normalizada e aceite na Europa.
O projeto EQUAL, promovido pelo Observatório da Deficiência e Direitos Humanos e o Centro Interdisciplinar de Estudos do Género do ISCSP-Universidade de Lisboa, analisou a implementação do novo Regime do Maior Acompanhado (Lei nº 48/2018) e demonstrou que foi definido que em 752 casos de 2019 a 2022, 72% não podem exercer responsabilidades parentais, incluindo perfilhar, exercer responsabilidades parentais, adotar e direitos reprodutivos.
Mais do que uma questão puramente legislativa, esta é uma questão de direitos humanos e da necessidade de mudar mentalidades. Isto advém não pela necessidade desta prática existir, pois temos inúmeras outras soluções temporárias e contracetivas, mas pela desvalorização do corpo e da maternidade das mulheres e meninas com deficiência.
A dificuldade da visão de um corpo ‘cuidado’ a ser ‘cuidador’ parece irreconciliável para muitas pessoas, mesmo quando existem imensos pais com deficiência em Portugal e no Mundo. Um dos argumentos é que apenas ocorre em pessoas com necessidades de apoio muito elevadas, mas não existem de momento estudos sobre quem está a ser ou foi esterilizado. E onde traçamos esta linha do ‘demasiado incapaz’ para a parentalidade? Considerando que pessoas sem deficiência podem também ser maus pais, iremos esterilizar pessoas sem deficiência que não tenham capacidade de ser pais?
Sabemos que determinadas instituições o requerem para a entrada de mulheres com deficiência por ‘ser mais fácil’ de lidar com a sexualidade. Sabemos que médicos por vezes sugerem visto mulheres com deficiência serem alvo de abuso. Sabemos que cuidadores o requerem porque não existe educação sexual adaptada e o vêem como única opção. Apenas não sabemos qual o desejo e vontade da pessoa com deficiência que foi esterilizada, muitas vezes sem sequer saber que o foi, visto o consentimento ser dado por guardiões legais. A defesa desta prática advém apenas do capacitismo perante a maternidade de mulheres com deficiência e da desvalorização do nosso corpo, como inferior e indesejável de procriar.
Com as eleições legislativas e europeias a chegar em Portugal, peço assim que, caso seja possível votar (o projeto EQUAL também identificou que 13% não podia votar, para além da falta de acessibilidade do voto que impede muitas pessoas com deficiência), o faça em candidatos e partidos que reconheçam, apoiem e lutem pelas pessoas com deficiência e pelo nosso direito à parentalidade.