Imigrantes sem representação nas listas eleitorais

Não há um só nome de candidato em lugar elegível efetivamente ligado, na sua militância política ou associativa, ao mundo e às questões da Imigração.

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Em Portugal vivem, sensivelmente, 800 mil imigrantes, ou seja estrangeiros de países terceiros (mais de 80% do total) ou da UE. Se a estes somarmos aqueles que estão a tramitar a sua regularização e também os que obtiveram a nacionalidade portuguesa nos últimos 30 anos, seja por naturalização seja por ascendência, temos um número próximo de 1 milhão.

Ao verificarmos as listas dos diferentes partidos para as próximas eleições legislativas constatamos que não há um só nome de candidato em lugar elegível efetivamente ligado, na sua militância política ou associativa, ao mundo e às questões da Imigração.

Na legislatura que se encerra agora, tivemos no PS a jurista Romualda Fernandes, de origem guineense e ligada há muitos anos ao dossiê Imigração e Integração. Já não integra a lista atual. Por muitos anos, Celeste Correia, ex-presidente da Associação Caboverdeana, foi uma voz direta dos imigrantes na AR. Fernando Ka, da Aguinenso, por escassas semanas, também chegou a ser deputado pelo PS, no início dos anos 90. José Leitão, dirigente histórico do PS, foi o primeiro Alto Comissário para as Migrações com o apoio de muitas associações de imigrantes durante o governo Guterres, que criou este posto assim como o Conselho das Migrações.

No lado do PSD também encontrámos alguns deputados e governantes próximos da agenda da Imigração e houve passos concretos como a criação dos CNAIM (Centros Nacionais de Apoio à Integração de Migrantes) e CLAIM (Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes) e a assinatura do chamado Acordo Lula, em julho de 2003, que beneficiou quase 30 mil brasileiros em situação irregular na época. É justo reconhecer que os partidos mais à esquerda, BE, PCP e Livre, sempre foram muitos ativos na defesa de uma legislação pró-integração e regularização dos imigrantes, combatendo o fortalecimento progressivo do discurso político e ideológico xenófobo e racista, hoje dominante em alguns países. Mas, lamentavelmente, este discurso negativo europeu tem ganho espaço em Portugal.

Nos anos recentes da governação socialista tivemos um certo paradoxo: as mudanças legislativas e as decisões políticas de peso, como a extinção do SEF e criação da AIMA, foram no sentido positivo, mas os serviços do Estado dirigidos aos imigrantes, nomeadamente os do SEF e outros órgãos burocráticos, pioraram bastante. Também o diálogo dos partidos e Governo com as associações de imigrantes diminuiu e “burocratizou-se” em algumas instâncias. É certo que a procura de serviços, em especial nos processos de legalização, aumentou significativamente. A crise do SEF, arrastada por muitos anos desde o caso dos "vistos gold" e ferida de morte com o episódio Ihor Homeniuk, também contribuiu para agravar essa situação. Mas o Estado não respondeu adequadamente ao aumento da demanda de serviços que, é bom lembrar, são regiamente pagos.

Voltando ao tema desse artigo, verifica-se que as listas de candidatos são feitas fundamentalmente numa lógica de representatividade nos partidos e, secundariamente, na sociedade. Os independentes escasseiam. Há exceções, com certeza, como o caso do ex-bastonário da Ordem dos Médicos e outros independentes em posições relevantes nas listas do PSD. No PS, a experiência governamental de seus quadros parece ser um critério de peso e sua lista é de continuidade, de acomodação.

Obviamente, as listas também refletem os necessários arranjos ou ajustes de contas internos. Sobra pouco espaço para os representantes da sociedade civil, das várias categorias de trabalhadores em luta crescente nos últimos anos e, menos ainda, para nomes representativos dos imigrantes. Esses contariam mais se o sistema eleitoral fosse diferente, com a criação de círculos uninominais. Mas não se vislumbra uma reforma nessa matéria. O conservadorismo é dominante.

Por outro lado, é de se reconhecer que as entidades representativas se mobilizam pouco pela presença de nomes diretamente vindos da Imigração nas listas dos partidos. Nas listas atuais há poucos nomes em lugares longínquos, nem de longe elegíveis, e são poucos os imigrantes e dirigentes de associações filiados aos partidos. O próprio direito de voto, mais extenso nas autárquicas e limitado nas legislativas aos que têm nacionalidade portuguesa ou Estatuto de Direitos Políticos (uns poucos milhares de brasileiros), é pouco exercido. O recenseamento eleitoral para os imigrantes com direito a voto nas autárquicas poderia seguir o mesmo procedimento aplicado aos portugueses, o que estimularia a participação no processo eleitoral. Não há estímulo ao recenseamento, no caso dos imigrantes.

Ficamos assim num impasse. A abertura das listas eleitorais nas várias eleições aos imigrantes, mesmo aqueles com nacionalidade portuguesa, não representa, aos olhos dos partidos, um ganho eleitoral. O sistema tampouco favorece, antes pelo contrário. Por último, mas não menos importante, os imigrantes são importantes para a maioria dos partidos como mão de obra necessária, como investidores, por sua contribuição para o equilíbrio demográfico e até das contas da Segurança Social, sem falar de aspectos culturais e como fonte de diversidade enriquecedora. Mas os partidos contam pouco com essa parte do país, estimada em quase 10% da população, a maioria em idade ativa, para participação na governação de Portugal. Nas questões diretamente ligadas às políticas e administração públicas, gestão de organismos e mudanças nas legislações e procedimentos, as associações e coletivos de imigrantes e especialistas no tema são pouco ouvidos. O próprio Conselho das Migrações tem sido mais um ratificador quase passivo do que um agente ativo em todas estas instâncias.

Não se vislumbram mudanças a curto prazo nesta contradição entre o peso crescente dos imigrantes e “novos-portugueses” na sociedade por um lado, e o reflexo desse peso no Legislativo e no Executivo, por outro.

Uma cidadania ainda por desenvolver. E muitos preconceitos a superar.

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