Israel alarga operações terrestres a Rafah, “à beira de explodir de desespero”
Na cidade fronteiriça, descrita como “zona segura”, entre a Faixa de Gaza e o Egipto, há mais de 1,5 milhões de palestinianos que fugiram das suas casas, muitos pela segunda vez.
Horas depois de o ministro da Defesa do Governo de Benjamin Netanyahu ter anunciado que a campanha militar de Israel vai seguir agora para Rafah, na fronteira com o Egipto, a ONU descreveu esta cidade como “à beira de explodir de desespero”. Em Rafah estão entre 1,5 e 1,9 milhões de civis palestinianos que fugiram de outras zonas da Faixa de Gaza, à medida que os ataques aéreos de Israel e os combates entre militares israelitas e o Hamas se iam alargando.
“A Brigada Khan Yunis do Hamas está desfeita, vamos completar a nossa operação ali e continuar para Rafah”, cidade que tinha sido declarada uma “zona segura” pelas Forças de Defesa de Israel (IDF), escreveu Yoav Gallan na rede social X (antigo Twitter). A “vitória não estará completa a não ser que o Exército se expanda para Rafah”, justificou.
“Isto dispara o alarme para um número incontável de vítimas civis e novas transferências para um local desconhecido de mais de 1,5 milhões de palestinianos já vulneráveis, que receberam ordens [do Exército israelita] para ir para Rafah”, avisou o comissário da ONU para os Direitos Humanos, Volker Türk, numa publicação da organização na rede X.
O director da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreysus, estimou na quinta-feira que “mais de mil habitantes de Gaza estão mortos, feridos ou desaparecidos e presumidamente mortos”. Já esta sexta-feira, o porta-voz da UNICEF nos Territórios Palestinianos, Jonathan Crickx, disse que cerca de 17 mil crianças estão desacompanhadas ou separadas das suas famílias durante o conflito, explicando que “é extremamente difícil” identificá-las, já que muitas vezes são levadas para um hospital e “nem sequer conseguem dizer como se chamam” por causa do choque ou dos ferimentos.
Esta sexta-feira, na sua actualização diário do número de vítimas, o Ministério da Saúde de Gaza (controlado pelo Hamas) disse que desde o início da guerra, a 7 de Outubro, pelo menos 27,100 palestinianos morreram, incluindo mais de 12 mil crianças; mais de 66 mil foram feridos e mais de 8000 estão desaparecidos “debaixo dos escombros”. Estes dados não distinguem civis de combatentes, mas são considerados credíveis pela ONU.
Israel não contabiliza as vítimas civis palestinianas, mas diz que matou 10 mil operacionais do Hamas nos 120 dias desde o ataque do movimento palestiniano que matou perto de 1200 pessoas em Israel (a maioria civis) e durante o qual foram feitos mais de 250 reféns (incluindo 130 que permanecem em Gaza). “Aproximadamente dois civis foram mortos por cada combatente do Hamas morto na Faixa de Gaza, disseram altas autoridades militares”, escreveu o jornal The Times of Israel a 5 de Dezembro, numa altura em que Israel estimava ter matado 5000 combatentes.
“Quero sublinhar a nossa profunda preocupação com a escalada de hostilidades em Khan Yunis, que resultou num aumento do número de deslocados internos que nos últimos dias procuraram refúgio em Rafah”, disse aos jornalistas Jens Laerke, porta-voz do gabinete das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários.
“Não aguentamos mais”
Com a intensificação dos ataques em Khan Yunis, nas últimas duas semanas voltaram a ver-se filas de milhares de palestinianos a fugir da violência a pé, como aconteceu em Outubro, como a debandada da Cidade de Gaza e de todo o Norte do enclave palestiniano.
“Milhares de palestinianos continuam a fugir para o Sul, onde já se encontram mais de metade de uma população de 2,3 milhões de pessoas…”, disse ainda Laerke, sublinhando: “Rafah está à beira de explodir de desespero e nós tememos pelo que aí vem.”
Em Rafah, Hani Mahmoud, jornalista da Al Jazeera, descreve “uma pequena faixa de terra” onde cerca de 1,9 milhões de palestinianos “se amontoam em edifícios residenciais, nas ruas, sem infra-estruturas básicas, como casas de banho”.
“Em cada esquina de Rafah podem encontrar-se deslocados a dormir na rua, desprotegidos, a sofrer as inclemências da chuva e do frio. Não aguentamos mais, estamos muito cansados”, relatou ao jornal El País numa troca de mensagens Karim, funcionário de uma ONG que, por segurança, prefere que o seu apelido não seja publicado.
Enquanto o Qatar, que negociou a trégua de Novembro, e os Estados Unidos vão dando conta de avanços nas negociações entre Israel e o Hamas, a população de Gaza teme que o próximo cessar-fogo não chegue a tempo. “A proposta foi aprovada pelo lado israelita e temos uma confirmação inicial positiva do Hamas”, disse o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros qatarense, Majed al-Ansari, na Universidade Johns Hopkins, em Washington. As declarações de Ansari desencadearam algumas celebrações em Gaza.