Nyusi admite necessidade de “fortes medidas de vigilância” em Cabo Delgado
Dias depois de os jihadistas terem feito um ataque a 20 km da capital provincial, missionários da Igreja Católica falam num “clima de insegurança” generalizado na província moçambicana.
O Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, rompeu um pouco esta sexta-feira o discurso optimista do Governo em relação à situação de segurança na província de Cabo Delgado, admitindo uma mudança na forma de actuar dos insurgentes e a necessidade de as Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM), junto com o contingente militar do Ruanda e a missão da organização regional, redobrarem a sua vigilância.
“O modus operandi dos terroristas nos últimos dias tem exigido fortes medidas de vigilância”, afirmou, citado pela agência Lusa, o chefe de Estado moçambicano durante a cerimónia de cumprimentos ao corpo diplomático acreditado no país, por ocasião do ano novo, no Palácio da Ponta Vermelha, em Maputo.
A admissão de Nyusi abre uma brecha na mensagem insistente que tem sido proferida a partir do Governo, uma mensagem de vitória e de segurança generalizada na província do extremo norte do país, propícia ao regresso dos deslocados que fugiram de um conflito de mais de seis anos. De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) ainda há 850.599 pessoas deslocadas.
A declaração do Presidente moçambicano surge numa semana em que o conflito chegou mais perto de Pemba. Segundo o site Zitamar News, um grupo de insurgentes emboscou uma patrulha conjunta das FADM e de milícias locais perto da aldeia de Navahara, no distrito de Mecufi, a cerca de 20 km da capital de Cabo Delgado. Pelo menos dois membros da patrulha foram mortos, vários ficaram feridos, tendo o veículo militar sido incendiado. Outra fonte disse à Zitamar que foram oito os mortos.
Antes da emboscada, houve um ataque na aldeia de Makwaya, que resultou no rapto de vários civis e na destruição pelo fogo de várias habitações. O que contraria um pouco a ideia subjacente às recentes acções dos jihadistas, que têm tentado cativar as populações para a sua causa, procurando evitar a pilhagem e os ataques a civis.
Depois da admissão, Nyusi procurou tranquilizar os presentes, referindo que a situação está controlada e que as autoridades continuam a garantir as condições para o regresso das populações.
“Temos logrado estabilizar a segurança e repor a autoridade do Estado, o que tem permitido o regresso voluntário das populações às suas zonas de origem. Tem sido também notória a normalização da vida das populações e a dinamização da vida social em todos os domínios”, declarou.
"Clima de insegurança"
Um cenário que em nada corresponde aos relatos que chegam de membros da Igreja Católica no terreno. Missionários em Cabo Delgado falaram à Fundação AIS (Ajuda à Igreja que Sofre) no “clima de insegurança que se vive nestes dias nas comunidades atendidas pelas Igreja Católica”. Os relatos de ataques que chegam até às proximidades da capital, com mortos, alguns decapitados, está a fazer voltar o pânico às populações que empreendem a fuga e engrossam o caudal de deslocados que foi diminuindo ao longo de 2022 e 2023.
“Olá, padre, nós estamos assustados porque foram vistos 24 homens armados”, conta um dos animadores da comunidade católica de Cabo Delgado, citado no site da fundação. “Disseram ao meu cunhado para abandonar a casa durante esta noite”, explicou outro: “Aqui estamos na casa do chefe de aldeia.”
O clima de medo parece estar a generalizar-se, explica a fundação. Na quinta-feira, um habitante da aldeia de Intocota, no posto administrativo de Mieze, no distrito de Metuge, que faz fronteira com o de Pemba, contou que “há uma semana [que] circulam notícias de ataques e presença dos terroristas” em diversas comunidades. Os missionários escrevem que em Impire, Nanlia e Campine, mesmo não tendo sido atacadas, os seus habitantes “vivem por estes dias um clima de insegurança”.
As notícias de um ataque de quarta-feira na aldeia de Naminaute, perto de Mieze, onde está situada a paróquia de Nossa Senhora do Carmo, apoiada pelos Missionários Saletinos, chegou à imprensa. Dois militares terão sido mortos numa emboscada.
“Há agora uma amplitude invulgar nas movimentações dos terroristas”, escreve a Fundação AIS, que se estendem a vários distritos da província de Cabo Delgado. “Com essas notícias o povo fica apavorado e muitos saem de casa”, afirmam os missionários.