Tribunal da ONU rejeita maioria das queixas de Kiev sobre apoio russo a separatistas

Tribunal sediado na Haia rejeitou alegações de Kiev, que atribuía à Rússia responsabilidades pela queda de um avião da Malaysia Airlines, no Donbass, em 2014.

tribunal,mundo,justica,russia,ucrania,onu,
Fotogaleria
Tribunal Internacional de Justiça negou pedido de indemnização ucraniano EPA/REMKO DE WAAL
tribunal,mundo,justica,russia,ucrania,onu,
Fotogaleria
O TIJ é a mais alta instância judicial da ONU EPA/REMKO DE WAAL
tribunal,mundo,justica,russia,ucrania,onu,
Fotogaleria
Delegação ucraniana no Tribunal Internacional de Justiça EPA/REMKO DE WAAL
Ouça este artigo
00:00
05:10

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

O Tribunal Internacional de Justiça (TIJ) rejeitou esta quarta-feira grande parte de um caso apresentado pela Ucrânia há sete anos, em que acusa a Rússia de financiar separatistas no Leste do país e discriminar a comunidade multiétnica da Crimeia desde a anexação ilegal da península, em 2014.

O TIJ, a mais alta instância judicial das Nações Unidas, considerou que Moscovo violou artigos de dois tratados – um sobre financiamento do terrorismo e outro sobre erradicação da discriminação racial –, mas rejeitou vastas reivindicações de Kiev ao abrigo dos acordos internacionais.

O tribunal com sede na Haia, nos Países Baixos, negou o pedido da Ucrânia para que Moscovo pagasse indemnizações por ataques na região do Donbass, atribuídos a rebeldes pró-russos na última década, incluindo a queda de um avião da Malaysia Airlines, em Julho de 2014, que matou os 298 passageiros e tripulantes a bordo. As indemnizações seriam entregues, a pedido de Kiev, aos civis afectados pelo conflito no Leste do país e às famílias das vítimas do voo MH17.

A decisão foi justificada com a inexistência de provas suficientes para condenar a Rússia pelo fornecimento deliberado de recursos com destino a atentados terroristas.

Ainda que a Rússia negue envolvimento no caso e o TIJ não tenha conseguido comprovar responsabilidades, um tribunal neerlandês já condenou dois russos e um ucraniano pró-Moscovo em Novembro de 2022 pelos seus papéis no ataque e condenou-os, à revelia, a prisão perpétua. Países Baixos e Ucrânia também processaram a Rússia no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por causa do voo MH17.

O tribunal da ONU ressalva, no entanto, que Moscovo violou as suas ordens ao lançar a invasão em grande escala da Ucrânia, a 24 de Fevereiro de 2022, além de ter desrespeitado uma ordem provisória para a suspensão do ataque.

A decisão final, juridicamente vinculativa, foi a primeira de dois acórdãos esperados do TIJ relacionados com o conflito de uma década entre a Rússia e a Ucrânia, que levou a uma guerra total entre os dois países há quase dois anos.

O acórdão dos juízes de Haia centrou-se na violação pela Rússia da Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo (1999) e da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965).

“A situação na Ucrânia é hoje muito diferente daquilo que era quando a Ucrânia iniciou este caso, em Janeiro de 2017. As partes estão agora envolvidas num conflito armado que levou a uma enorme perda de vidas e a um grande sofrimento humano”, disse a presidente do TIJ, Joan Donoghue, que sublinhou que este caso se concentra apenas na violação dos artigos das respectivas convenções internacionais.

Mas a juíza lembrou que, já em Abril de 2017, exigiu às partes, como medida cautelar, que “se abstivessem de praticar qualquer acção que pudesse agravar a prorrogação do litígio perante o tribunal ou dificultar a sua resolução”.

A magistrada lamentou que a Rússia tenha reconhecido as autoproclamadas repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, no Leste da Ucrânia, como “independentes” e depois lançado aquilo a que chamou “operação militar especial” em Fevereiro de 2022, violando as medidas de precaução.

“Na opinião do tribunal, estas acções minaram gravemente os fundamentos da confiança mútua e da cooperação e, portanto, tornaram o litígio mais difícil de resolver. Por estas razões, o tribunal conclui que a Rússia violou a obrigação contida na ordem de se abster de qualquer acção que pudesse agravar o litígio”, afirmou.

Da mesma forma, a TIJ considerou que a Rússia “violou a sua obrigação” para com a Convenção Internacional para a Eliminação do Financiamento do Terrorismo, “ao não tomar medidas para investigar os factos contidos nas informações recebidas da Ucrânia sobre pessoas que alegadamente cometeram um crime” contra o tratado que proíbe o financiamento do terrorismo.

Nas audiências no TIJ no ano passado, um advogado da Ucrânia, David Zionts, disse que as forças pró-Rússia no Leste da Ucrânia “atacaram civis como parte de uma campanha de intimidação e terror” e que “o dinheiro e as armas russas alimentaram esta campanha”. O tribunal, no entanto, decidiu que o envio de armas e outros equipamentos não implicava financiamento do terrorismo, de acordo com o tratado internacional, e não aplicou nenhuma pena.

Além disso, determinou que Moscovo violou a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial “pela forma como implementou o seu sistema educativo na Crimeia depois de 2014, no que diz respeito ao ensino escolar na língua ucraniana” — ou seja, ao impedir línguas não-russas em escolas.

No caso apresentado em 2017, a Ucrânia denunciava também uma “campanha de erradicação cultural” dos tártaros da Crimeia, após a anexação da península pela Rússia, mas todas as queixas relacionadas com o grupo étnico de origem turca foram indeferidas pelo tribunal.

O TIJ deverá decidir na sexta-feira, 2 de Fevereiro, sobre as objecções do Kremlin noutro caso aberto pela Ucrânia, a 26 de Fevereiro de 2022, logo após a invasão do seu território. Kiev acusa Moscovo de ter lançado o ataque com base em alegações forjadas de genocídio da população russófona no Donbass, defendendo-o, portanto, como um acto de legítima defesa.

Segundo justificou Vladimir Putin aos cidadãos russos, o propósito da “operação militar especial” na Ucrânia — eufemismo usado para se referir à guerra — era “proteger as pessoas que, durante oito anos, têm enfrentado humilhações e o genocídio levado a cabo pelo regime de Kiev”.