ICNF chumba renovação de declaração ambiental para o aeroporto do Montijo
Nova informação sobre impacto do aeroporto no estuário do Tejo fez ICNF chumbar pedido de renovação da ANA - Aeroportos de Portugal. Opção já tinha sido excluída pela Comissão Técnica Independente.
Há mais uma pedra na engrenagem para o projecto da ANA – Aeroportos de Portugal de construir o novo aeroporto de Lisboa no Montijo, uma opção que já tinha sido excluída pelo estudo da Comissão Técnica Independente (CTI), divulgado a 5 de Dezembro. O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) deu um parecer desfavorável à renovação da Declaração de Impacto Ambiental (DIA) do aeroporto do Montijo, a pedido da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), soube-se nesta terça-feira.
A razão para esse chumbo foi a nova informação científica divulgada recentemente num estudo sobre o impacto que o novo aeroporto teria nas espécies de avifauna do estuário do Tejo, o que faz com que haja “uma alteração objectiva de circunstâncias e uma inequívoca evolução do conhecimento e do quadro ambiental” onde se insere o projecto, de acordo com um comunicado que o ICNF enviou ao PÚBLICO. Por isso, “o ICNF considera ser necessário um novo processo de Avaliação de Impacte Ambiental que contemple toda a informação técnica e científica agora conhecida”.
A DIA favorável, mas com condicionantes, para a construção do aeroporto no Montijo foi emitida pela APA a 21 de Janeiro de 2020. Estas declarações têm uma validade de quatro anos. Por isso, o projecto teria de começar a ser construído dentro desse prazo. Em 2021, dois pareceres desfavoráveis das autarquias da Moita e do Seixal levaram a Autoridade Nacional da Aviação Civil a indeferir o pedido da ANA de apreciação prévia da construção do aeroporto, o que impediu o seguimento do projecto. A 20 de Dezembro último, a ANA tinha pedido a renovação da DIA, recorda a SIC Notícias, que avançou com a notícia em primeira mão.
Entretanto, a APA já informou a ANA da proposta de decisão de chumbo da renovação da DIA. A ANA terá agora dez dias para se pronunciar em relação à proposta e irá fazê-lo. “Esta proposta constitui uma surpresa na medida em que se baseia no relatório intercalar da CTI, que foi objecto de fortes críticas durante a consulta pública”, lê-se na nota da ANA enviada ao PÚBLICO. “A ANA não partilha do entendimento da APA de que o referido relatório intercalar, eventuais alterações dos instrumentos de gestão territorial ou o possível aprofundamento por parte da APA sobre os sistemas ecológicos constituam uma alteração das circunstâncias que justifique esta proposta de decisão, pelo que a ANA irá pronunciar-se no prazo definido.”
Só depois desta pronúncia é que haverá uma resposta final da APA ao pedido de renovação da avaliação. Se essa renovação for de facto chumbada, caso a ANA queira continuar a aposta na opção do Montijo terá de fazer um novo pedido de avaliação, o que pode demorar vários meses.
Impactos na biodiversidade
A investigação citada pelo ICNF foi publicada a 22 de Abril de 2021, na revista Bird Conservation International, e dizia que a construção do aeroporto no Montijo poderia levar a uma perda de 30% do “valor de conservação” daquele estuário em relação às áreas de alimentação entre marés para as populações de aves que passam ali o Inverno. Como na rota daquelas espécies de aves estão outros lugares que também já foram depredados, os autores defendem que um impacto no estuário do Tejo “vai ter repercussões e minar os esforços de conservação noutros lugares”, lê-se no resumo do artigo assinado por, entre outros, Teresa Catry e José P. Granadeiro, biólogos da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
Um estudo mais recente mostrou ainda que o aeroporto poderia afectar até 68% da população de indivíduos de maçaricos-de-bico-direito (Limosa limosa), de acordo com o artigo publicado na revista Animal Conservation, assinado por José Alves, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, e outros investigadores. Por comparação, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do aeroporto do Montijo apontava para uma percentagem de menos de 6% das aves.
Por tudo isto, a opção do Montijo era muito mal vista por várias organizações ambientalistas. “Congratulamo-nos veementemente com a demonstração de inviabilidade das soluções que continha o Montijo”, disse ao PÚBLICO Acácio Pires, ambientalista da Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável, quando o relatório da CTI foi publicado, acrescentando que com aquele documento se garantiam instrumentos de decisão inéditos.
Nesta segunda-feira, um parecer conjunto de nove associações apelava justamente a que a APA e o ICNF recusassem “desde já a renovação da DIA relativa ao aeroporto do Montijo e respectivas acessibilidades”, lê-se no comunicado assinado pelas associações Almargem, ANP/WWF, A Rocha, Fapas, GEOTA, LPN, Quercus, SPEA e Zero. O parecer foi sobre as várias opções apresentadas no relatório da CTI. “Todas as opções que incluem o Montijo são ambientalmente inviáveis”, reforça o comunicado.
A nível global, o Campo de Tiro de Alcochete integra a solução favorita da CTI como local para a construção do novo aeroporto. Logo atrás vem a localização de Vendas Novas.
Mas, de acordo com o parecer das associações ambientalistas, é o plano de Vendas Novas que deve estar em primeiro lugar. “Na generalidade dos descritores ambientais e de saúde pública, Vendas Novas salienta-se como mais favorável, com a excepção da dimensão florestal e dos recursos hídricos”, defendem as associações, acrescentando ainda que é vantajoso em relação a Alcochete por interferir menos com “os corredores naturais de aves migradoras”.
Em relação a Alcochete, o parecer avança que este é, a nível de impacto ecológico, a opção “mais desfavorável” entre “as três ambientalmente viáveis”, onde se inclui também a localização de Santarém. Ou seja, Alcochete tem o maior impacto em relação às aves, às áreas florestais potencialmente afectadas e ao risco para o aquífero do baixo Tejo e Sado.