Com humor explosivo, sem esquecer a ternura: contar o Porto a partir dos seus objectos

Espectáculo do Teatro do Ferro reflecte sobre a sua cidade-berço, com memórias, presente e projecções. Uma peça “fora de formato” em que vários estilos se unem. Em cena este sábado e domingo

Peça é apresentada na casa do Teatro de Ferro, na Travessa da Formiga, no Porto
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Peça é apresentada na casa do Teatro de Ferro, na Travessa da Formiga, no Porto Susana Neves/ DR
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Não é simples definir o espectáculo do Teatro do Ferro, porque a sua concepção é, de certa forma, uma fuga das etiquetas – ou de uma só, pelo menos. O TOP — Teatro de Objectos do Porto é uma peça “fora do formato”, com uma combinação “inusual e curto-circuitada de protocolos performativos”, arrisca Igor Gandra, fundadora da companhia portuense. Nesta criação com dramaturgia colectiva da equipa e de Regina Guimarães, cabem códigos do teatro de revista, do talk-show ou do peep-shop. Após uma estreia no programa municipal Cultura em Expansão, a peça volta aos palcos este sábado e domingo e nos dois fins-de-semana seguintes (10, 11, 17 e 18 de Fevereiro).

O TOP — Teatro de Objectos do Porto propõe uma reflexão sobre o quotidiano da cidade, evocando memórias, pensando o presente, produzindo interrogações. E fá-lo, diz o encenador Igor Gandra, com sentido crítico apurado, buscando visões de quem habita ou trabalha na urbe, com humor explosivo às vezes, mas sem perder a ternura e o carinho pela geografia e suas gentes. O que é, afinal, ser-se do Porto?

O ponto de partida para esta criação foram, como o título faz antever, objectos. E esse olhar da companhia não é de hoje. Em 2018, o Teatro do Ferro iniciou um ciclo de trabalhos em torno dos objectos: primeiro com a Objectoteca Popular Itinerante (teatro popular que percorreu a cidade numa carrinha-biblioteca), depois com a Revolta dos Objectos: Uma Conferência Animada (onde uma conferência é o dispositivo para esta “nova incursão no mundo das coisas”). Desta vez, com o TOP, a reflexão é outra: “Que objectos ajudam a definir um espaço como o de uma cidade?”.

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Espectáculo fala sobre o Porto a partir de um conjunto de objectos Susana Neves/ DR

Em cerca de uma hora, o elenco vai apresentando esses dispositivos, materiais ou imateriais, e cada um dá origem a uma cena – ou a um poema, uma música, um truque, uma rábula. A Ponte de Maria Pia, desactivada há 32 anos, é um deles. Evocando o projecto provocador dos arquitectos Pedro Bandeira e Nuno Ramalho, que em 2013 sugeriram uma relocalização da ponte para o quarteirão da Companhia Aurifícia, no centro da cidade, o público é incitado a pensar essa “ressignificação e redefinição da identidade da cidade a partir daquele objecto fora do lugar”, aponta Igor Gandra em conversa com o PÚBLICO. Ou, como diz uma das actrizes: “Os proponentes ousaram, com o seu desafio, tentar fazer do Porto mais Porto e não apenas colocá-lo na rota do turismo de massas. Ponto.”

Nesse conjunto de objectos fios condutores da narrativa, também entra a tripa enfarinhada, bonecos de pano com “comentários sobre o futuro possível ou impossível para a cidade”, o FC Porto e o seu hino, os martelinhos de São João e o cimbalino (mais as 500 formas de se pedir um café). E, claro, a pronúncia do Porto: “É uma delícia e adoro ouvir as pessoas falarem assim”, comenta Igor Gandra, que nesta peça assumiu também a cenografia e está em cena como actor. “Falo português do Alentejo, não à Porto, mas, às vezes, tenho pena...”, graceja.

Não falta, também, o turismo e a “percepção mais ou menos generalizada dos seus efeitos na cidade”. Há trabalhadoras de limpeza de um alojamento local e um casal de turistas num quarto portátil (uma surpresa para o espectador, a quem não se promete que fique sentado no mesmo sítio do início ao fim da peça). Nessa evocação do Porto como cidade do trabalho, cabe uma dúvida, aponta Igor Gandra: “Que trabalho há numa cidade assim?...”

A dramaturgia, com poemas e músicas originais de Regina Guimarães, provoca “interrogações” e finta as “postulações”, explorando o “humor próprio da cidade e a capacidade de se rir de si própria”. A peça – pensada para contextos não-convencionais e que será apresentada na casa do Teatro do Ferro, no número 65 da Travessa da Formiga, espaço geralmente reservado a ensaios – “oscila entre estes dois registos, um mais poético e existencialista, num sentido colectivo da cidade a pensar sobre si mesma, e outro mais cómico, explosivo, desconcertante”, apresenta Igor Gandra, também actor na peça, ao lado de Carla Veloso, Carlota Gandra, Catarina Chora, Eduardo Mendes, Guilherme Vieira, Mariana Lamego e Matilde Gandra.

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