Cientistas espanhóis denunciam criminalização dos protestos climáticos. “Arriscamo-nos a ir para a prisão”

Em Espanha, 15 activistas do grupo Rebelión Científica arriscam pena de prisão por um protesto no congresso espanhol. Os cientistas foram ao Parlamento Europeu denunciar a repressão do activismo.

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A investigadora Belén Díaz a ser detida durante o protesto do colectivo Rebelión Científica em Abril de 2022 Rodri Mínguez/Rebelión Científica
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Por todo o mundo existem ambientalistas em risco de vida devido ao seu activismo. Mas, esta semana, um grupo de investigadores do colectivo Scientist Rebellion reuniu-se com eurodeputados no Parlamento Europeu para denunciar uma tendência que está a instalar-se também na União Europeia: a criminalização do activismo ambiental, em particular o activismo climático.

O caso que levou à visita da delegação teve origem a 6 de Abril de 2022, quando cerca de 50 activistas se reuniram num protesto organizado pelo colectivo Rebelión Científica España, em que foi atirado um líquido vermelho (biodegradável, sublinham) contra o edifício do Congresso dos Deputados, em Madrid. Esta “acção de desobediência civil não violenta” ocorreu na sequência da publicação de um dos relatórios do IPCC que trazia “informações muito sérias sobre as alterações climáticas e que sentimos que não estava a ser suficientemente ouvido”, descreve a investigadora Belén Díaz, que esteve na organização.

Belén Díaz é uma das 15 pessoas que foram acusadas pelo Ministério Público de Madrid, que pede um ano e nove meses de prisão para cada um dos activistas por danos contra o património e uma multa comum de 3300 euros pelos danos alegadamente causados, algo que os investigadores refutam: “Esse líquido foi lavado e, no próprio dia, a fachada do Congresso voltou a estar como antes”, nota a investigadora na área da agroecologia.

“Um padrão de repressão crescente”

Professor de Filosofia Moral na Universidade Autónoma de Madrid, o ambientalista Jorge Riechmann Fernandez​ é outro dos investigadores acusados pelo Ministério Público madrileno. “O que estamos a ver emergir é um padrão de repressão crescente contra o protesto social, em particular contra os protestos ambientalistas e ainda mais especificamente contra os protestos climáticos nos últimos anos”, resume o investigador, mencionando o que tem acontecido em países europeus, como França, Alemanha e Reino Unido.

Riechmann chama ainda a atenção para o caso de Itália, onde grupos como Última Generazione têm surgido nos relatórios das autoridades de segurança pública na secção sobre ameaças terroristas: “Os grupos ambientalistas que estão a levantar a voz e a participar em diferentes formas de protesto foram subtilmente introduzidos entre as ameaças de grupos supostamente radicais e violentos”, descreve, naquilo que considera “um recurso abusivo e desajustado de medidas que foram inicialmente concebidas para combater a máfia”.

“Por outras palavras, temos, neste caso espanhol e no italiano, uma abordagem ao protesto que entendemos ser legítimo [em que] são accionados mecanismos repressivos que se destinam a fenómenos criminais”, conclui. “Este é um padrão que vemos surgir em diferentes locais e que nos parece extremamente preocupante, porque está também ligado a outros retrocessos democráticos, a outras formas de ‘desdemocratização’ das nossas sociedades.”

Para o investigador, esta tendência é ainda mais preocupante tendo em conta que os protestos se baseiam em reivindicações que considera não apenas legítimas, mas “de importância existencial para o futuro das nossas sociedades, porque o que está em cima da mesa é nada menos do que a habitabilidade de partes muito grandes da Terra ou até de todo o planeta Terra para seres vivos como nós”.

“Podemos arriscar muito mais”

Belén Díaz traz alguma perspectiva mais global: a repressão a defensores do ambiente existe por todo o mundo, e em lugares como a América Latina ou África e países como as Filipinas “isso implica mesmo pagar com a própria vida”. No seu caso, reconhece, têm “o privilégio de ter processos legais que estão a ser levados a cabo respeitando moderadamente os direitos humanos”. “Mas em outros casos isso não acontece”, afirma, reforçando a ideia de que “também na Europa há muitas leis a serem desobedecidas em matéria de direitos humanos”.

“Temos de pôr este privilégio que temos ao serviço da sociedade”, diz ainda a ambientalista. “Arriscamo-nos a ir para a prisão, e podemos arriscar muito mais. Queremos que isto sirva também como um empurrão para que outras esferas da sociedade, nos espaços de poder e de influência, se vá o mais longe que puderem e arrisquem, porque neste momento não estão à altura das circunstâncias.”

A visita dos activistas espanhóis foi organizada pelo eurodeputado Miguel Urbán Crespo, do grupo da Esquerda do Parlamento Europeu, e incluiu reuniões com quatro grupos parlamentares, membros da comissão ambiental ENVI e deputados espanhóis ao Parlamento Europeu. “Infelizmente, ontem [segunda-feir] não esteve presente nenhum eurodeputado português nas reuniões com os activistas da Scientist Rebellion”, respondeu o eurodeputado à questão colocada pelo PÚBLICO. Até ao momento, entre os portugueses, apenas a eurodeputada Marisa Matias (do mesmo grupo político que Urbán Crespo) manifestou o compromisso de se juntar a eventuais acções de apoio acordadas entre os eurodeputados.

Em conferência de imprensa, Miguel Urbán Crespo, eleito pelo partido Anticapitalistas, relaciona esta atitude do Governo espanhol com outras decisões, como o atraso em revogar a chamada Lei da Mordaça, “uma lei que foi feita à medida para criminalizar os movimentos sociais”, com que o Governo se tinha comprometido e que “até hoje ainda não o fez”.