A Alemanha em força na rua contra a AfD: 1,5 milhões participaram em protestos

Vicente Valentim, cientista político na Universidade de Oxford, dá exemplos de estudos que mostram que protestos contra estes partidos antes de eleições têm efeito nos seus resultados eleitorais.

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Mais de um milhão saíram à rua na Alemanha contra a AfD Reuters, Mariana Godet
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O número de participantes em protestos contra o partido nacionalista, xenófobo e populista Alternativa para a Alemanha (AfD) foi uma surpresa até para os organizadores e as autoridades. Entre sexta-feira, sábado e domingo, houve manifestações por toda a Alemanha, no Norte, Sul, Leste e Oeste, em grandes cidades mas também pequenas, contra o partido e as suas ideias.

Em algumas cidades, como Munique, as autoridades acabaram por encurtar o protesto quando este chegou a 200 mil pessoas, dizendo que já não havia condições de segurança. Berlim fechou o ciclo no domingo com uma multidão estimada de cem mil pessoas, muitas mantendo-se ainda na rua depois do anoitecer, pontos de luz numa imensidão de espaço na zona do Parlamento. No total dos três dias, terão participado em manifestações contra a AfD cerca de um milhão e meio de pessoas, segundo Christoph Bautz, da organização Campact​.

A mobilização foi provocada pela divulgação, pelo site de jornalismo de investigação Correctiv, de uma reunião, em Potsdam, de elementos da AfD e de formações da extrema-direita, como o Movimento Identitário, e ainda de vários elementos neonazis, em que terá sido apresentado, por um extremista austríaco, um plano para deportação de estrangeiros e expulsão de cidadãos alemães “não integrados” — algo que trouxe ecos das ideologias dos anos 1930 e 1940 e dos planos nazis de exterminar os judeus, como disse o politólogo da Universidade de Mainz Kai Arzheimer numa entrevista ao European Center for Populism Studies.

Por isso, continuou Arzheimer, o encontro aumenta a preocupação do avanço da trajectória da AfD em direcção à extrema-direita (o partido é considerado, ainda, de direita radical, embora duas secções na Saxónia-Anhalt e Turíngia, e ainda a Juventude Alternativa, sejam consideradas de extrema-direita e, assim, sujeitas a vigilância dos serviços de informação interna).

Pessoas seguram cartazes durante um protesto contra o extremismo de direita e a oposição de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), em Colónia, Alemanha, a 21 de Janeiro Reuters/JANA RODENBUSCH
Pessoas reúnem-se durante um protesto contra o extremismo de direita e a oposição de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), em Colónia, Alemanha, a 21 de Janeiro Reuters/JANA RODENBUSCH
Pessoas seguram cartazes durante um protesto contra o extremismo de direita e a oposição de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), em Colónia, Alemanha, a 21 de Janeiro Reuters/JANA RODENBUSCH
Pessoas assistem a um protesto contra o extremismo de direita e a oposição de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), em Colónia, Alemanha, a 21 de Janeiro Reuters/JANA RODENBUSCH
Pessoas seguram cartazes durante um protesto contra o extremismo de direita e a oposição de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), em Colónia, Alemanha, a 21 de Janeiro Reuters/JANA RODENBUSCH
Uma pessoa segura um cartaz durante um protesto contra o extremismo de direita e a oposição de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), em Colónia, Alemanha, a 21 de Janeiro Reuters/JANA RODENBUSCH
Uma pessoa segura um cartaz durante um protesto contra o extremismo de direita e a oposição de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), em Colónia, Alemanha, a 21 de Janeiro Reuters/JANA RODENBUSCH
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Pessoas seguram cartazes durante um protesto contra o extremismo de direita e a oposição de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), em Colónia, Alemanha, a 21 de Janeiro Reuters/JANA RODENBUSCH

Parte dos cartazes contra a AfD tinha ecos da história da Alemanha. “Fora nazis”, “'Nunca mais' é agora”, “don’t nazi, be happy” a par de outros mais gerais como “tolerância zero para os intolerantes”, “o ódio não é uma opinião” ou “nós somos mais”.

As manifestações ocorrem quando o foco tem estado nos números que as sondagens dão à AfD, quer a nível nacional (em segundo, com 22%, a seguir aos democratas-cristãos da CDU com 30%), quer nas eleições de dois estados federados, a Turíngia e a Saxónia (em primeiro, com 33% contra 20% da CDU, e 34% contra 32% da CDU), o que levou o especialista em direita radical, extrema e populismo Cas Mudde a comentar na rede social X (antigo Twitter): “Mesmo que a AfD esteja em alta nas sondagens, são uma minoria ruidosa, não uma maioria silenciosa.”

Os efeitos

Também no X, Vicente Valentim, cientista político da Universidade de Oxford, comentou que há dois estudos a mostrar efeito de manifestações contra partidos de direita radical em resultados eleitorais, um em Itália (o movimento das “sardinhas” nas regionais de 2020) e outro em França (presidenciais francesas de 2002, em que Jean-Marie Le Pen chegou à segunda volta): grandes protestos pré-eleitorais resultaram numa diminuição nos resultados destas forças políticas nas eleições.

Numa conversa telefónica com o PÚBLICO, o especialista afirma que a razão para este efeito terá a ver, sobretudo, com a pressão social, que funciona mesmo em algo secreto como o voto (embora seja muito mais eficaz em comportamentos públicos, ainda assim tem efeitos em comportamentos privados, por haver interiorização, diz).

O que Valentim define como a normalização destes partidos de direita radical tem a ver com esta pressão social, ou seja, “um comportamento que antes era visto como não aceitável passa a ser visto como aceitável”, diz, exemplificando com o caso português, em que antes de o partido Chega ganhar uma certa dimensão não era visto como aceitável dizer certas coisas, ou levadas a cabo certas acções como ir a certo tipo de manifestações, que depois passam a não ser vistas como problemáticas.

Vicente Valentim comenta ainda que os dois estudos que mencionou “mostram efeitos” na votação, mas deixam “questões sobre o longo prazo”, já que apenas foram estudados protestos antes das eleições e não era claro “até que ponto há mudança de forma duradoura”.

Porque, continua, “quando vemos o crescimento dos partidos de direita radical, interpretamos que as pessoas têm mais ideias de direita radical”, quando o que acontece “é que as pessoas já tinham essas ideias, mas não as expressavam por medo”, e o sucesso desses partidos fazem com que estejam mais dispostas a expressá-las. E isso tem implicações para o combate a estes partidos que ameaçam a democracia liberal. “Mudar as ideias das pessoas leva muito tempo”, conclui Valentim”, enquanto “sentirem-se confortáveis pode mudar de um dia para o outro”.

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