A academia precisa de mais pensamento crítico, por isso criou-se uma rede para o reforçar

Rede junta docentes para a promoção do pensamento crítico nas instituições de ensino superior de todo o país. “A nossa missão é preparar cidadãos participativos e profissionais críticos.”

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Rede agrega cerca de 140 docentes de 50 instituições de ensino superior Maria Abranches/Arquivo
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Na “missão estratégica” das instituições de ensino superior não é raro ter à cabeça o compromisso de serem um espaço onde se privilegie a análise e o pensamento crítico. Por isso, para a professora universitária Caroline Dominguez, parece “quase paradoxal” o reconhecimento de que a academia tem estado a falhar na promoção do espírito crítico nos seus docentes e nos seus alunos universitários num espaço que deveria ser de discussão por excelência, sendo premente que assuma esse papel.

É essa premissa que está na base da criação da Rede Portuguesa de Pensamento Crítico no Ensino Superior (CrithinkNet), apresentada esta sexta-feira, que reúne cerca de 140 professores de meia centena de universidades públicas e privadas e de institutos politécnicos de norte a sul do país e ilhas. E que quer crescer.

“A nossa missão é preparar cidadãos participativos e profissionais críticos capazes de enfrentar os desafios e as oportunidades do século XXI”, refere Caroline Dominguez, que assume a coordenação desta rede. “Sabemos que estamos a viver um mundo complexo, de incertezas, com transformações profundas a um ritmo vertiginoso, em todas as áreas da vida humana.

Em particular, o acesso massificado — mesmo um bombardeamento — à informação e às fake news. Isso não nos tem garantido uma melhor tomada de decisão”, observa a docente universitária. “Estamos a ser levados pelas redes sociais a uma bolha da qual não saímos. Há uma dificuldade de vermos perspectivas diferentes”, reflecte.

A Rede Portuguesa de Pensamento Crítico no Ensino Superior nasceu há cerca de três anos, a partir da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), com o objectivo de juntar docentes e arranjar estratégias para trazerem este tema para as aulas, muitas vezes reduzidas ao conhecimento e às aprendizagens que se limitam à memorização e menos à compreensão e ao pensamento.

“Não quero dizer que não é necessário ter conhecimento. Mas não basta. Temos de ir mais longe. Não é só compreender e memorizar. É analisar, é avaliar, é sintetizar. É questionar e argumentar. Não sei se temos o tempo necessário nas instituições de ensino superior para isso, sobretudo nas licenciaturas. Tudo isso seria extremamente importante porque os alunos não vêm preparados do secundário com estas competências”, observa a professora auxiliar em Gestão Empresarial/Industrial na UTAD.

Desfasamento entre universidade e mercado de trabalho

Uma sala de aula ideal, diz, seria um local “onde o questionamento é contínuo”. “Muitas vezes os alunos têm medo de fazer perguntas. Temos de lhes dar essa liberdade para que participem na sociedade não só como profissionais capazes, mas também como seres humanos e cidadãos do mundo, que precisa muito de pessoas reflexivas e que tenham capacidade para, com a curiosidade, procurar a verdade”, considera.

Além disso, repara, um outro desafio que se coloca é a “discrepância de um recém-diplomado e as necessidades do mundo profissional”. “O mercado de trabalho associa muito o pensamento crítico a outras competências sociais como a comunicação, o trabalho em grupo. Isso é pouco trabalhado no ensino superior”, observa.

E esse é também um problema que diz respeito aos docentes, daí que a rede seja, essencialmente, a eles dirigida. “[Há uma] insuficiência do desenvolvimento profissional dos docentes porque não estão preparados para desenvolver o pensamento crítico em termos pedagógicos. Não é obrigatório a um docente entrar numa instituição de ensino superior e ter uma formação em docência — ainda menos no domínio da promoção do pensamento crítico”, nota.

A rede avançou em pleno período de pandemia. Constituíram-se quatro grupos de trabalho que visam a formação e tutoria entre pares. Num mundo competitivo como o académico, procuram “a colaboração em vez de competição”, sublinha a coordenadora, pretendendo ser um movimento que agrega docentes de várias áreas científicas e de várias instituições.

Ao longo dos últimos três anos tem havido encontros entre docentes. Foi ainda definido um dia do pensamento crítico, onde docentes e estudantes de várias instituições da rede se encontram para discutir problemas globais. A edição deste ano, que culminará numa sessão final a 19 de Abril na Universidade Lusófona em Lisboa, será sobre o clima. Na última edição, segundo dados da rede, participaram cerca de 280 estudantes, que foram desafiados a encontrar soluções para problemas como a água, o desperdício alimentar, o envelhecimento demográfico, a crise climática e o movimento estudantil.

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