Polícias em protesto perguntam: “Onde é que anda o nosso Presidente da República?”
Em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, o presidente do Sindicato Nacional da Polícia diz estar preocupado com a segurança pública, numa altura em que os protestos da classe duram há 11 dias.
Armando Ferreira, que tem ido todas as noites à escadaria do Parlamento apoiar o polícia que desencadeou um protesto nacional, defende a consagração do direito à greve das forças de segurança. Há agentes da PSP a dormir ao relento e a recusar fazer serviços em zonas perigosas com coletes antibala há vários anos fora de prazo.
A manterem-se os protestos das polícias à data das eleições, a PSP e a GNR vão conseguir garantir a segurança necessária ao acto eleitoral?
A segurança será sempre garantida. Se haverá protestos, é uma coisa que não pode ser descartada.
Mas poderão pôr em causa a realização das eleições?
Por iniciativa dos sindicatos da PSP e das associações da GNR não será feito nada que ponha em causa a segurança pública. O movimento sindical e associativo está balizado pelas regras de um Estado democrático. Irá cumpri-las? É isso que eu posso dizer. Sei que o descontentamento é elevado e que há movimentos inorgânicos com outro tipo de pensamento. Sinceramente, não me posso responsabilizar por eles. Não temos controlo sobre isso. Espero que o Governo se aperceba do estado em que a situação está, mesmo na linha vermelha. Não quero que a ultrapasse. Sou pai, sou marido e eu estou preocupado com a segurança pública.
Admitem levar os protestos para a campanha eleitoral, por exemplo para os comícios?
A plataforma sindical já decidiu manter as acções de protesto com presença assídua na campanha por todo o país.
E vão falar com o novo líder do PS, Pedro Nuno Santos?
A plataforma sindical convidou todos os partidos políticos para uma reunião a 26 de Janeiro. Queremos que estejam todos na mesma sala, ao mesmo tempo. Entendemos que nunca ficaria bem reunirmo-nos com um líder partidário antes. Por isso já foi manifestada disponibilidade ao secretário-geral do PS, ou com qualquer outro líder partidário, para nos encontrarmos a partir de dia 29.
Espanta-o o silêncio do Presidente da República sobre este protesto?
Deixa-me um bocadinho pensativo, ainda que quando aprovou os aumentos da Judiciária tenha feito uma recomendação relacionada com a equidade relativamente às outras forças de segurança. Julgo que o Presidente da República, que é uma pessoa também de causas, teria dado um bom sinal se já tivesse ido visitar os polícias que estão em protesto no Parlamento. Os polícias há muito tempo falam nisso: “Onde é que anda o nosso Presidente da República?”
Há algum apelo que façam nesse sentido? Porque neste momento ele está numa espécie de recato pré-eleitoral imposto por ele próprio...
Era importante uma palavra de viva voz, para os polícias sentirem que também está com eles.
Isso não seria uma ingerência neste período pré-eleitoral?
Não, até porque estaria a dar um recado a todos os partidos, e não a um só em particular. Já ouvi o Governo dizer que agora não vai fazer nada, porque não quer ser acusado de actos eleitoralistas. Mas o que está em causa é a resolução de um problema que urge tratar.
O direito à greve das forças de segurança devia ser consagrado?
Está a falar com o único dirigente sindical que, em 2010, fez o primeiro pré-aviso de greve na PSP. Houve ali uma janela em que nós tivemos a possibilidade de fazer uma greve. Entretanto, o Governo, quando viu que havia um buraco legal, mudou isso. A greve, neste momento, está, de facto, proibida. Entendemos que a proibição até ultrapassa os limites do legislador que criou a Constituição, que diz que o direito de greve é restringido. Recentemente, um juiz-conselheiro jubilado do Supremo Tribunal Administrativo dizia que proibir é ir além de restringir. E aquilo a que nós estamos a ser sujeitos, de facto, é uma proibição de algo que a Constituição restringe. O direito de greve deveria existir com condicionantes, com serviços mínimos. Deve ser regulado e implementado na PSP.
Em 2013 tivemos uma invasão das escadarias do Parlamento por manifestantes das forças de segurança. A tensão das forças de segurança está ao ponto de isso poder suceder novamente?
É impossível que isso suceda neste momento. Vejo os meus colegas do Corpo de Intervenção a dormir noites a fio no Parlamento, em apoio ao protesto. Também não acredito que quem quer que seja vá subir a escadaria, porque a última coisa que queremos é perder um director nacional que está ao nosso lado.
E se as manifestações agendadas descambarem em violência?
Os polícias certamente não vão fazer isso.
São aceitáveis manifestações de polícias fardados e com arma?
É proibido por lei. Nenhum manifestante pode estar armado, nem mesmo pertencendo às forças de segurança. E desde 2019 a lei impede também manifestações de polícias fardados.
Se o director nacional da PSP concorda com estas reivindicações e não é ouvido, não devia ser consequente e apresentar a demissão?
E, se o fizesse, não seria escolhido outro que viria fazer pior e tentar acabar com o protesto em curso? Os polícias estão ao lado do seu director nacional, tal e qual como o director nacional está ao lado dos seus polícias.
Ele não podia ter previsto este problema antes de o aumento do suplemento salarial da Judiciária ter sido aprovado?
Ninguém sabia o que se estava a passar. Atrevo-me a dizer que, se calhar, nem o próprio ministro da Administração Interna. Isto apanhou-nos de surpresa. A 22 de Novembro foi-nos transmitido, neste ministério, que não havia dinheiro, e de repente vemos o aumento da Judiciária aprovado, com retroactivos a Janeiro de 2023.
Que indícios tem de que o ministro terá sido surpreendido?
Quero acreditar que nenhum ministro com a tutela da segurança interna ficaria impávido a ver outras polícias a receber uma compensação merecida sem fazer nada por nós.
Consegue garantir que quem precisar de socorro das forças de segurança não vai ser afectado por estes protestos?
Os polícias nunca deixarão de ser polícias mesmo quando estão nas suas horas de folga.
A Judiciária diz que, com o recente aumento de que beneficiaram, os seus inspectores passaram a ganhar o mesmo que os oficiais da PSP...
Sim, mas é também preciso dizer que grande parte destes oficiais da PSP têm funções de direcção. São comandantes. E na Judiciária quem tem funções de direcção recebe valores que podem ir dos 19% do ordenado do director da polícia judiciária até aos 30%.
Como ultrapassar o facto de estarmos perante carreiras com um grau de complexidade distinto e com exigências de entrada na profissão também diferentes, uma vez que para entrar na Judiciária é necessária licenciatura?
Não estamos, neste momento, a falar de equiparação do ordenado-base. O salário-base de um inspector da Judiciária é o dobro do ordenado-base de um polícia. Estamos a falar do suplemento de missão, que está a compensar a penosidade e o risco – que é igual para a PSP, para a GNR, para a Judiciária, para a Polícia Marítima, para quem quer que seja que desempenhe funções policiais ou de segurança pública. Não podemos aceitar que sejam graus académicos a atribuir o grau de risco, senão daqui a pouco estamos a recrutar pessoas com a quarta classe para a polícia, para ninguém correr riscos. Sendo certo que na PSP, neste momento, haverá, se calhar, cinco a seis vezes mais licenciados do que na Judiciária.
O ministro da Administração Interna garante que o orçamento para remunerações nas forças de segurança aumentou 32,6% entre 2015 e 2024. Mente?
Está a manipular os números, porque o que se esquece de dizer é que essas valorizações ocorreram para todos os trabalhadores do Estado, mesmo aqueles que não são administração pública, como é o caso da GNR e das Forças Armadas. Aquilo que aconteceu foi uma valorização de todas as carreiras por força dos descongelamentos em 2018 e também do aumento do ordenado mínimo nacional. Quando entrei para a PSP, eu ganhava mais do dobro do salário mínimo nacional. Hoje um polícia em início de carreira está a ganhar mais cento e poucos euros do que o salário mínimo nacional. Se actualizássemos o salário de quando entrei para a polícia, hoje, em vez de 907 euros, estaríamos certamente a falar de cerca de 1800.