Os microplásticos podem ser transportados dos campos agrícolas para o ar muito mais facilmente do que imaginávamos, sugere um artigo publicado esta quarta-feira na revista Environmental Science & Technology Letters. Este estudo de pequena escala mostra que basta uma leve brisa para fazer “voar” estes minúsculos fragmentos de plástico, oriundos dos fertilizantes aplicados no solo.
“Descobrimos que os microplásticos, que geralmente são acumulados nos campos agrícolas devido à aplicação prolongada de biossólidos de águas residuais, podem ser facilmente soprados pelo vento fraco, aumentando assim o risco de inalação. Esses microplásticos podem ser tóxicos porque podem conter muitos poluentes”, explica ao PÚBLICO o co-autor Sanjay Mohanty, professor da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos.
Os biossólidos são fertilizantes naturais feitos a partir de lamas de esgoto tratadas. Compostos por matéria orgânica – como as fezes humanas –, podem devolver ao solo nutrientes importantes para a produção agrícola. O problema é que, junto com os nutrientes, seguem também metais pesados e poluentes carcinogénicos, normalmente presentes nas águas residuais de onde vêm os microplásticos, refere Mohanty.
“Assim, os riscos para a saúde decorrentes da inalação de microplásticos podem ser maiores devido a estes poluentes. Eles podem ser inalados por agricultores ou outras pessoas que vivam perto das propriedades agrícolas. Esses plásticos também podem acumular-se nas plantações ou até nos alimentos colhidos”, esclarece o cientista.
Viajar à boleia da boleia
Mais de 2000 milhões de quilos de biossólidos ajudam, todos os anos, a reintroduzir nutrientes nos solos agrícolas dos Estados Unidos, segundo dados da Agência de Protecção Ambiental norte-americana. Este valor corresponde a metade da quantidade total de matéria orgânica recolhida pelas estações de tratamento de águas residuais naquele país.
Os microplásticos que acabam nos esgotos podem, dessa forma, ser devolvidos ao ambiente à boleia dos fertilizantes naturais. Quando atiramos lentes de contacto descartáveis ou toalhitas para a sanita, por exemplo, estamos a introduzir microplásticos no sistema de águas residuais domésticas. Já agora, um alerta: estes produtos devem ser depositados no chamado lixo comum, jamais na sanita.
Se é verdade que os microplásticos podem voltar ao ambiente à boleia dos fertilizantes e do vento, também é verdade que eles próprios servem de veículo para agentes poluentes potencialmente perigosos quando inalados. Face a esse complexo circuito entre as casas de banho, os campos agrícolas e a atmosfera, Sanjay Mohanty e colegas decidiram estudar como o vento poderia (ou não) transportar partículas plásticas oriundas de campos agrícolas tratados com fertilizantes naturais.
A equipa de cientistas, composta ainda por Jamie Leonard e Sujith Ravi, analisou microplásticos transportados pelo ar em sedimentos colectados em túneis de ventilação de duas propriedades agrícolas, ambas tratadas com biossólidos, na zona rural do estado de Washington.
“Efeito pegajoso”
Os investigadores descobriram que os sedimentos soprados pelo vento continham concentrações mais elevadas de microplásticos do que os biossólidos ou o próprio solo de origem. Qual seria a explicação?
A equipa refere que a resposta está no “efeito pegajoso”, ou seja, no facto de as partículas de plástico serem menos densas do que os minerais do solo, como o quartzo, e menos “pegajosas”. Por outras palavras, não se agarram tão facilmente como os minerais do solo quando há humidade.
“Para evitar a emissão de poeira pelo vento de qualquer superfície do solo, uma prática normal é borrifar água, para que a água possa actuar como uma cola entre o solo e as possíveis partículas de poeira. A película de água formada entre as partículas pode mantê-las unidas, evitando assim que sejam levadas pelo vento. O que descobrimos é que a mesma película de água tem menos efeito sobre os microplásticos – ou seja, a película de água pode não fazer com que se 'colem' na superfície do solo como acontece com qualquer outra partícula de poeira não plástica”, refere Mohanty.
Em resumo, o “efeito pegajoso” faz com que seja mais provável que os microplásticos sejam levados pelo vento fraco, ou mesmo uma leve brisa, em condições em que não esperaríamos que a poeira do solo levantasse.
Os autores referem que modelos anteriores não consideravam o “efeito pegajoso”, assim como outras propriedades únicas dos microplásticos, ao estimar as emissões dos campos tratados. Os cálculos apresentados no artigo indicam que campos agrícolas áridos podem estar associados a uma emissão de microplásticos 2,5 vezes superior ao que se estimava anteriormente.
Os fragmentos de plástico estão quase omnipresentes nas nossas vidas. Já foram identificados nos pontos mais remotos do planeta, incluindo o Árctico. No topo dos Pirenéus, foram encontradas partículas de plástico comparáveis às registadas em Paris e numa megacidade industrial chinesa. Um outro estudo, divulgado em 2019, já mostrava que estes fragmentos podiam viajar, com a ajuda do vento, distâncias de pelo menos 100 quilómetros.
“O potencial de microplásticos para serem transportados pelo ar é muito alto, mesmo com uma brisa, quando ninguém espera que o soprar do vento faça subir poeiras”, conclui o professor da Universidade da Califórnia, numa resposta enviada por e-mail.