Estudantes dos PALOP e de Timor têm mais dificuldades no ensino superior

Alunos dos PALOP e de Timor têm mais dificuldades financeiras e uma prestação escolar pior em comparação com os alunos portugueses, revela estudo do Politécnico de Bragança.

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Segundo dados da DGEEC, no ano lectivo 2019/2020, mais de 50% dos alunos de Cabo Verde e da Guiné-Bissau desistiu dos estudos académicos Manuel Roberto
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Os estudantes oriundos dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) e de Timor-Leste em Portugal apresentam pior desempenho escolar, têm mais dificuldades financeiras e queixam-se da demora com a aquisição dos vistos de residência, segundo um estudo divulgado esta segunda-feira, 15 de Janeiro.

O estudo nacional foi apresentado esta tarde no Instituto Politécnico de Bragança (IPB), a instituição de ensino que mais alunos de países de língua portuguesa tem captado, e visa o desempenho escolar e as condições de acolhimento dos alunos de língua oficial portuguesa.

Sobre os vistos, Pedro Nuno Teixeira, secretário de estado do Ensino Superior, que marcou presença na apresentação esta tarde com a ministra Elvira Fortunato, disse que será um processo mais ágil a partir do próximo ano lectivo.

O estudo, com um grupo de trabalho nomeado pelo Governo e em parceira com o Instituto Universitário de Lisboa e o Instituto Camões, cruza dados da Direcção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) da última década com inquéritos feitos em 2023.

"Há, de facto, diferenças de desempenho grandes entre os estudantes dos PALOP e de Timor-Leste face aos portugueses. Identificamos isso pelo número de créditos que eles cumprem e das taxas de abandono no primeiro ano", explicou aos jornalistas Ricardo Biscaia, do grupo de trabalho que apresentou o estudo, citando dados da DGEEC.

"Os estudantes portugueses, de acordo com os dados da DGEEC, cumprem, normalmente, 55 créditos em 60, em média [por ano]. Os estudantes PALOP e Timor-Leste estão na casa dos 35, 40, 45. E este é o desempenho daqueles que permaneceram", detalhou Ricardo Biscaia.

Segundo dados da DGEEC, no ano lectivo 2019/2020, mais de 50% dos alunos de Cabo Verde e da Guiné-Bissau desistiu dos estudos académicos contra 19% dos portugueses. Para Ricardo Biscaia este é, contudo, um "resultado expectável", porque há choque cultural "muito grande", bem como com as bases do ensino secundário. No contexto social, Ricardo Biscaia salienta outros factores que explicam estes resultados.

As dificuldades académicas e as financeiras estão lado a lado. Não só as dificuldades que os estudantes têm com o ensino secundário de base [que trazem] (...), mas porque vêm de um contexto onde, quer porque têm dificuldades financeiras e são forçados a trabalhar, o que atrapalha a frequência normal de curso, quer também, sobretudo nos estudantes da Guiné-Bissau, porque há um grande atraso na atribuição de vistos e muitas vezes os estudantes chegam tarde, a meio do semestre, e perde-se uma grande parte", esclareceu Ricardo Biscaia.

Pedro Nuno Teixeira admitiu que o processo dos vistos para o estatuto de residência e permanência é "moroso" porque "as estruturas não estavam preparadas para o crescimento" da procura, mas avançou que, no próximo ano lectivo, tudo vai ser mais rápido.

"No decreto regulamentar para entrada e permanência de estrangeiros em Portugal, propusemos uma agilização do processo", disse o secretário de estado aos jornalistas, explicando que os estudantes já entregam documentação quando se matriculam que tinha de ser replicada no antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), agora Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).

Num futuro próximo, depois da matrícula presencial, a Direcção-Geral do Ensino Superior vai passar os dados à AIMA, o que dispensa a confirmação da presença do estudante no país. A dar ênfase a estas questões, Romana Brandão, presidente da Associação de Estudantes Africanos do IPB, considerou o estudo bem feito; e destacou o sistema burocrático e o aumento do custo de vida como principais dificuldades dos seus pares.

"Estou aqui desde 2016. Cheguei a pagar um quarto a 70 euros, agora os meus colegas pagam 250. Um documento que fazia em 30 minutos, agora tenho que passar dias atrás de papeladas", descreveu a aluna de São Tomé e Príncipe, dizendo ainda que há estudantes, sem dados concretos, que estão em Bragança sem ter conseguido senha para ter o visto de residência e com o da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa caducado.

O IPB lidera o ranking de 15 instituições do país de ensino superior com mais alunos PALOP — 7839 desde 2015 até 2021. Neste momento, dos perto de 10 mil estudantes do IPB, cerca de 2000 são dos PALOP e 700 entraram este ano lectivo. "Essa é também uma dimensão importante do posicionamento de Portugal no mundo, estabelecer com África e com a Ásia uma relação privilegiada, que nos permita, de forma conjunta, afirmar-nos", sublinhou Orlando Rodrigues, presidente do IPB.