Conselho de Ética diz que é urgente regulamentar gestação de substituição

“Estamos em 2024 e ainda não temos regulamentação para um assunto necessário e urgente”, diz presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, que desconhece versão enviada a Marcelo.

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O processo de regulamentação da gestação de substituição arrasta-se há mais de dois anos Nelson Garrido (arquivo)
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O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) sublinhou esta segunda-feira a “urgência” na regulamentação da gestação de substituição, depois de o Presidente da República a ter vetado, no sábado. A presidente do CNECV, Maria do Céu Patrão Neves, considerou ainda, em declarações ao PÚBLICO, que o veto constitui uma oportunidade para o Governo integrar as recomendações deste órgão quanto a esta matéria “importantíssima”.

“Estamos em 2024 e ainda não temos regulamentação para um assunto que é francamente necessário e urgente”, disse Maria do Céu Patrão Neves. Por outro lado, a responsável recordou ainda que o veto do Presidente da República à regulamentação da Procriação Medicamente Assistida (PMA) diz respeito ao documento aprovado em reunião de Conselho de Ministros de 16 de Novembro de 2023 e ao qual o Conselho Nacional de Ética nunca teve acesso.

Numa nota publicada no site da Presidência, Marcelo Rebelo de Sousa apelou à audição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) e do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA) sobre a versão final do diploma, alegando que “os pareceres emitidos pelas referidas entidades expressam frontal oposição à proposta de diploma em apreço”.

O processo de regulamentação da gestação de substituição arrasta-se há mais de dois anos e durante este período o CNECV pronunciou-se sobre três propostas distintas do Governo. “O trabalho do Conselho Nacional de Ética é de colaboração e foi neste contexto que fizemos as recomendações às três propostas. Vale a pena sublinhar que eram três propostas significativamente distintas, não se tratou de uma primeira proposta que foi sendo aperfeiçoada ao longo do tempo, integrando as recomendações do CNECV, como poderia ter acontecido. Mas, pelo contrário, foram-se sucedendo propostas distintas”, reforçou ainda a presidente do CNECV.

De acordo com Maria do Céu Patrão Neves, nessas propostas subsistia o mesmo problema: “Não acautelar devidamente os interesses e direitos quer da criança a nascer, quer da gestante de substituição, quer dos progenitores biológicos.” Além disso, o CNECV assinala ainda a carência de um texto “claro e inequívoco” com as orientações necessárias para profissionais de saúde, que terão de acompanhar o processo, e para os juristas que terão de redigir o contrato entre os progenitores biológicos e a gestante de substituição.

A presidente deste órgão consultivo disse, por isso, desconhecer se a proposta vetada pelo Presidente da República corresponde à terceira e última proposta que o Conselho Nacional de Ética apreciou e em relação à qual elaborou recomendações ou se se trata de uma quarta proposta que terá ou não integrado as recomendações do Conselho. “Pelo teor do texto do senhor Presidente da República, parece que efectivamente tal não sucede nem as nossas recomendações foram integradas” no documento que “aparentemente será diferente daquele” em relação ao qual o CNECV se pronunciou.

Marcelo Rebelo de Sousa invocou “a necessidade de clarificação de conceitos”, “a alegada inexistência dos meios humanos e logísticos” e a “desadequação das condições materiais e procedimentos que devem acompanhar os respectivos processos de gestação de substituição” para vetar a regulamentação.

O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, afirmou no domingo que as objecções do Presidente da República à regulamentação da Procriação Medicamente Assistida vão ser estudadas, assim como a possibilidade de reapresentar o diploma nesta legislatura, destacando a complexidade do tema.

O CNECV alertou em Setembro para a necessidade de maximizar a protecção das crianças nascidas por gestação de substituição em todas as situações que possam ocorrer até à sua entrega aos beneficiários.

Já a Associação Portuguesa de Fertilidade (APFertilidade) lamentou, num comunicado enviado às redacções nesta segunda-feira, que o Ministério da Saúde não tenha acautelado “as fragilidades que o diploma apresentava, após os pareceres negativos do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida” e que tal tenha resultado no veto do Presidente da República.

“Lamentamos profundamente que, após seis anos sobre o chumbo do Tribunal Constitucional, e dois anos sobre o arrastar do processo de regulamentação, se entre em 2024 com uma lei longe de ter o suporte legal necessário para voltar a ser colocada em prática”, afirmou Joana Freire, directora executiva da associação e membro de um dos casais que pretendem beneficiar da gestação de substituição para serem pais, citada na nota à imprensa.

A responsável referiu temer o “adensar do já enorme desespero que este bloqueio vai causar entre os casais que dependem da maternidade de substituição para constituir a sua família”, algo que poderá contribuir para que “alguns destes casais desistam da gestação de substituição no seu país e outros procurem respostas no estrangeiro”.

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