Pobres Criaturas: filme-sensação coloca Emma Stone numa Lisboa futurista
Com estreia nos cinemas portugueses a 25 de Janeiro, e muito bem recebido pelo público e pela crítica, Pobres Criaturas conta com duas participações especiais: Lisboa e a fadista Carminho.
Depois do sucesso de A Favorita (2018), Emma Stone e o realizador Yorgos Lanthimos voltam a colaborar no bizarro — mas contagiante — Pobres Criaturas (2023). Sem deixar ninguém indiferente, na crítica e na audiência, a longa-metragem tem feito furor: já soma mais de 300 nomeações a prémios, 63 dos quais venceu. Recentemente, ganhou dois Globos de Ouro: Melhor Filme de Comédia ou Musical e Melhor Actriz de Comédia ou Musical, para Emma Stone e conta com 11 nomeações para os Óscares, incluindo Melhor Filme e Melhor Actriz (Emma Stone).
Baseado no livro com o mesmo nome, da autoria de Alasdair Gray [Poor Things, no título original] e publicado em 1992, Pobres Criaturas relata – com uma narrativa diferenciada e poética – a maravilhosa história de Bella Baxter (Emma Stone), uma jovem peculiar que ganha vida pela mente (e mãos) do brilhante, embora pouco ortodoxo, cientista Godwin Baxter (Willem Dafoe). No meio da tragédia e da morte, a esperança (possível) é devolvida a Bella, que tem uma segunda oportunidade, quando uma experiência combina o corpo de uma mulher que se suicidou com o cérebro de um bebé.
Descoordenada e deslocada, Bella tem uma curiosidade insaciável pelo mundo que a rodeia e, como tal, decide fugir com o advogado Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo). Atravessando países (passa por cidades como Lisboa, Paris, Londres) e ultrapassando barreiras impostas pela sociedade, Bella desafia as normas e é constantemente desafiada pelos acontecimentos e por aqueles com quem se cruza.
Tudo é novidade, como um pastel de nata, tão português, que estranha até se viciar. É que a cidade de Lisboa pode ser quase irreconhecível, mas há coisas que, aparentemente, nunca mudam. E o momento em que a protagonista come pastéis de nata é um dos mais encantadores da obra, misturando comédia com a emoção da descoberta.
Um dos destaques principais do filme, que recebeu o selo de certified fresh do Rotten Tomatoes, como não podia deixar de ser, é a participação musical da fadista Carminho, que fez furor também na antestreia em Nova Iorque. Num momento muito emotivo, que teve repercussão imediata nas redes sociais e nos media, Carminho interpretou o fado "O Quarto (Fado Menor)", que canta no filme, e que acompanhou tocando guitarra portuguesa perante uma audiência onde estava a cantora Taylor Swift.
A portuguesa revelou também a cumplicidade entretanto estabelecida com a actriz Emma Stone numa cena única na antestreia, que torna ainda mais impactante a presença de Portugal – numa versão futurista – naquele que promete já ser um dos filmes do ano. Ter o fado no grande ecrã torna a vivência de Pobres Criaturas ainda mais especial.
A inocente Bella à descoberta do mundo
Da literatura para o grande ecrã, a Glasgow da obra de Alasdair Gray é substituída pela visão futurista de várias cidades europeias. Mas a volátil e irresistível Bella ainda é a mesma que inspirou Yorgos Lanthimos, e o levou a querer conhecer o autor da história e a forma como imaginou a narrativa, publicada no início dos anos 90. Agora, quatro anos após a morte de Gray, a sua narrativa ganha vida com argumento adaptado de Tony McNamara, indicado ao Óscar pelo argumento original de A Favorita (2018), na altura em colaboração com Deborah Davis.
Em Pobres Criaturas, Bella é uma personagem ao estilo de Frankenstein, com o cérebro de um bebé no corpo de alguém adulto. Tudo representa uma dificuldade acrescida, inclusivamente a forma como se movimenta e leva a cabo as acções mais básicas do dia-a-dia. Da mesma forma, também é inocente a um nível extremo, pelo que tudo é uma aprendizagem para a protagonista. Uma interpretação muito bem conseguida de Emma Stone, que venceu o Óscar com La La Land (2017), mas que já foi feliz com Lanthimos, ao assegurar uma indicação à estatueta na colaboração em A Favorita.
No fundo, estamos perante uma alegoria que, mesmo na sua referência à mulher Vitoriana, acaba por dialogar com outras temporalidades. Bella é uma mulher infantilizada, sem vontade própria e totalmente dominada e controlada por homens, que assumem o controlo da sua vida, do seu corpo e do seu destino. No entanto, é também dela que parte a vontade de quebrar essa visão redutora da sua realidade e conhecer o mundo, sendo tão livre quanto possível, mesmo que, para isso, tenha de desafiar e vencer uma sociedade rígida.
Do preto e branco à revelação da cor, Pobres Criaturas vai muito para lá das aventuras fantásticas de Bella pelo mundo, em busca de liberdade e da felicidade no seu estado mais puro. Inserida num contexto social específico, do qual se tenta escapar, a protagonista vive simultaneamente uma história sobre preconceitos e regras — e sobre como estes podem ser quebrados. Enquanto cresce, num mundo pouco preparado para a acolher, Bella nunca esquece o seu propósito de igualdade e libertação.
O elenco é de luxo, com destaque para Emma Stone, Mark Rufallo, Willem Dafoe, Ramy Youssef, Jerrod Carmichael, Christopher Abbott e Margaret Qualley.