“Os houthis podem responder no mar Vermelho ou atacar a base dos EUA no Bahrein”
O perigo colocado pelos iemenitas vem de não terem nada a perder, diz a analista Maysaa Shuja al-Deen. Se o Irão quiser que os houthis parem com os ataques é provável que o façam, defende.
Uma das mais experientes investigadoras do Centro de Estudos Estratégicos de Sanaa, a iemenita Maysaa Shuja al-Deen especializou-se na radicalização do zaidismo, a confissão xiita professada pelos houthis. Depois de resistirem à Arábia Saudita, a guerra de Gaza deu a esta tribo a “justificação moral” para mostrar o seu papel no “eixo de resistência” formado pelo Irão e pelos grupos que os iranianos apoiam em vários países.
Os ataques anglo-americanos contra os houthis no Iémen foram eficazes?
Estes ataques não vão afectar as capacidades militares dos houthis, não vão enfraquecê-los, eles estão habituados a enfrentar este tipo de ataques por parte dos sauditas. E não são um exército normal ou clássico, com bases militares típicas, usam armas muito baratas e leves, mísseis e os drones que podem ser até facilmente fabricadas no Iémen.
A resposta dos houthis vai provocar uma escalada?
Acredito que vão retaliar, talvez intensificando os seus ataques no mar Vermelho, talvez atacando bases militares dos Estados Unidos na região, possivelmente no Bahrein [onde estão 9000 militares e civis funcionários do Departamento da Defesa], isso seria fácil de justificar para eles. Os houthis não têm muitas responsabilidades e o mundo tem pouca capacidade para os pressionar. Eles não têm nada a perder. E começaram os seus ataques no mar Vermelho com um pretexto moralmente forte, algo que todos os iemenitas, mesmo os que são anti-houthis, apoiam, que é parar a guerra de Gaza. Isso tornou-os muito populares, no Iémen e na região, entre muitas pessoas que não estão familiarizadas com as complexidades locais da situação iemenita.
Este desenvolvimento vai levar o Iémen a uma nova espiral de guerra?
Quando Gaza começou, a declaração do fim da guerra era esperada em poucos dias. Só faltava resolver divergências insignificantes, de protocolo, como o lugar em que ia ser anunciada. As duas partes tinham muita vontade de finalizar o acordo, mas o que aconteceu em Gaza mudou os cálculos dos houthis – os sauditas mantiveram a sua posição, querem tentar livrar-se deste conflito, têm medo de ser apanhados no meio de uma escalada entre o Irão e os EUA e querem proteger-se de qualquer retaliação dos houthis. Foi por isso que não entraram na coligação [militar anti-houthi] e dizem que vão continuar os esforços para pôr fim à guerra no Iémen.
O que está a acontecer agora vai complicar a situação mais tarde, os houthis passaram a estar sob os holofotes e os israelitas e os norte-americanos passaram a vê-los como um poder regional perigoso. Antes da sua intervenção no mar Vermelho, eram vistos como um grupo iemenita e os EUA não se preocupavam muito por se terem tornado o poder de facto em grande parte do Iémen nem queriam saber se conquistassem o país inteiro.
Os houthis dizem agir enquanto membros do “eixo de resistência”, mas estas operações são deles ou do Irão?
Eles são claros em relação a isso. No passado, gostavam de desvalorizar a sua relação com o Irão, mas agora começaram a declarar-se, a afirmar que apoiam o “eixo de resistência” – e a verdade é que isso coincide com a sua ideologia, parte da sua ideologia é mesmo serem anti-EUA, independentemente dos seus interesses e alianças regionais. Os houthis sempre tiveram ambição regional e agora chegou o momento de a revelar, num contexto que ninguém na região vai questionar, em apoio dos palestinianos.
No fundo, estão a fazer o que alguns gostariam que fosse feito por países muçulmanos e árabes.
Exacto. Uma milícia não se preocupa tanto com os cálculos como um Estado.
Se o Irão lhes dissesse para parar os houthis paravam?
O Irão não quer que este conflito lhe chegue a casa e sem o Irão os houthis nunca seriam esta força. Eles fornecem-lhes armas há nove anos, ensinaram-nos a fabricar armas, a protegê-las, a mover os lança-mísseis. É possível que se o Irão lhes dissesse para pôr fim aos ataques no mar Vermelho eles o fizessem. As negociações com os sauditas só avançaram depois do acordo entre a Arábia Saudita e o Irão. Nas questões internas do Iémen são totalmente livres, mas nas questões regionais eles sempre se coordenaram. E para alguns ataques aos navios contaram sem dúvida com informações dos serviços secretos iranianos.