Transformar ideias em impacto real para os doentes e o sector da saúde
A Glooma e a RUBYnanomed são dois projectos na área do cancro e foram considerados como os mais promissores, entre oito finalistas, no evento AstraZeneca Sustainability Summit.
Ambas as startups integram, juntamente com participantes de outros projectos, o programa Net Zero Health Systems – Accelerating the Descarbonization of Patient Care, um programa de aceleração de startups, que a AstraZeneca lançou em parceria com a Startup Lisboa e a Unicorn Factory Lisboa, focado no desenvolvimento de soluções tecnológicas que contribuam para o objectivo de descarbonizar os sistemas de saúde.
Sílvia Garcia, presidente do júri da competição, explica quais os critérios levados em consideração para a escolha dos projectos mais promissores. São eles: projecto / empresa com uma solução tecnológica inovadora e diferenciadora que promova a sustentabilidade e a descarbonização do sector da saúde; composição da equipa e a sua capacidade de implementação do projecto, viabilidade da ideia apresentada e potencial de impacto da solução apresentada no sector da saúde, no doente e no diagnóstico precoce. “Os vencedores, Glooma e RUBYnanomed, destacaram-se por apresentarem soluções inovadoras que abordam lacunas importantes nas práticas actuais”, afirma. A escolha destes dois projectos reflecte “o compromisso do júri em reconhecer e apoiar iniciativas que demonstrem inovação e um claro benefício para a saúde pública, especialmente em áreas críticas como o cancro”.
A Glooma é uma startup que está a desenvolver um dispositivo médico, doméstico e portátil, que detecta e monitoriza anomalias na textura do tecido mamário através de sensores de pressão e Inteligência Artificial. “O nosso principal objectivo é empoderar as mulheres no momento da auto-palpação, no controlo da sua saúde mamária”, explica Francisco Nogueira, CEO da Glooma.
O dispositivo é uma luva onde esses sensores estão localizados e conectados a um telemóvel onde está registado todo o perfil da utilizadora. Todos os meses, se existir alguma alteração, o dispositivo consegue alertá-la a tempo de contribuir para a detecção precoce do cancro da mama. “A ideia é simplificar muito o processo porque a utilizadora só tem de calçar a sua luva e seguir um tutorial. É algo muito simples e que permite ter resultados de uma forma prática”, afirma o CEO.
A segunda ideia mais promissora, em destaque no evento promovido pela AstraZeneca, é da autoria da RUBYnanomed que desenvolveu um dispositivo não invasivo para monitorização contínua de pacientes oncológicos, através do isolamento e da análise de células tumorais circulantes (CTCs) em amostras de sangue. “Com o apoio do projecto EIC Accelerator – BRIGHT –, a empresa está a trabalhar na certificação da tecnologia RUBYnanomed como ferramenta de diagnóstico in vitro para monitorização e estratificação de pacientes com cancro da mama com o objectivo de propor um tratamento personalizado”, explica Lorena Diéguez, CEO da start-up. Esta tecnologia da RUBYnanomed é, à semelhança da anterior, funcional e, demonstrou, segundo a responsável, “excelente especificidade e sensibilidade em testes clínicos”.
A propriedade intelectual da RUBYnanomed foi protegida em 2016 e, desde então, “o desempenho da tecnologia foi demonstrado na prática clínica com pacientes de dez tipos diferentes de cancro”.
Neste momento, a Glooma está a recolher dados e a realizar estudos clínicos em quatro instituições de saúde nacionais: Hospital Barreiro Montijo, Hospital Distrital de Santarém, Hospital Amadora Sintra e Centro de Rastreio do Cancro da Mama, na Madeira. “Já fizemos uma prova de conceito que foi realizada no Hospital CUF Descobertas, em que a nossa luva foi utilizada em 40 pacientes / participantes [que já tinham feito mamografia há menos de seis meses e já estavam sinalizados por detecção de algo benigno ou para vigiar numa das mamas] e os nossos sensores acertaram 88% das vezes no diagnóstico, sendo que os restantes 12% foram apenas falsos positivos e não tivemos qualquer falso negativo.” Do total das 40 participantes, os resultados detectaram dois casos de cancro maligno.
O CEO alerta para o facto de este método de monitorização não ser um substituto de exames complementares de diagnóstico. “Queremos dar autonomia às mulheres para vigiarem mais a sua saúde.” Até ao momento, têm sido os médicos de Medicina Geral e Familiar e os ginecologistas os que mais têm identificado o valor deste projecto porque contactam com mulheres e a auto-palpação todos os dias. “Contamos com reconhecimento de vários especialistas que atestam valor à nossa solução. Este apoio é fundamental do ponto de vista de negócio e de recomendação da luva às pacientes.”
Programa de aceleração e mentoria
Os dois projectos têm estado a participar, juntamente com outros projectos finalistas, num programa de aceleração e de mentoria que decorre durante oito semanas. Francisco Nogueira considera que estas sessões são essenciais para qualquer startup. “Participamos muito neste tipo de programas principalmente pelo networking pois acreditamos que podem abrir inúmeras portas e ajudar-nos em todo o processo”. Além disso, o acesso a sessões com especialistas de várias áreas, como comunicação, finanças, por exemplo, permite aprender com quem já tem muita experiência no sector.
A opinião é partilhada por Lorena Diéguez que explica, que até ao momento, o programa tem sido “muito útil”. E, justifica: “Os nossos colaboradores, fundadores e gestores estão a participar nas actividades de mentoria, de acordo com o tema das sessões”. Desde 2022, a RUBYnanomed tem vendido os seus kits apenas no mercado de Investigação Clínica. Até ao fim do primeiro trimestre de 2024, a empresa pretende “encetar esforços para a angariação de fundos e concluir uma ronda de investimentos”. Além disso, está actualmente “a terminar o processo de certificação e a conclusão da estratégia regulatória com vista à aprovação regulamentar nos Estados Unidos e Europa, no final do próximo ano”.
O impacto das soluções apresentadas para os doentes e sistemas de saúde foi um dos critérios para a selecção destas duas startups mais promissoras. “Acreditamos que, quer a Glooma, quer a RUBYnanomed podem ter um impacto significativo numa área de importante unmet medical need como é a área do cancro de mama. A Glooma, através da sua solução cujo grande objectivo é permitir um diagnóstico mais precoce de cancro de mama, que sabemos ser importantíssimo para melhores outcomes”, afirma Sílvia Garcia. E, a RUBYnanomed, acrescenta, “com a sua tecnologia inovadora que poderá permitir que as doentes com cancro de mama possam ter uma monitorização não-invasiva da evolução da doença, o que seria, sem dúvida, uma importante ferramenta ao dispor do oncologista para o acompanhamento destas doentes”.
Ainda que tenha noção de que este impacto não irá acontecer a curto prazo, Sílvia Garcia, em representação dos elementos do júri, afirma o contentamento de todos por poderem contribuir, “de algum modo, para este caminho de transformação de ideias em impacto para os doentes”.
Próximos passos
Foram realizadas, até ao fecho desta edição, 45 sessões de mentoria, com a participação de 18 mentores nacionais e internacionais, e debatidos os seguintes temas: vendas, crescimento, recursos humanos / talento e internacionalização, entre outros. Como resultado, existem já contactos com vista a potenciais parcerias e colaborações entre algumas startups finalistas no Net Zero Health Systems e alguns mentores. “A avaliação feita pelas startups destas sessões de mentoria foi 4,7 / 5 e, a dos mentores, de 4,0 / 5, o que demonstra a qualidade e fit das mesmas”, refere fonte da AstraZeneca.
De destacar que a participação neste programa tem permitido estabelecer uma relação com a AstraZeneca. “Fomos convidados a participar pela rede de centros de Inovação da AstraZeneca a A. Catalyst Network na conferência Slush, que aconteceu em Helsínquia, em Novembro de 2023”, explica Lorena Diéguez. Esta relação com a A. Catalyst Network e com a AstraZeneca como um todo “é muito importante para a RUBYnanomed, uma vez que o nosso objectivo é oferecer uma tecnologia que demonstre utilidade clínica aos oncologistas, seja acessível ao sistema de saúde e que, em última análise, seja capaz de melhorar a vida de milhões de pacientes com cancro”. Esta meta só pode ser alcançada em parceria com “a indústria farmacêutica”.
A Glooma apresentou a submissão da patente internacional ao Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes, no Sistema Internacional de Patentes, que veio juntar-se à patente nacional que a empresa já tinha.
Contributo para a sustentabilidade
A tecnologia RUBYnanomed tem um impacto notável na sustentabilidade, economizando no consumo de energia e gás a partir dos testes padrão. “Contribui significativamente para a redução das emissões de CO2 associadas ao transporte de pacientes, uma vez que a monitorização dos mesmos pode ser feita nos cuidados de saúde primários ou no laboratório local”, explica Lorena Diéguez.
No caso do dispositivo proposto pela Glooma, Francisco Nogueira confessa que espera que melhore a eficiência dos cuidados de saúde, na medida em que pode reduzir a necessidade de tratamentos extensivos e intensivos, que são necessários em cancros da mama detectados tardiamente. “Além disso, a nossa solução pode dar mais capacidade aos médicos para fazerem uma melhor gestão dos seus pacientes.” Se a luva detectar alguma alteração que seja preocupante, o médico pode gerir melhor a prioridade de determinada paciente em fazer uma mamografia. “Esse é o nosso cenário ideal: priorizar as mulheres que necessitam de realizar rapidamente uma mamografia, para que o cancro da mama seja diagnosticado, o mais cedo possível.”
Por outro lado, a luva pode ter impacto “na redução do consumo de recursos, na diminuição dos resíduos médicos, o que contribui para a descarbonização dos cuidados de saúde”. Do ponto de vista da própria mulher, ao aderir a este projecto, ao gerir e controlar melhor a sua saúde mamária, pode reduzir deslocações desnecessárias ao hospital e ter mais teleconsultas.
O programa Net Zero Health Systems está na sua recta final e os vencedores serão conhecidos no Demo Day, evento a realizar-se a 24 de Janeiro, em Lisboa.