Primeiro estudo a autor afrodescendente em Portugal foca Djaimilia Pereira de Almeida

A autora de Toda a Ferida é uma Beleza e de Luanda Lisboa Paraíso foi objecto de uma investigação académica que sai agora em livro.

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Djaimilia Pereira de Almeida nasceu em Angola e estreou-se no romance em 2015 nfs nuno ferreira santos

A escritora portuguesa de origem angolana Djaimilia Pereira de Almeida é a primeira autora afrodescendente objecto de um estudo académico em Portugal, publicado em livro pela Universidade do Minho, que destaca a sua interpretação de um país colorido.

Djaimilia Pereira de Almeida: Tecelã de Mundos Passados e Presentes é o nome da obra coordenada por duas investigadoras, Sandra Sousa e Sheila Khan, esta última também escritora, a par da investigação que realiza, enquanto socióloga, com foco nos estudos pós-coloniais.

"É a primeira obra de uma escritora afrodescendente, com uma experiência no espaço da diáspora africana europeia, neste caso a sociedade portuguesa", disse Sheila Khan à agência Lusa, sublinhando que este "é um primeiro livro dedicado a uma obra já consolidada, que abre de certa forma uma porta para os estudos da literatura da afrodescendência".

E prosseguiu: "Não é uma literatura fechada em si, é uma literatura muito comprometida com o dever de hospitalidade, fraternidade, de abrir espaços de diálogo, de relação entre o passado e o presente."

Através desta obra do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, as autoras demonstram como Djaimilia está a abordar "as realidades sociais" e a fazer um trabalho de "pensamento da realidade social".

"O trabalho da Djaimilia, a partir da literatura da ficção e do ensaio, é um contributo para estudar, analisar e mapear as nossas realidades", disse.

Para Sheila Khan, Djaimilia Pereira de Almeida faz este trabalho "a partir da literatura, do mapeamento, do pensamento social do contemporâneo", a par de "uma incursão ao passado, através das suas personagens, que traz para o presente".

Sobre o mais recente livro da escritora de origem angolana — o ensaio O Que É Ser Uma Escritora Negra hoje, de acordo comigo —, Sheila Khan afirma: "É um mapeamento, um tratado sociológico, histórico e antropológico sobre quem somos, qual a importância do nosso passado, de estudar esse passado e a importância de trazer esse passado para o espaço da sociedade civil portuguesa."

"Fosse eu minha trisavó, preta de carapinha dura, e o meu destino seria o chicote. Ser uma escritora negra hoje, de acordo comigo, uma mulher deste tempo, é escrever contra esse facto, carregando-o às costas, sem deixar que ele me tolha", escreve Djaimilia neste ensaio.

"Ela é tão criativa, com um sentido de multiplicidade, que nenhum dos seus livros é uma repetição ou uma síntese do anterior, traz sempre novas camadas para entendermos melhor o que é este Portugal pós-colonial de expressão portuguesa", prosseguiu Sheila Khan.

Com esta publicação da Universidade do Minho, a investigadora e escritora espera contribuir para abrir uma porta à literatura, pensamento e tradição afrodescendentes.

E sobre os escritores afrodescendentes refere que chegaram a Portugal muito novos, com os pais, e já cresceram no Portugal pós-25 de Abril. "Vão crescendo na sociedade portuguesa, mas apercebem-se de que vivem nesta dualidade, nesta ambivalência. Muitas vezes pelas suas características, são vistos como não portugueses, sendo portugueses; porém, não têm muita relação umbilical com os espaços originais dos seus pais, mas vivem muito com as memórias, experiências feitas por transmissão, por registo de rituais — a nível da gastronomia, da música, do vestuário — que vão absorvendo, acolhendo em si", acrescenta a investigadora.

Estes afrodescendentes "vão percebendo que também têm uma voz, um pensamento, que pode ser rico, não só para eles, como um marketing subjectivo, mas rico no sentido de interpelar o pensamento social e dizer que não há uma história única, há várias histórias, não há apenas uma forma de contar a história de Portugal, de Moçambique ou da Guiné-Bissau, ou Angola, no caso da Djaimilia, mas várias histórias que têm de estar presentes".

É uma geração que não está presa à geração dos pais, defende Sheila Khan, explicando que "essa prisão é a da sobrevivência, de ter dinheiro para pagar as contas — que naturalmente também preocupa esta geração —, mas não tem as mesmas urgências que a geração anterior, que teve de recomeçar de novo, vir para um país que, não obstante ter a mesma língua, foi um país que os estranhou".