A norte do rio Douro há mais lobos em Portugal, mas é a sul deste rio que há mais conflitos entre esta espécie e os seres humanos, e que o lince-ibérico é mais perseguido. Um novo projecto apoiado pelo programa LIFE da União Europeia, chamado Lupi Lynx, começa agora em Janeiro, juntando sete entidades portuguesas e duas espanholas para tentar criar condições de habitat e de convivência com as actividades humanas para a recuperação não só do lobo, mas também do lince-ibérico.
A ideia é intervir em áreas onde começam a surgir ou têm ainda uma presença irregular estas duas espécies de grandes carnívoros, que existem apenas na Península Ibérica (o lince é mesmo uma espécie separada do lince-europeu, baptizada Lynx pardinus, enquanto o lobo, Canis lupus signatus, é uma subespécie do lobo-cinzento). O lince é uma espécie classificada como estando “em perigo”, e o lobo como “criticamente em perigo”.
A área de intervenção do projecto Lupi Lynx inclui toda a região da Beira Interior em Portugal, nos distritos da Guarda e de Castelo Branco, e ainda a província de Cáceres, na Extremadura, em Espanha. No total, abrange cerca de 17 mil hectares. “O trabalho à escala transfronteiriça permitirá melhores resultados, mais abrangentes e com maior impacto no futuro do lobo-ibérico e do lince-ibérico, duas espécies-chave”, diz um comunicado de imprensa da organização sem fins lucrativos Rewilding, que coordena a iniciativa.
Participam ainda no projecto a associação Biopolis/Cibio — Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos, o Grupo Lobo, a Plataforma de Ciência Aberta do Município de Figueira de Castelo Rodrigo e a Universidade de Aveiro, bem como duas entidades espanholas: a Amus – Associação de Acção pelo Mundo Selvagem e a Junta de Extremadura.
“Melhorar as condições sociais e ecológicas que permitam a recuperação destas duas espécies ameaçadas da fauna portuguesa” é o objectivo do projecto, que tem a duração de cinco anos e um orçamento de cerca de 3,5 milhões de euros, diz a Rewilding.
Rewilding quer dizer renaturalizar, ou restaurar a natureza, recuperar ecossistemas funcionais, não apenas uma espécie, mas antes a rede de espécies interligadas que fazem a diversidade biológica de um local. Para conservar os grandes carnívoros como lobos ou linces, é preciso garantir condições como a existência de presas para se alimentarem e eliminar ao máximo as possibilidades de conflito com as populações humanas, por exemplo.
Portanto, relativamente às condições ecológicas, o projecto Lupi Lynx quer “aumentar as presas silvestres e o restauro do habitat”, tanto para o lobo-ibérico como para o lince-ibérico, diz o comunicado da Rewilding.
A intervenção tem igualmente aspectos socioeconómicos. “Ao nível social, o objectivo é promover uma coexistência pacífica com as comunidades humanas locais, aumentando as ferramentas de prevenção dos ataques ao gado, para evitar potenciais conflitos”, explica a associação.
Isso pode passar por mais medidas de prevenção de danos no gado, como o uso de cães de protecção de gado e de vedações, bem como pela melhoria do quadro legal relativo à utilização destes cães de protecção do gado. Promover boas práticas em propriedades privadas é outro dos objectivos.
Trabalhar em conjunto com as autoridades de Portugal e Espanha para identificar e prevenir crimes ambientais e o estabelecimento de parcerias com centros de recuperação de fauna silvestre e laboratórios de análises toxicológicas são também ideias que constam do Lupi Lynx.
Pretende-se, também, potenciar o desenvolvimento socioeconómico da região. Isso pode acontecer “através da aposta em actividades económicas sustentadas na natureza e que promovam o respeito pela paisagem e pela biodiversidade”. Por exemplo, através da promoção do turismo de natureza em terras de lobo e de lince.
Aumentar a troca de conhecimentos e a capacidade dos agentes locais na prevenção de danos ao gado e na detecção de crimes ambientais é outro objectivo. Que pode passar “pela realização de sessões participativas com actores-chave do território para encontrar soluções positivas que compatibilizem as actividades humanas com a presença destes predadores e programas de educação ambiental destinados a crianças e jovens”, diz o comunicado.
Esta iniciativa dá continuidade ao trabalho desenvolvido num outro projecto de cinco anos apoiado pelo programa LIFE, o WolFlux, que terminou em 2023, realizado pela Rewilding Portugal em parceria com diversas entidades nacionais. No âmbito do WolFlux, foi, por exemplo, feito um estudo sobre a forma como o lobo-ibérico é encarado a sul do rio Douro, a área de intervenção do novo projecto. Cerca de um quarto dos entrevistados mostrou alguma intolerância à presença dos lobos, e metade aceita que o lobo viva na região, mas só sob certas condições, como o pagamento de compensações pelos prejuízos causados por ataques do lobo ao gado, noticiou a Wilder. Esta apreciação indicia a necessidade de melhorar este sistema de pagamento de indemnizações, concluiu o estudo.