O Refeitório, que já foi dos militares, agora é de todos (e vale a pena)

Bons produtos nacionais, do cabrito ao peixe, uma cozinha de inspiração tradicional e a vontade de manter os preços acessíveis. É o novo restaurante d’A Praça, no Beato, em Lisboa.

Foto
As obras no espaço do Refeitório respeitaram o edifício original DR
Ouça este artigo
00:00
04:27

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

O espaço foi em tempos o refeitório dos trabalhadores da Manutenção Militar, a enorme fábrica do Beato, em Lisboa, onde se faziam massas, bolachas e pão para abastecer os militares portugueses. Agora, depois de muitas voltas da História – no chão, à entrada, está gravada uma data, 1933 – voltam a servir-se aqui refeições e, naturalmente, o novo restaurante foi baptizado como Refeitório.

Integrado no projecto A Praça, no Hub Criativo do Beato, o restaurante tem à frente da cozinha o chef Glediston Santos, conhecido como Titon, e aposta nos bons produtos portugueses, tentando manter preços acessíveis. “Seguimos o princípio de que é melhor servir cem pessoas a um euro do que uma pessoa a cem euros”, sublinha Cláudia Almeida e Silva, responsável pela gestão d’A Praça.

Quando aqui se fala de bons produtos portugueses não é apenas um chavão que vai sendo habitual um pouco por todo o lado – desde o início que o trabalho da Praça, que ocupa uma pequena parte do Hub, se tem centrado numa relação de proximidade com os produtores.

Foto
O chef Glediston Santos a empratar, com a sua equipa dr

Em cima do balcão da cozinha aberta estão, por isso, alguns dos produtos que Titon usa na carta – no dia da nossa visita há cogumelos, arroz da Aparroz e diversos tipos de abóboras – e que os clientes podem comprar na mercearia da Praça, do outro lado da rua interior que separa os dois edifícios deste projecto.

Já iremos atravessar essa rua para ver o que há do outro lado, mas, para já, a novidade é o Refeitório, que abriu em Dezembro, e onde se manteve a estrutura original do edifício, com as elegantes naves mestras e asnas no tecto, às quais se junta agora, ocupando grande parte da parede, uma obra do artista plástico Francisco Vidal, inspirada pela história da Manutenção Militar, e, sobre as mesas, a iluminar o centro da sala, potes de barro invertidos e transformados em candeeiros.

Foto
O bife do lombo com batatas fritas dr

Titon vai-nos explicando como foi pensada a carta, para a qual partiu de um receituário tradicional, que foi personalizando com detalhes. “Aqui nas entradas começamos por um lado mais regional, com a cenoura algarvia, mas, para darmos um pouco da identidade da Praça, servimo-las inteiras [7€]. No caso dos peixinhos da horta [6€], em vez de usarmos sriracha na maionese, usamos pimenta da terra dos Açores. Nesta outra entrada fazemos um terra-mar vegetal, com húmus de beterraba e uma patanisca, feita com farinha de grão, de erva-patinha, uma alga que se usa nos Açores.”

Já sentados à mesa, chega-nos um dos pratos mais invernosos, os cogumelos, de vários tipos, com castanha, sendo que, nota Cláudia Almeida e Silva, a preocupação foi usar castanha certificada como biológica Soutos da Devesa, de Trás-os-Montes, e procura-se, sempre que possível, dar essa informação aos clientes. “Dizemos, por exemplo, que o cabrito [64€, é um quarto do animal e dá para duas ou três pessoas] é transmontano, muita gente não sabe que temos em Portugal este cabrito da Associação Nacional de Caprinicultores de Raça Serrana, que é certificado.”

Provamos ainda o arroz de míscaros (16€), que no final “leva um toque cítrico para dar uma emoção”, explica o chef, e a deliciosa barriga de porco bísaro, a desfazer-se na boca – “são seis horas de forno e aqui no serviço finalizamos com uma temperatura mais alta para a pele ficar crocante” , acompanhada por um arroz cremoso de abóbora. E a couve lombarda de rabo de boi (17€), em que “a ideia foi trocar as voltas à couve com salsicha fresca”. Para tal, usam a salsicha do Talho das Manas por cima do puré e dentro da couve temos rabo de boi estufado”.

Foto
O refeitório da Manutenção Militar na década de 30 do século XX Autor desconhecido. Arquivo Manutenção de Lisboa/Fábrica de Moagem
Foto
E a sala do Refeitório na actualidade dr

Uma brincadeira semelhante surge também na sobremesa, uma das criadas pelo chef pasteleiro João Picão: o clássico Romeu e Julieta (queijo e marmelada) foi a inspiração para uma tarte basca feita com queijo Serra da Estrela e que é acompanhada por uma geleia da época (de momento, abóbora).

Por provar ficou, por exemplo a cataplana de peixe e marisco (42€, duas pessoas), com produto trazido pela Nutrifresco, garantia de qualidade, ou o bife de lombo à casa (24€), com batatas de Raul Reis, outro produtor de referência. Mas, justificamos, era preciso deixar motivos para voltar.

Foto
Couve-lombarda com rabo de boi dr

Cláudia garante que motivos não faltarão, até porque, para além de um almoço ou jantar no Refeitório, a Praça tem, no edifício em frente, que visitamos agora, a sua própria padaria com pão e bolos feitos de raiz (o que faz todo o sentido, tendo em conta a história deste espaço, uma indústria alimentar com base nos cereais) e, para além da mercearia, um espaço de bar com pratos mais simples, vinhos e, a partir do início deste ano, concertos que, promete, trarão ao Beato “novos artistas e música do mundo, em ligação com a oferta gastronómica”.

Sugerir correcção
Comentar