Municípios estão atrasados na gestão dos biorresíduos

Todos os municípios estão obrigados, desde segunda-feira, a oferecer um sistema de recolha de biorresíduos. A associação ambientalista Zero afirma que há um grande atraso na execução das medidas.

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Os biorresíduos são considerados fundamentais no processo de reciclagem porque representam 40% do total de resíduos Sarah Chai/Pexels

Os municípios estão obrigados, desde segunda-feira, a acrescentarem à reciclagem do lixo um sistema de recolha dos biorresíduos descartados pelos munícipes, mas as entidades oficiais desconhecem como estão a ser executadas as medidas, enquanto os ambientalistas falam num atraso geral. Os biorresíduos são restos de comida e resíduos biodegradáveis de jardins e parques.

Nem a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), nem a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) têm dados sobre quantos municípios operacionalizaram sistemas de recolha de biorresíduos, apesar de ser expectável que todas as câmaras tivessem definido e iniciado um sistema de recolha até 31 de Dezembro de 2023, no âmbito da Directiva-Quadro dos Resíduos da União Europeia, que estabelece as metas para a reciclagem de resíduos urbanos.

Para a associação ambientalista Zero, a data só é importante "se os municípios escolherem o caminho correcto", que é o de encontrarem uma solução efectiva, reflectida e racional para cada território, sem se limitarem a apresentar um projecto qualquer só "porque está na lei e porque é preciso publicitá-lo". "É um desafio enorme, mas é um desafio em que estamos a fazer tudo à pressa", disse à Lusa Paulo Lucas, da associação ambientalista.

Segundos o ambientalista, os municípios estão "impreparados", não recorrem geralmente a modelos de recolha eficientes e eficazes, e muitos fazem o mais fácil, que é juntar um novo contentor ao lado do que já recolhe o lixo indiferenciado, o que pode até ficar mais caro para a câmara do que desenvolver um sistema adaptado às necessidades.

Para Paulo Lucas, os biorresíduos são fundamentais no processo de reciclagem, porque representam "40% daquilo que está nos resíduos urbanos" e são "mais difíceis de serem geridos do ponto de vista da separação nas habitações".

"O cenário actual é de 20% de recolha selectiva e de 80% de recolha indiferenciada. Ou seja, nós temos que fazer aqui quase um [efeito de] espelho. Temos que fazer uma mudança rápida e drástica neste processo. A recolha selectiva tem que passar a ser os 80%. E isso vai ser um processo extremamente difícil", considerou.

O caso de Castelo Branco e Cascais

O concelho de Cascais, no distrito de Lisboa, já conta com "cobertura total" de um sistema de recolha de biorresíduos. O processo combina o factor humano com o tecnológico e tem oferecido "resultados interessantes", segundo a vereadora do Ambiente, Joana Balsemão.

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A associação Zero defende uma recolha de biorresíduos porta-a-porta Mel Greenfr/Pixabay

"As pessoas são contactadas porta-a-porta por equipas de jovens que explicam, tiram dúvidas e deixam um bilhete com mais detalhes, mas nunca deixam o equipamento sem haver uma interacção com o agregado. Se a pessoa não estiver em casa, voltam noutra altura", disse.

Em Cascais foram contactados porta-a-porta 60 mil agregados, além de estabelecimentos de restauração e hotelaria, e não foi possível contactar ainda cerca de 20 mil famílias, sendo agora o objectivo "apertar a malha" para ter cobertura de 100%. Além das explicações de como acondicionar este lixo biológico, ao cidadão é deixado um balde castanho de sete litros e mensalmente sacos verdes para estes resíduos.

Castelo Branco, por sua vez, recebeu a "primeira" viatura no país de recolha selectiva de biorresíduos com tecnologia híbrida. "Esta solução permite a operação da recolha e compactação dos resíduos em modo eléctrico e silencioso, possibilitando uma redução da utilização do motor (a gasóleo) do veículo", refere a autarquia.

"Estas viaturas vão permitir reforçar a frota para o desenvolvimento de novas actividades decorrentes de imposições legais, como sejam a recolha selectiva de biorresíduos" acrescentou o município. Num trimestre, os serviços municipais garantem já ter recolhido cerca de 100 mil quilos de resíduos que não entraram nos indiferenciados, o que representa uma poupança para o município de 7720 euros.

Apoios financeiros aos municípios

O Ministério do Ambiente destacou que os municípios têm acesso a apoios financeiros para desenvolverem sistemas de recolha selectiva e "um conjunto de incentivos", nomeadamente através da Taxa de Gestão dos Resíduos (TGR).

Estes incentivos, segundo o Ministério, incluem a devolução directa de verbas às autarquias pelos investimentos em projectos que promovam o aumento da recolha selectiva, o tratamento na origem de biorresíduos e a recolha multimaterial, possibilitando que "os municípios que cumpram os objectivos definidos nos seus planos de acção não vejam agravado o pagamento anual de TGR".

O Ministério salientou ainda que no PT2030 "estão previstos 286 milhões de euros para apoiar investimentos [de sistemas] na 'baixa', que serão distribuídos num contexto regional, através das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional e Comunidades Intermunicipais, e 114 milhões de euros para apoiar investimentos na "alta"". Para a Zero, há muita verba que está a ser desperdiçada.

"Não foram obviamente todos desperdiçados, porque houve adaptação dos sistemas de tratamento dos resíduos em 'alta', mas gastámos quase 400 milhões de euros para incrementar 3 a 4% da reciclagem em Portugal e, portanto, não é minimamente admissível que esta situação se perpetue", considerou Paulo Lucas, destacando que também estão a ser usadas "verbas de Fundo Ambiental com eficácia muito duvidosa".

A Zero defende que o melhor será implementar um sistema que tenha em conta as especificidades dos territórios.

Se há locais mais pequenos, onde a compostagem doméstica pode ser mais racional, na generalidade dos municípios maiores poderá ter melhor resultado um sistema de recolha selectiva porta-a-porta, porque responsabiliza o cidadão ao obrigá-lo a separar os resíduos em casa e a depositar o lixo em dias específicos consoante o seu tipo.

"Efectivamente os municípios estão muito reticentes em avançar com esta abordagem, que é uma abordagem que na realidade obriga o cidadão a ter que participar mais", declarou, defendendo que têm de ser criadas condições para a participação das pessoas, caso contrário elas vão acabar por desistir, "porque efectivamente não têm benefícios, nem são penalizadas por participarem ou não".

A associação admite também a colocação de contentores para biorresíduos na rua, mas defende que, quer estes quer os contentores com o lixo indiferenciado, devem ser mantidos fechados para evitar a sua utilização aleatória, mas com controlo de acessos por um cartão electrónico apenas por quem está autorizado.

A APA informou não dispor de dados sistematizados sobre como decorre a recolha de biorresíduos pelos municípios, mas adiantou que pretende "reunir essa informação através dos Planos de Acção de Resíduos Urbanos dos Municípios e Sistemas de Gestão de Resíduos Urbanos, que ainda estão a ser entregues, bem como do registo de dados no Mapa Integrado de Registo de Resíduos Urbanos referente ao ano de 2023". Também a ANMP indicou não ter números sobre o assunto.