Pessoas LGBT+ tornam-se sem-abrigo por falta de apoios: “A pandemia foi terrível”
O presidente da Opus Diversidade revelou que quem já passou por centros municipais foi vítima de homofobia e transfobia. Portugal só tem uma casa de acolhimento especializada para ajudar a comunidade.
Portugal carece de “respostas especializadas” para a comunidade LGBTQIA+ em situação de sem-abrigo, alertou esta terça-feira a Opus Diversidades, considerando que as instituições abrangentes não sabem lidar com esta comunidade. Segundo a organização, muitas das associações que apoiam pessoas LGBTQIA+ em situação de sem-abrigo “não dispõem de serviços específicos”, nem, “estão preparadas e sensibilizadas para as especificidades” da comunidade.
“As equipas não estão preparadas, não há uma formação adequada para acolher, para respeitar pronomes, para perceber quais são as idiossincrasias destas pessoas, que normalmente vêm com uma mochila carregada de muita coisa”, assinalou à Lusa o presidente da direcção da Opus Diversidades, Helder Bértolo, por ocasião do encontro sobre Respostas para a situação de sem-abrigo e a privação de habitação de jovens LGBTQIA+, que decorreu na manhã de terça-feira em Lisboa.
O presidente sublinha ainda que o problema não está nas respostas específicas para esta população, como é o caso da Casa de Acolhimento Temporário de Emergência em Portugal para pessoas LGBTQIA+ em situação de sem-abrigo, gerida pela Opus Diversidades. A questão, sublinhou, é a impreparação das respostas transversais.
As pessoas em situação de sem-abrigo que já passaram por centros municipais ou da Segurança Social não tiveram “qualquer tipo de bons resultados” e “muitas vezes voltam para a rua”, realçou Helder Bértolo. “A homofobia, e especialmente a transfobia, nestes espaços é incrível.”
A exclusão habitacional e a situação de sem-abrigo que a comunidade enfrenta continuam a ser negligenciadas nas actuais políticas de habitação e, a par das “deficiências dos serviços” disponibilizados a esta população. A par disto, há falta de formação “adequada” das equipas técnicas, que, por isso, também não conseguem fazer “uma pedagogia junto das outras pessoas acolhidas”, que assumem “habitualmente” um discurso “xenófobo, racista, misógino, machista e homofóbico ou transfóbico”. E essa situação, realçou, acaba por revitimizar as vítimas de agressão e discriminação.
A presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG), Sandra Ribeiro, subscreveu a importância de se ter respostas especializadas para esta população e concordou que é necessário formar e capacitar a administração pública. “Nunca tivemos tantos ataques à política pública nesta matéria como agora”, alertou, na abertura do encontro.
“Não sabemos quantas pessoas LGBT estão em situação de sem-abrigo, mas deduzimos que devem ser muitas”, estima, defendendo que a desagregação de dados nos próximos Censos "é fundamental". “Se não medirmos a realidade, não conseguimos actuar.”
Helder Bértolo declarou ainda que existem "poucos dados” sobre Portugal, mas os que existem “são muito reprodutíveis" e estimam “20 a 40% de pessoas LGBT entre a população em situação de sem-abrigo”. Desses, é provável que “quase 70%” estejam em situação de sem-abrigo “por serem LGBT”, porque se assumiram em casa e foram expulsas, não conseguiram suportar o ambiente familiar ou porque perderam o emprego.
“É preciso, de facto, haver mais dados", sem os quais não é possível "intervir", nem "desenvolver políticas sociais e públicas”.
Segundo Helder Bértolo, os resultados apresentados no âmbito do projecto europeu QueerNest, revelam que a vulnerabilidade de jovens LGBTQIA+ “tem aumentado”. “A pandemia foi terrível” e várias pessoas ficaram sem trabalho e sem alojamento, lembra o activista, revelando que as seis pessoas LGBT que estão, actualmente, na única casa de acolhimento especializada em Portugal gerida pela Opus Diversidades têm trabalho, mas “nenhuma” tem autonomia financeira para pagar uma casa.