Morreu Otar Iosseliani, um realizador que fazia a revolução no dia-a-dia

Cineasta georgiano radicado em França há décadas tinha 89 anos.

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Otar Iosseliani (à esq.) com o realizador português João César Monteiro no Festival de Veneza de 1989 Gorup de Besanez
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Otar Iosseliani era um homem de múltiplos talentos, embora tenha sido o cinema — e a possibilidade que lhe deu de contar com imagens em movimento as histórias que queria contar — a garantir-lhe um lugar de relevo. Realizador nascido na Geórgia soviética a quem se devem filmes como Folhas Caídas (1966), Pastoral (1975), Adeus, Terra Firme (1998) e o derradeiro Chant d’Hiver (2015), morreu em França, onde vivia desde a década de 80, soube-se este domingo. Tinha 89 anos.

A notícia da sua morte, que está a ser avançada por vários meios de comunicação, foi confirmada por um dos seus amigos mais próximos, o fotógrafo Yuri Rost, garante a televisão pública britânica no seu site. “Estamos de luto. Otar Iosseliani, o grande realizador, uma pessoa extraordinária e meu amigo chegado, partiu”, escreveu Rost.

Nascido e criado em Tbilissi, capital da Geórgia, então parte da URSS, Iosseliani (1934-2023) começou por se dedicar à música — terminou a sua formação em composição, piano e direcção de orquestra em 1952 — e mudou-se para Moscovo para tirar um curso de Matemática, vivendo na capital russa durante nove anos, quatro deles já como estudante na escola de cinema estatal.

Aos seus estudos moscovitas, Otar Iosseliani associou desde cedo uma sólida experiência de campo, trabalhando paralelamente nos estúdios Gruziafilm, de Tbilissi, primeiro como assistente de realização e, depois, como editor de documentário.

Akvarel, a sua primeira curta-metragem data de 1958, três anos antes de receber o seu diploma como realizador. É precisamente desse ano de 1961 a média-metragem Aprili, que não chegou a ser aceite para exibição em sala, o que o levou a pensar em abandonar o cinema, chegando a trabalhar, até, num barco de pesca e na indústria metalúrgica.

Felizmente, o seu afastamento do cinema não durou muito. Em 1966, Otar Iosseliani viria a rodar a sua longa-metragem inaugural, Folhas Caídas, que recebeu o prémio da crítica no Festival de Cannes de 68, edição a que o realizador foi impedido de assistir, sendo o filme representado por um agente do KGB, lembrou numa entrevista disponível no YouTube.

Folhas Caídas veio a ser o primeiro de um conjunto de três filmes soviéticos que a crítica classifica como excelentes, de que fazem parte Era uma Vez um Melro Cantor (1970) e Pastoral.

Consciente de que a liberdade artística lhe estava limitada na Geórgia — sob ocupação soviética entre 1921 e a queda do bloco de Leste, em 1991 —, algo que se tornou por demais evidente quando Pastoral ficou anos à espera de ser amplamente distribuído, o realizador resolveu mudar-se para França.

Aproveitando o sucesso deste seu filme em que o mundo urbano e o rural se encontram a partir de um quarteto de músicos clássicos que decidem ensaiar numa aldeia durante o Verão, título que faz com que voltasse a ser premiado pela crítica, desta vez no festival de Berlim de 1982, Iosseliani começou a trabalhar intensamente e, em 1984, tinha já outro filme pronto, Os Favoritos da Lua, distinguido de imediato no Festival de Cinema de Veneza, que desde aí viria a ser um dos palcos de eleição deste cineasta que fez de Paris a sua casa.

Seguiram-se filmes como E Fez-se Luz (1989), Caça às Borboletas (1992), o documentário Seule, Goergie (1994), Adeus, Terra Firme, Segunda de Manhã (2002), Jardins de Outono (2006), Chantrapas (2010) e, por fim, Chant d’Hiver.

Para muitos dos críticos e jornalistas que escreveram sobre a sua obra, os filmes de Iosseliani são como pequenas revoluções silenciosas em que o cineasta, por vezes com grande ironia e tendo por cenário o quotidiano, expõe a destruição dos modos de vida tradicionais e reflecte sobre a impossibilidade de transmitir às gerações futuras uma cultura diferenciadora.

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