É uma daquelas conjugações do acaso, uma coincidência temporal no lançamento de dois vinhos simbólicos que remetem para duas das mais destacadas figuras da história contemporânea do Douro. Para lá dos vinhos, é enorme o legado de Fernando Guedes, que fez da Sogrape um dos grandes players mundiais do sector e inspirou também o Legado, um vinho já icónico que é símbolo também da sua enorme sabedoria, sagacidade e persistência.
Foi esta semana lançada a nova edição, da colheita de 2018, ao mesmo tempo que era também apresentado o Memórias, uma novidade da família Alves de Sousa que evoca os 30 anos da Quinta da Gaivosa e remete para a personalidade única do seu patriarca, Domingos Alves de Sousa.
Dois casos em que os vinhos representam muito mais que as suas qualidades. São histórias de garra e perseverança, que espelham os homens por detrás da obra, a sua visão de futuro, o amor às vinhas e uma inabalável fé nos vinhos.
Uma fé com que fez com que o saudoso líder da Sogrape acreditasse que das raras videiras sobreviventes por entre as pedras dos socalcos pré-filoxéricos da Quinta do Caêdo podia brotar um vinho icónico. A mesma fé que alimentou a firmeza da aposta de Alves de Sousa nos vinhos do Baixo Corgo, num tempo em que isso pareceria mesmo apenas uma questão de fé.
O tempo, no entanto, acabaria por lhe dar razão. Foi um dos pioneiros no engarrafamento dos DOC Douro e bastará hoje provar os vinhos da Quinta da Gaivosa para perceber que são uma espécie de bálsamo para a região. E quando os vinhos mais extraídos, opulentos e impactantes, faziam furor e criaram um "estilo Douro" que levou a fama da região a todo o mundo, Alves de Sousa seguiu o seu caminho.
Um rumo que prosseguiu e consolidou ao longo de três décadas em que a região avançou decisivamente na produção dos vinhos DOC, um capítulo da sua história em que Domingos Alves de Sousa se assume como destacado protagonista. Para a história ficam também as suas célebres viagens por todas as geografias com a mala cheia de garrafas, fazendo com que os seus vinhos sejam hoje reconhecidos e consumidos nos mais diversos quadrantes.
Sendo um também um pouco de toda essa história, Memórias não deixa também de ser um vinho novo e inovador no estilo. Um vinho que recolhe o contributo de várias colheitas, uma espécie de solera, uma memória dos antigos vinhos do Porto que todos os anos recebiam um acrescento até à definição final do lote. Um vinho que reúne no fundo as boas memórias de Domingos Alves de Sousa.
Com o Legado acontece o mesmo. Evocam-se as memórias de Fernando Guedes, a abrangência da obra, a sua acolhedora simplicidade e acutilante sabedoria. Um homem ousado e inovador que gostava de falar do Legado como uma espécie de magia, a materialização dessa fé no vinho. E enquanto os seus enólogos falavam nas virtudes e características do seu terroir, ele brincava dizendo que só conseguia lá ver pedras e aridez e, por isso, preferia a palavra pedroir.
Dois vinhos que são duas histórias de vida.