Artefactos roubados do Museu Britânico terão sido vendidos por meros 58 euros a peça

O relatório elaborado por uma comissão independente, na sequência do escândalo do roubo de cerca de 2000 peças revelado em Agosto, recomenda o registo exaustivo dos oito milhões de itens da colecção.

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A revelação em Agosto dos roubos, prolongados ao longo de três décadas, abalou o prestígio do Museu Britânico TOLGA AKMEN/EPA
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Depois do escândalo do roubo de cerca de 2000 peças da colecção do Museu Britânico, revelado em Agosto e que levou à demissão do seu director, Hartwig Fischer, e ao afastamento de um curador sénior, Peter Higgs, foram reveladas esta terça-feira as primeiras conclusões do relatório ao caso elaborado por uma comissão independente. A mais importante e mais óbvia recomendação prende-se com a necessidade de o Museu Britânico manter um registo exaustivo de todas as peças das suas colecções – nenhuma das peças roubadas estava devidamente catalogada.

Das 30 páginas de que consta o relatório, apenas quatro vieram a público, precisamente aquelas onde encontramos as recomendações relativas ao funcionamento e práticas internas do museu. As restantes, como explicou George Osborne, presidente do Conselho de Administração da instituição nascida em 1753, manter-se-ão em sigilo enquanto prossegue a investigação policial. Reconhecendo terem sido vítimas de alguém a operar no interior da instituição, Osborne, citado pela BBC News, manifestou a determinação do museu em “aprender as lições, garantir a segurança da colecção e ser uma instituição mais aberta, transparente e autoconfiante no futuro".

Foram aceites e já estão a ser postas em prática as 36 recomendações incluídas no relatório, onde se inclui a definição clara do que constitui a colecção do Museu Britânico, que alberga cerca de oito milhões de peças, ou uma abordagem diferente à política de sanções dos seus trabalhadores, de forma a prevenir que casos semelhantes se possam repetir no futuro. Já decorre neste momento o processo de documentação e digitalização de toda a colecção, prevendo-se que este seja concluído nos próximos cinco anos, afirmou George Osborne. A comissão independente foi formada por Sir Nigel Boardman, advogado especializado em direito empresarial, Lucy D'Orsi, chefe da polícia de transportes britânica, que supervisiona as linhas férreas, de metropolitano e estações respectivas, e Ian Karet, juiz-adjunto do Supremo Tribunal.

À venda na Internet

O caso abalou seriamente o prestígio do Museu Britânico, levando a acusações de incúria na protecção do seu vastíssimo património e, consequentemente, à intensificação de pedidos de restituição de artefactos por parte de países como a Grécia ou a Nigéria. Segundo os seus representantes, perante o caso, caía por terra o argumento de que as peças que o museu alberga correm o risco de não serem protegidas nos seus países de origem. Peter Higgs, o curador sénior afastado em Agosto e suspeito da autoria dos furtos, que se prolongaram ao longo de 30 anos e que terão gerado cerca de 100 mil libras (cerca de 116,3 mil euros), declara-se inocente e recusa colaborar com as autoridades.

A divulgação do relatório permitiu conhecer mais pormenores sobre os roubos. Entre as 2000 peças roubadas ou danificadas, foram até agora identificadas 651 e recuperadas 351. O principal responsável pela recuperação das peças é Ittai Gradel, académico e antiquário dinamarquês que em Fevereiro de 2021 soou o alarme ao se deparar com uma peça à venda no eBay, descrita como herança familiar mas que constava do catálogo online do Museu Britânico. Identificou posteriormente mais duas peças e deu disso conta, por email, ao director-adjunto Jonathan Williams. Este, porém, não só demorou quatro meses a dar resposta a Ittai Gradel como, quando o fez, informou o antiquário de que uma investigação interna localizara as peças e de que não havia quaisquer indícios de irregularidades – Williams acabaria por se demitir pouco após Hartwig Fischer anunciar a renúncia ao cargo de director, considerando que as denúncias tinham sido encaradas de forma leviana pela instituição que dirigia.

Gradel, que continuou a recolher peças do museu à venda online (acumulou 350 das 351 peças já recuperadas), conta à BBC News ter comprado a maioria delas em pacotes de dezenas de artefactos. Contas feitas, terá pago umas irrisórias 50 libras (58 euros) por peça. Tendo como alvo preferencial jóias e pedras preciosas gregas e romanas não catalogadas, o autor dos roubos foi também responsável pela danificação e destruição de várias peças. Há 140 que apresentam marcas de ferramentas na sua superfície e o museu acredita que cerca de 350 ornamentações em ouro tenham sido derretidas para venda posterior.

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