Porque continua a extrema-direita a crescer?
Como no período do fascismo do século passado, o regime político aludido como “democrático” não está a dar conta das crises capitalista de alta intensidade.
Uma análise sociopolítica começa a se tornar senso comum de que existe uma tendência de crescimento (no dito “Ocidente”) de movimentos, partidos e governos reacionários, neofascistas ou de extrema-direita. Todavia, pouco se enfatiza quando foi o ponto de viragem que forneceu tração para tais movimentos: a grande crise (das estruturas) do capitalismo de 2007/08 ou do subprime. Momento em que se observou a maior “nacionalização da bancarrota” dos capitalistas, enquanto para aqueles/as que vivem do trabalho e assalariados foi imposto um forte empobrecimento por meio de políticas macroeconómicas de austeridade (troika), que visavam (e visam) destruir e enfraquecer políticas sociais minimamente civilizatórias. Esse é o ponto central e incontornável para qualquer análise desse fenómeno.
As contínuas crises sociais e económicas, os ciclos de “estabilidade” política cada vez mais curtos, um rol de contestações e revoltas, nos indicam um esgotamento do sistema político liberal. Assim, como no período do fascismo do século passado, esse regime político aludido como “democrático” não está a dar conta das crises capitalistas de alta intensidade. É nessa encruzilhada que vemos muitos conservadores, liberais e sucedâneos passarem o rubicão, optando por regimes políticos mais autoritários e repressivos. Para muitos, a democracia (de tipo liberal) não passa de um instrumento provisório que visa defender os seus interesses de classe. Em síntese, a crise económica, social, ambiental e política tem sido o terreno fértil para o crescimento de organizações reacionárias e (neo)fascistas no “Ocidente”.
Nesse sentido, identificamos dois elementos essenciais e óbvios, que escassamente são assinalados. O primeiro deles: estes movimentos não surgem “do nada”! Onde estavam? Ao analisarmos de onde apareceram e surgem as lideranças desses grupos, verificaremos que são dos setores mais conservadores (e reacionários) dos partidos, classificados, sociologicamente de direita moderada – “basta!” relembrarmos a origem política de André Ventura (desculpem o trocadilho). O segundo é a crise dos partidos de esquerda moderada (social-liberal e social-democrata) e da direita moderada (liberais clássicos e neoliberais). Essa situação decorre, porque eles só sabem gerir o aparelho estatal – dentro do atual sistema político – nas balizas do padrão de reprodução neoliberal em crise estrutural. Isto é, não conseguem se apresentar com alternativa concreta e efetiva ao atual estado de coisas, pois isso seria romper com a lógica vigente. Portanto, o que temos é o que o filósofo italiano Domenico Losurdo denominou “monopartidarismo competitivo”, em que dizem e dissimulam resolver os problemas fundamentais e o empobrecimento generalizado. Uma parte, significativa, da população trabalhadora não acredita mais no sistema político “democrático” – é só observarmos os altos índices de abstenção eleitoral em toda a Europa. Essas populações estão cansadas de serem enganadas com “conversas da treta” e sem perspetiva de melhorias substantivas; nesse esteio, o que existe é uma exteriorização de um ódio coletivo contra “tudo o que está aí”.
O ponto decisivo é que nesse momento de crise de alta intensidade que o atual sistema político não consegue resolver os reacionários, neofascistas e sucedâneos são chamados para intervir, a fim de salvar a “civilização”, a nação e o povo (uma abstracção em que cabe qualquer coisa) das elites corruptas. Nesse sentido, a colocar-se com uma aparência (repito, apenas aparência) de antissistema ou contra as instituições e os governos de momento. Nessa conjuntura, captam um sentimento que é real e verdadeiro dos segmentos de classe intermédios e subalternos, um descontentamento social alargado: desamparados, com medo e sem esperança no futuro. Assim identificando nesses grupos políticos de extrema-direita uma “alternativa” que supostamente não foi tentada.
Quando governos reacionários e neofascistas sofrem derrotas eleitorais – como nos EUA, Brasil, Polónia e afins –, alguns centristas “gritam” que a “democracia” venceu. Enganam-se! São apenas refluxos numa tendência de crescimento da extrema-direita. As recentes vitórias de Javier Milei na Argentina e do Partido da Liberdade (Geert Wilders) nos Países Baixos apontam para tal pendor. Precisamos nos interrogar. Como apareceu esse fenómeno em países com formações sociais tão diferentes e desiguais? Desde que “la mano de dios” deu a vitória à Argentina no Mundial de 1986, este país vive sob constantes e intensas crises económicas e instabilidade política. Nem os peronistas (aglomerado de interesses difusos e contraditórios) e muito menos os antiperonistas conseguiram apresentar soluções efetivas e duradouras para o povo trabalhador argentino. Nos Países Baixos temos 13 anos de um governo neoliberal, liderado pelo homem que só vê a austeridade como caminho: Mark Rutte (o mesmo que disse que Portugal deveria “estar preparado para aceitar mais austeridade”, entre outras intervenções). A sua política neoliberal aplicou brutais cortes nas despesas e investimentos públicos; a consequência foi um agravamento nos serviços públicos (saúde, transporte, etc.) e no endividamento das famílias. O elo que os aproxima é o empobrecimento relativo das populações assalariadas, tanto no centro do sistema como na periferia.
No sentido da tendência supracitada, as últimas sondagens apontam para um crescimento eleitoral acentuado do Chega, não o suficiente para chefiar um governo, mas que poderá expressar essa insatisfação coletiva. Uma inflação galopante, que consome grande parte dos rendimentos das famílias; a questão da habitação, que ficou impagável para os trabalhadores em Portugal. Agrega-se nessa conjuntura o modo como o Governo de António Costa chegou a fim, sob suspeita de corrupção e tráfico de influências, ajustando-se como uma luva na suposta “cruzada anticorrupção” que a extrema-direita lusitana diz levar em marcha – como se todos os males de Portugal fossem causados pela corrupção; entretanto, é uma tática já conhecida, pois Bolsonaro utilizou fortemente no Brasil em 2018. Infelizmente, não passa de um uso instrumental e retórico de um problema real.
Os partidos reacionários e neofascistas se apresentam como “válvula de escape” para uma grande massa de trabalhadores/as cansados das incertezas e desesperançados diante da crise capitalista que os empobrece persistentemente. Será que nesse momento só garantirmos o que foi conquistado não significa regredir? Viveremos tempos de polarização política?
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico