O logótipo do Governo e a bandeira nacional
O Governo devia ser o primeiro a respeitar a bandeira e por isso causa espanto e indignação que o mais elevado símbolo da nação seja deturpado ao sabor da moda “woke”,
O Governo decidiu recentemente criar uma nova “marca” para comunicar a acção governativa e identificar a administração pública. Neste sentido, procedeu a uma reconfiguração da bandeira nacional, operando uma “síntese formal” que teve por objectivo criar uma imagem “inclusiva, plural e laica”.
Parece, pois, que o Governo considera que a bandeira nacional, instituída pela I República em 1910, representa a exclusão e o unanimismo, e que a mesma tem um carácter confessional, apesar de a actual Constituição proclamar que ela é “símbolo da soberania da República, da independência, unidade e integridade de Portugal” (art. 11.º da CRP).
À vista do resultado visual alcançado – um rectângulo verde, um círculo amarelo e um rectângulo vermelho, figuras dispostas numa sequência horizontal e afastadas entre si –, a verdade é que a nova "marca" institucional do Governo, de questionável qualidade estética, se traduziu numa profunda e grosseira adulteração daquele símbolo nacional ao fazer desaparecer a esfera armilar e o escudo, com as suas quinas e bordadura de castelos.
Como órgão de soberania que é, o Governo devia ser o primeiro a respeitar a bandeira nacional e por isso causa espanto e indignação que o mais elevado símbolo da nação seja assim deturpado ao sabor da moda “woke”, apagando dele elementos que estão absolutamente enraizados na nossa identidade histórica e cultural.
Ao rejeitar a esfera e o escudo, o Governo assumiu uma posição dotada de forte carga ideológica, querendo esquecer que esses sinais estão de tal modo consagrados no imaginário colectivo português que a mais profunda mudança de regime – a instauração da República em 1910 – não só não eliminou da bandeira o escudo (que, sendo de origem dinástica, há muito ganhara um significado nacional), como retomou o uso da esfera armilar – símbolo pessoal dos reis D. Manuel I e D. João III e que já havia figurado na bandeira nacional durante um curto período, após a formação, em 1816, do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.
Não por acaso, as selecções portuguesas de futebol e de outras modalidades desportivas são correntemente designadas "selecção das quinas", numa evocação do elemento central do escudo nacional.
A utilização de logótipos pelos órgãos de soberania e administração pública devia, em meu entender, terminar de uma vez por todas, com a vantagem de acabarem os ajustes directos aos ateliers de design – como aconteceu no caso presente, em que o Estado despendeu 74 mil euros – e os demais custos sumptuários para refazer estacionários, sites da Internet, sinaléticas, etc., sempre que um Governo resolve mudar de “marca”.
Faça-se uso da bandeira nacional ou, no limite, quando razões de simplificação gráfica o exijam, do escudo nacional. São estes os símbolos que comungamos e que nos identificam como nação – “uma comunidade natural, histórica e espiritual, e não apenas um sítio onde se vive melhor ou pior”, nas recentes palavras de Nuno Maria Côrte-Real. Símbolos que por isso devem ser perenes ao invés de andarem à mercê de modas, gostos e veleidades interpretativas daqueles que transitoriamente se acham investidos em funções governativas.
Como bem assinalou Miguel Metelo de Seixas na sua obra Quinas e Castelos. Sinais de Portugal (Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2019), “o escudo e a esfera armilar transmitiam a ideia de continuidade histórica da comunidade nacional”, motivo que justificou a sua preservação até ao presente. Bom seria, aliás, que aquele pequeno mas interessantíssimo ensaio fosse lido na escola e distribuído a presidentes da república, primeiros-ministros e demais governantes em cada acto de tomada de posse.