Quando procurámos uma descrição possível do que é a ansiedade climática, responderam-nos com uma imagem cinematográfica: um carro em andamento, uma pessoa “no meio de uma auto-estrada”, “paralisada” diante do perigo iminente. Seria possível correr, seria possível esbracejar para captar a atenção do condutor, mas o corpo não responde. Ninguém compreende tamanho entorpecimento. Assim é a ecoansiedade.
“Sentir ansiedade [climática] é como estar na posição dessa pessoa. Vemos uma coisa lá ao fundo a vir na nossa direcção e somos incapazes de nos mexer. E tudo isso tem consequências psicossomáticas, começamos a sentir palpitações, a respirar rápido, de uma forma errática, parece que estamos a ter um ataque cardíaco. Não há nada que possamos fazer”, explica ao PÚBLICO Pedro Verde Pinho, um fotógrafo de 34 anos que dá aulas no Instituto Português de Fotografia do Porto.
Melhor dizendo: assim é a ecoansiedade de Pedro Pinho. A inquietação que o fotógrafo sente em relação ao futuro do planeta não será necessariamente igual à de outras pessoas com ansiedade climática. A resposta emocional provocada pela degradação ambiental pode variar. Há quem tenha insónias, por exemplo, e há quem tenha uma vontade súbita de chorar. Há de tudo. Muitos até convertem o desespero em activismo climático.
“Nós vemos nas notícias cheias, fogos, tempestades. Vemos tudo a acontecer ao mesmo tempo e pensamos: quando é que vai chegar a minha vez?”
Foi exactamente o que aconteceu com Pedro Pinho — até a um certo ponto. A preocupação com o ambiente levou-o a participar em marchas e movimentos, incluindo o da Greve Climática Estudantil. Em 2020, o ano da pandemia, o fotógrafo começou a perceber que a própria luta ambiental passou a ser “uma fonte de cansaço emocional”. E teve de parar, para se proteger. “Nós estamos tão sozinhos”, diz. Hoje, define-se como um “activista não praticante”.
Já com Teresa Santos, uma bióloga de 31 anos, aconteceu o inverso. Esta investigadora sentiu “desde sempre” ansiedade em relação à ruína progressiva dos ecossistemas terrestres. “Já na escola ouvia falar do Protocolo de Quioto, já andamos nisto das COP [cimeiras do Clima] há 28 anos”, diz. A sua angústia ambiental só se atenuou, conta, quando aderiu à luta climática na Scientist Rebellion.
“Juntar-me ao activismo ajudou-me bastante a lidar com este tipo de emoção. Encontrei uma comunidade que pensa da mesma forma que eu, que tem os mesmos valores. Isso ajuda a diminuir a solidão que sentimos”, afirma Teresa Santos, que é doutoranda em Genética da Conservação na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa.
A Scientist Rebellion é uma organização que agrega cerca de mil cientistas preocupados com a inacção climática em mais de 30 países — incluindo nomes de relevo como Peter Kalmus, cientista da NASA. O movimento pratica actos de desobediência civil com o objectivo exigir respostas do poder político. “Acabamos por criar uma família. Quando estamos a colocar-nos em situações extremas, cria-se este laço de confiança”, diz a activista.
A fronteira entre as ansiedades
Teresa Santos tem alguma dificuldade em traçar a linha que separa a ecoansiedade da ansiedade genérica. Diz sofrer de ansiedade muito antes de perceber que também era ecoansiosa. E descreve estas respostas emocionais como se estivessem guardadas em vasos comunicantes.
“Há sempre aquela dificuldade em perceber o que é a ansiedade que deriva especificamente da parte ecológica e aquela que tem raízes na nossa sociedade. Vários tipos de ansiedade acabam por estar interligados entre si”, refere, ilustrando quão complexa pode ser a ecoansiedade.
A exemplo de Teresa Santos, Pedro Pinho também já apresentava um quadro geral de ansiedade anterior à preocupação climática. Estas sobreposições não significam, contudo, que as duas respostas emocionais sejam iguais. E muito menos que a ecoansiedade possa ser considerada um diagnóstico psiquiátrico.
“A ansiedade climática não é uma condição clínica”, frisa Teresa Pereira, investigadora de doutoramento na Faculdade de Psicologia da Universidade do Minho e membro do EcoPsi – Psicologia e Clima, um colectivo que agrega profissionais de psicologia atentos à associação entre saúde mental e crise climática.
Teresa Pereira observa que a ansiedade climática constitui “uma resposta proporcional à dimensão da crise climática” e que, portanto, é um erro pintar estas emoções com um verniz “estigmatizante” e “patológico”. Fazê-lo seria “desresponsabilizar a sociedade por um problema que é colectivo”, pondo “o peso” desta experiência emocional unicamente nas costas das pessoas que sentem ecoansiedade.
“A ecoansiedade é muito diferente da ansiedade que nós sentimos no dia-a-dia, que se trata de uma resposta adaptativa, em que nós [psicólogos] conseguimos dar algum sentido de controlo à pessoa, para que possa gerir as respostas emocionais negativas que tem face a um determinado stressor. Já no caso das alterações climáticas, estamos a falar de algo que foge muito ao nosso alcance individual. E, por isso, torna-se muito mais difícil dar conforto e sentido de controlo à pessoa”, refere Teresa Pereira.
A investigadora da Universidade do Minho coordenou o guia digital Climate Teenage Guide, um guia elaborado por e para jovens activistas climáticos. Lançada em Setembro, esta publicação gratuita inclui estratégias para promover a comunicação e a saúde mental no contexto das alterações climáticas.
Do desamparo à esperança
A ecoansiedade foi definida pela Associação Americana de Psicologia, em 2017, como sendo “um medo crónico da degradação ambiental”. Publicações anteriores já haviam incorporado à literatura científica existente — ainda limitada — termos como “solastalgia” ou “luto ecológico”. Desde então, tem crescido o interesse académico e popular sobre as relações entre clima e saúde mental. Este ano, por exemplo, as pesquisas no Google sobre ansiedade climática dispararam em várias línguas, incluindo o português.
Diferentes sentimentos podem estar associados às consequências da crise climática: tristeza, raiva, impotência, culpa, desamparo, vergonha e até esperança. Um estudo da revista científica Lancet Planetary Health, publicado há dois anos, mostrava que mais da metade dos dez mil jovens inquiridos afirmavam conviver com esses sentimentos. Mais de 45% dos participantes referiram que estas emoções afectam negativamente o quotidiano. E quase 60% reportavam grandes preocupações ambientais.
“Enquanto investigadores, ficámos perturbados com a escala dos efeitos emocionais e psicológicos das alterações climáticas sobre as crianças e os jovens de todo o mundo e com o número dos que relataram sentir-se desesperados e assustados com o futuro da humanidade. Gostaríamos que esses resultados não tivessem sido tão devastadores”, escrevem os autores do estudo, que se concentra na faixa etária entre os 16 e os 25 anos e cobre uma dezena de países, incluindo Portugal.
A assustadora incerteza em relação ao futuro é referida com frequência nos estudos sobre ecoansiedade. No relato de Pedro Pinho, esta ideia está condensada na metáfora do carro em rota de colisão. O que exaspera o fotógrafo é não só a iminência de um choque violento, mas também a impossibilidade de prever, ou controlar, as circunstâncias do desastre.
“Nós vemos nas notícias cheias, fogos, quatro tempestades em apenas duas semanas. Vemos tudo a acontecer ao mesmo tempo e pensamos: quando é que vai chegar a minha vez?”, indaga.
O medo crónico que Pedro Pinho sente não é despropositado. Trata-se de uma resposta emocional alimentada por uma torrente de notícias que espelham um mundo diminuído. A ciência indica de forma inequívoca que os fenómenos climáticos extremos serão cada vez mais intensos, frequentes e duradouros. A montra mediática tem sido um reflexo disso mesmo.
A última década foi a mais quente desde que há registos. Este ano ainda nem terminou e os cientistas já garantem que será o mais escaldante que já observámos. Ao longo dos últimos 11 meses, a Terra testemunhou múltiplos recordes, incluindo o de temperatura média da superfície do mar e de diminuição do gelo marinho na Antárctida. Num documento recente da Organização Meteorológica Mundial, lê-se que 2023 despede-se deixando “um rasto de devastação e desespero”.
A única forma de suster esse processo destrutivo é pararmos de lançar gases com efeito de estufa para atmosfera. Deveríamos estar a travá-lo, mas continuamos a acelerar. As concentrações observadas de dióxido de carbono (CO2), metano (CH4) e óxido nitroso (N2O) — os três principais gases com efeito de estufa — subiram em 2022 para valores inéditos. Nesse mesmo ano, António Guterres, secretário-geral das Nações Unidas, avisou que a humanidade estava “numa auto-estrada rumo ao inferno, com o pé no acelerador”.
É nesse território da ameaça iminente, com fronteiras validadas pela ciência, que prosperam respostas emocionais como as de Pedro Pinho. A paralisia advém, em grande parte, da falta de controlo: um indivíduo pode separar o lixo, pode usar a bicicleta, pode deixar de comer carne, mas não pode obrigar todos os países a parar de queimar combustíveis fósseis. Reconhecer esta impotência diante de uma ameaça global pode gerar sentimentos como a frustração, a impotência e a raiva.
“Por mais que eu faça alguma coisa, a mudança tem de ser sistémica para que possamos atacar a crise climática — o que é muito frustrante e absolutamente incapacitante. Esta falta de controlo que eu tenho para mudar as minhas circunstâncias de vida vai, inevitavelmente, afectar a minha capacidade de controlar as emoções”, conclui o Pedro Pinho.
Estudo geracional em Portugal
A Universidade do Porto acolhe, desde 2005, um dos maiores estudos longitudinais da Europa. Chama-se Geração 21 e acompanha desde o nascimento cerca de 8600 bebés. Hoje, muitos dos participantes já são maiores de idade. O objectivo da equipa é, ao longo do tempo, recolher e analisar dados médicos e socioeconómicos destes jovens. Na fase em que estavam no fim da adolescência, os cientistas aproveitaram para lhes pôr questões sobre a ansiedade climática.
“Nós decidimos fazer este estudo focado na ecoansiedade porque vimos aqui uma oportunidade inédita. Estes jovens estão a atravessar uma fase que em que, segundo estudos internacionais, a prevalência da ecoansiedade parece ser maior. E, por outro lado, são jovens que vivem em Portugal, um país onde as alterações climáticas poderão ter consequências mais gravosas. É, portanto, plausível que a população portuguesa esteja mais preocupada com estas transformações do ambiente”, explica Ana Isabel Ribeiro, investigadora no Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.
Os resultados preliminares deste trabalho, que envolveu cerca de 1200 inquiridos, sugerem uma “prevalência elevada” de jovens com “sentimentos de impotência”. Estas são, aliás, as emoções mais prevalentes. “O sentimento de culpa e impotência são mais frequentemente reportados — e não tanto o medo”, refere Ana Isabel Ribeiro, que elaborou a análise em parceria com a psicóloga Ana Henriques, também investigadora do ISPUP.
Em linha em outros estudos internacionais, a equipa verificou que as raparigas apresentam níveis de ecoansiedade cerca de 2,5 vezes maiores que o dos rapazes. “Isto é relevante e merece interpretação”, sublinha Ana Isabel Ribeiro. Nesta fase inicial, ainda não é possível explicar cabalmente esta disparidade entre homens e mulheres. Até porque a ecoansiedade encerra aspectos tão complexos como a própria ecoansiedade.
Ana Henriques observa que os resultados da ansiedade climática seguem a mesma tendência da ansiedade generalizada (ou seja, que possui múltiplas causas). E aventa hipóteses com cautela: “Poderíamos considerar variadíssimas razões, como facto de as mulheres reportarem com mais facilidade questões ligadas à saúde mental, ou mesmo a sobrecarga de papéis na sociedade. De qualquer modo, ainda é cedo para tecer conclusões.”
Se a distribuição por género não trouxe surpresas, o mesmo não ocorreu com as diferenças socioeconómicas. “Um dado que nos surpreendeu foi a ausência desigualdades sociais nos níveis de ansiedade. Existem estudos que sugerem que as classes mais baixas têm níveis de superiores de eco-ansidade. Mas no âmbito desta coorte não encontramos este efeito”, refere Ana Isabel Ribeiro.
Uma coorte é composta por um grupo de indivíduos que têm características em comum, tais como a idade, geografia ou a condição médica. No estudo Geração 21, coordenado pelo epidemiologista Henrique Barros, a coorte é composta por pessoas que nasceram entre Abril de 2005 e Agosto de 2006 em hospitais públicos do Porto.
O impacto na saúde dos jovens é outro aspecto relevante do estudo. Quanto maior nível de ansiedade climática, pior a saúde reportada e pior a qualidade do sono. Os participantes que têm altos níveis de ecoansiedade também apresentam um grau elevado de ansiedade generalizada. No entanto, não existe uma sobreposição total. Existem jovens que são extremamente ansiosos, mas que não têm ecoansiedade, ou seja, o gatilho da ansiedade que esses participantes apresentam não está ligado à preocupação com o futuro do planeta.
O Geração 21 incluiu ainda um módulo sobre saúde reprodutiva no estudo dedicado à ecoansiedade. A ideia era perceber como as preocupações climáticas se relacionavam com a intenção, ou não, de ter filhos. As investigadoras descobriram que os jovens com maiores níveis de ecoansiedade tinham, em média, uma probabilidade nove vezes maior de afirmar não querer ter filhos por razões ambientais.
Uma revisão sistemática da University College London, publicada em Novembro na revista científica Plos Climate, também indicava que a decisão de não ter descendentes, ou mesmo de reduzir o número de filhos, está muito associada às preocupações com a crise climática. Estas decisões reprodutivas ancoram-se, segundo o estudo, em diferentes factores como a incerteza sobre o futuro, ou mesmo a inquietação com o consumo excessivo e o aumento populacional.
Comparação com o Brasil
Os resultados sobre a ecoansiedade obtidos na coorte do Porto estão a ser comparados com os de uma coorte brasileira. Trata-se de um estudo populacional semelhante, coordenado pela investigadora Alicia Matijasevich, que acompanha 3500 bebés que nasceram em Pelotas, no estado de Rio Grande do Sul.
“A coorte de Pelotas é também geracional e começou no mesmo ano que a nossa, o que nos permite fazer uma comparação particularmente interessante: um país do dito ‘Norte global’ com um país do Sul global”, refere Ana Isabel Ribeiro.
O que a literatura científica nos diz é que não só os riscos da crise climática tendem a ser maiores nos países do hemisfério sul, mas também os níveis de ecoansiedade. A análise comparativa entre as duas coortes confirmou essa tendência.
“Quando incluímos perguntas de ecoansiedade no estudo, o que me chamou logo atenção foi a elevada frequência com que a população em geral está preocupada com o ambiente ou tem algum sintoma de ansiedade climática”, afirma ao PÚBLICO Alicia Matijasevich numa videoconferência a partir do Brasil.
As duas coortes usaram as mesmas ferramentas de avaliação. As questões postas aos participantes fazem parte da Escala Hogg de Ecoansiedade, um instrumento desenvolvido em países anglo-saxónicos para avaliar níveis de ansiedade climática, sobretudo em população mais jovens. No caso de Pelotas, os participantes responderam o questionário sobre ecoansiedade por volta dos 18 anos (e não aos 16, como no Porto).
Esta Escala Hogg é constituída por 13 perguntas que estimam com que frequência os inquiridos apresentam determinadas dificuldades, emoções e comportamentos. Uma das questões avalia, por exemplo, a frequência com que o inquirido sente dificuldade em desfrutar de eventos sociais devido à ecoansiedade.
Matijasevich sublinha a importância de comparamos estudos que recorrem às mesmas escalas, com propriedades psicométricas validadas. E pede alguma cautela antes de “banalizarmos” a ecoansiedade ou saltarmos para conclusões “precipitadas” acerca das causas deste conjunto de respostas emocionais. “O que sabemos hoje sobre a ecoansiedade ainda é muito limitado. A prevalência da ecoansiedade vai depender dos instrumentos que usamos para avaliar o fenómeno”, refere a professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, no Brasil.
A investigadora radicada no Brasil explica também que, quando um assunto é novo, “cada um começa a estudar segundo a sua própria perspectiva”. A sistematização da ecoansiedade “é algo ainda relativamente recente” e, por isso, “as definições utilizadas partem da conceptualização do investigador”.
“Alguns autores vêem a ecoansiedade como uma resposta emocional normal, que até pode conduzir ao activismo. Outros consideram que a ecoansiedade pode oferecer um risco potencial para a deterioração da saúde mental — mas eu não tenho dados que confirmem isso”, afirma Alicia Matijasevich.
A investigadora levanta a difícil questão, já aqui mencionada, de como separar a ansiedade climática de estados de ansiedade pré-existentes. “Nós estamos a investigar um fenómeno que parece frequente, mas continuamos com dificuldade em entendê-lo como uma entidade nosológica separada, ou seja, como algo que não é consequência de um quadro de ansiedade pré-existente”, resume a investigadora.
O lado positivo da ansiedade
A ansiedade, em termos psicofisiológicos, tem uma função evolutiva preciosa: alertar-nos para o perigo. Nos dias que correm, em que a paisagem urbana ostenta menos riscos para a sobrevivência imediata, esta emoção pode incitar-nos a procurar estratégias e informação para resolver desafios. Por outras palavras, a ecoansiedade pode empurrar-nos não apenas para o activismo, mas para a acção climática em geral.
“Nós vimos no nosso estudo que os jovens que reportam maior ecoansiedade também têm uma maior propensão a adoptar comportamentos de protecção do ambiente. Quanto maior for a ecoansiedade, maior a probabilidade de fazerem reciclagem, terem uma alimentação mais sustentável e estarem envolvidos em marchas, no associativismo e em campanhas de recolha de lixo na natureza”, sublinha Ana Isabel Ribeiro.
É o caso, por exemplo, do biólogo Ayala Botto, influencer ambiental e apresentador do programa da RTP No Mundo dos Animais. Ayala sente enorme preocupação com vários factores ligados à crise climática, como a perda da biodiversidade e o uso desregrado de recursos naturais. Mas em nenhum momento esta inquietação atingiu um patamar incapacitante ou confrangedor, refere.
“Faço a minha vida a pensar no dia de hoje. Sei o que nos pode esperar no futuro, mas não posso ficar prisioneiro disso. Se fomos nós que criámos este problema planetário, temos de ser nós a solucioná-lo também”, diz o biólogo de 30 anos.
Ayala Botto conta com mais de 6500 seguidores no Instagram e usa o canal para promover a educação ambiental. Nos stories (pequenos vídeos disponíveis apenas 24 horas), encoraja acções que vão desde a limpeza de areais à reutilização de objectos. Não faltam, claro, conteúdos sobre animais e plantas. Ao dar a conhecer diferentes espécies e habitats, o biólogo acredita que também está a estimular os mais jovens a valorizar a conservação.
“Estamos todos a aprender e as pessoas estão a mudar os seus hábitos com calma. Eu tento entrar pela brincadeira, pelo jogo, sempre pela positiva. Se apontarmos o dedo, numa lógica de culpabilização, as pessoas fecham-se”, diz Ayala Botto, que também dá aulas de Biologia a crianças e jovens.
O biólogo reconhece que o que faz “tem muito pouco impacto”, e que a verdadeira mudança deve ocorrer nas esferas política e empresarial. “Tento não planear a minha vida, mas preocupa-me o rumo que o mundo está a tomar. Já nem é uma crise climática, é uma emergência. Parece que quem nos governa no mundo não tem isto como prioridade. É isto que me traz ansiedade: haver um problema global que todo mundo conhece, mas ninguém se mexer”, desabafa.
Ayala Botto desvincula-se de um activismo climático mais enérgico, que envolva acções de desobediência civil. Mas diz compreender a enorme frustração que leva os activistas a lançar tintas coloridas sobre políticos, jactos privados e fachadas.
“Embora ache que esse não é o caminho, também acho, contradizendo-me, que o caminho já foi todo feito. Os cientistas estão fartos de falar, mas a mudança não acontece. Portanto, aqui, temos de entrar em confronto directo. Temos de mudar a legislação e aplicá-la. Temos de ser mais interventivos. Há muita gente agora a dizer que os jovens são extremistas e malucos só porque estão a lutar por um futuro melhor. Compreendo estes jovens e empatizo com eles”, diz.
As estratégias às quais Ayala recorre para seguir em frente — como a sensibilização de adolescentes — terão, muito provavelmente, um impacto residual na quantidade de carbono que vamos acumular na atmosfera até 2050. Dito de outra maneira, pelo próprio: “Talvez seja um pouco inútil.” Estas práticas individuais, mesmo que se revelem inócuas, podem ter a virtude de garantir um certo descanso mental.
Pequenos gestos, da compostagem à separação de resíduos, podem ter um impacto limitado à escala planetária e, ao mesmo tempo, um impacto positivo no bem-estar pessoal. A acção climática modesta, individual também pode ser um caminho para evitar o caminho do medo e da colisão. É como se, de algum modo, alguém sugerisse que enquanto houver um esforço individual haverá também esperança.
Pedro Verde Pinho quis homenagear um bairro de Vila Nova de Gaia no seu primeiro livro de fotografia. A obra chama-se Afurada É Linda (2021) e documenta uma comunidade debruçada sobre o rio Douro — uma paisagem que, no futuro, pode muito bem desaparecer sob as águas. Ao fixar o presente, com este esforço individual, o fotógrafo resiste de algum modo a um futuro inóspito, à colisão, ao fim.
“Quando fotografei a Afurada, fi-lo com a perfeita consciência de que aquilo que estava a fotografar vai deixar de lá estar. É quase como guardar um pedaço da memória de como a Afurada era antes de tudo acabar. É isto que eu procuro também fazer com a minha fotografia”, diz Pedro Verde Pinho.