Existe algum consenso sobre a possibilidade de demência nos animais, e isso explica-se com alguma facilidade, começa por dizer Patrícia Pinho, veterinária na Clínica Vet Espinho. Como os seres humanos, os animais envelhecem e, consequentemente, também o seu cérebro. O aumento de casos de demência não está ligado a nenhum factor maligno. Pelo contrário: o facto de as pessoas tratarem cada vez melhor os seus animais de estimação aumenta a sua esperança de vida e, portanto, acabam por ser mais os casos de animais afectados por patologias de envelhecimento.
“A demência nos animais é muito comum, quase só não afecta aqueles que não chegam a velhinhos. De resto, a partir de uma determinada idade é muito comum que haja demência, e isso reflecte-se nos hábitos alimentares, de higiene e de interacção do animal”, diz a veterinária.
A chegada da etapa sénior de um animal dependerá sempre da sua espécie e porte, mas Patrícia Pinho acredita que entre os sete e os nove anos de idade é importante estar atento a uma eventual mudança de comportamento. Ademais, não crê que haja informação suficiente que relacione certas raças a uma maior propensão para a demência.
Sobre as mudanças de comportamento, exemplificou: “Se um cão nunca fez chichi dentro de casa e de repente começa a fazer, pode ser algo relacionado com o sistema urinário, mas muitas vezes é uma questão de demência. O animal já não consegue ir ao sítio onde sempre ia no jardim, porque não se lembra que o fazia ou porque se desorienta no caminho.”
“A diminuição da interacção com os donos também pode ser um dos factores. Ou, pelo menos, a mudança nas interacções. Era um cão muito calmo e agora vocaliza muito, interage de forma diferente, isso é um sinal. É necessário conhecer bem o comportamento do animal e estar atento a eventuais mudanças. Só assim é possível fazer um diagnóstico”, continuou.
A lista para retardar o aparecimento de um quadro de demência é longa. Afinal, como explica a veterinária, “todos envelhecemos, mas podemos envelhecer de uma maneira mais saudável”. “Um animal que é estimulado, que é treinado, que brinca, que passeia, que interage muito com os donos e com outros cães (no caso dos gatos, que tem um poleiro e outras formas de se divertir) tem mais probabilidade de ser saudável. A alimentação correcta também ajuda muito, nomeadamente se é adequada à faixa etária. Há ração rica em antioxidantes e ácidos gordos que ajuda ao funcionamento das células do cérebro”, exemplificou.
Depressão nos animais
E ter outro companheiro peludo? “Normalmente, isso é um estímulo positivo”, explica. “Os cães, principalmente, acabam por se estimular um ao outro, promove um enriquecimento ambiental. Quando vem um cão mais novo para a família, muitos donos dizem que o mais velho rejuvenesceu. Acaba por fazer com que se movimente mais ou brinque mais, ajuda a manter o animal mais saudável.” Em suma, “permitir que os cães vejam, cheirem e experienciem coisas novas ajuda muito. Não podem passar o dia todo sozinhos em casa sem passear. Precisam de conviver, sair e ser estimulados física e intelectualmente.”
A depressão, por sua vez, não traz respostas tão certeiras e gera alguma discórdia. Mónica Roriz, veterinária especialista em comportamento animal, explica que “o problema está na expressão 'depressão'”. “Não falamos tanto em depressão no seu sentido crónico. Mas é inegável que os animais podem entrar num estado depressivo”, explicou.
“Há alguns casos que podem desencadear um estado depressivo, como a falta de hábitos saudáveis. Mas normalmente está associado a uma mudança de contexto. Um cão de serviço que deixe de trabalhar, a perda de um tutor ou de outro animal companheiro podem ser coisas muito difíceis de gerir”, explicou. “Como na demência, é necessário despistar os problemas físicos. Se eu estiver com muita dor física, naturalmente não tenho vontade de comer, de brincar, o que pode ser confundido com depressão ou demência”, clarificou a veterinária ao P3.
A especialista explica que a doença é "muito complicada de diagnosticar sem ser por exclusão de partes". Isto porque um ser humano com uma depressão forte fala, tem alguns sinais, pode fazer psicanálise e chegamos ao cerne da questão. Isso não acontece com um cão ou um gato. Contudo, para acabar com as dúvidas de que este é um problema que também afecta os animais "basta ir a um canil e ver cães ou gatos abandonados recentemente e que estão a desistir da vida”.
O tratamento passa por “usar e abusar de alguns estímulos como passeios, treinos, brincadeiras com comida, ir a sítios diferentes, mudar de ares e ver se eles ficam mais felizes a fazer essas actividades, sempre fazendo antes um check-up”. No entanto, “pode ser necessário medicar, mas sempre aumentando os estímulos do animal”.
Ambas as médicas veterinárias, em conclusão, reforçaram a necessidade de ir regularmente ao veterinário, visto que mesmo as doenças relacionadas com a componente física são, muitas vezes, difíceis de diagnosticar em casa. “Como é o caso da perda de audição ou da cegueira, que pode estar a afectar o nosso animal e não nos apercebemos. Eles vão-se adaptando e têm uma noção espacial muito grande. Um cão pode estar a ficar cego, mas não vai contra as coisas porque conhece bem a casa, pode estar a ficar surdo, mas vai-se apercebendo das coisas pela visão ou porque ao sentir que ouve pior ficou hipervigilante”, colmatou Mónica Roriz.