Israel já conhecia plano para ataque do Hamas há mais de um ano, mas ignorou avisos
Responsáveis israelitas terão sido avisados do ataque há vários meses, mas rejeitaram essa possibilidade.
Oficiais do Exército israelita já saberiam há mais de um ano do plano de ataque do Hamas que se concretizou no dia 7 de Outubro. A informação foi avançada, na quinta-feira, pelo jornal The New York Times (NYT), que esclarece que tanto os serviços militares como os sistemas de informação de Israel fizeram vista grossa ao plano por ser "demasiado ambicioso" e "por considerarem muito difícil" para ser levado a cabo pelo Hamas. Também esta semana, a imprensa israelita dá conta de que um grupo de mulheres militares tinha alertado meses antes para um eventual ataque em Israel, mas foram ignoradas.
O documento revelado pelo NYT, com cerca de 40 páginas e com o nome de código "Jericho Wall" ("Muro de Jericó", em tradução livre), não indica uma data concreta para o ataque, mas detalha de forma muito específica o que aconteceu no primeiro sábado de Outubro, o Black Sabbath (Sábado Negro).
No documento, segundo escreve o jornal norte-americano, é explicado que o ataque começaria com um grande lançamento de rockets a partir de Gaza. E assim foi. O arranque do ataque seria ainda marcado pela sabotagem das câmaras de segurança na fronteira. E assim foi. Depois, os militantes do Hamas entrariam em Israel, fortemente armados, de mota, parapente e a pé. Tudo isto aconteceu no dia 7 de Outubro.
Segundo o jornal, constam ainda informações sobre a localização exacta e a dimensão das forças militares israelitas que estavam de serviço naquela madrugada, assim como os centros de comunicação e outras informações consideradas altamente confidenciais. Supõe-se, assim, que as rotinas dos militares israelitas eram conhecidas pelo Hamas. Aliás, o detalhe da informação — e a forma como o que estava planeado se concretizou — colocou a hipótese de haver uma fuga no interior dos serviços de segurança de Israel.
Segundo escreve o diário norte-americano, o documento circulou entre os vários líderes militares e os serviços secretos de Israel, mas os especialistas determinaram que um ataque com tamanha magnitude e ambição estaria além das capacidades do Hamas. O jornal não confirma, no entanto, se o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, teve conhecimento da informação agora revelada.
Vários avisos foram negligenciados
Já este ano, em Julho, três meses antes do ataque, uma analista da Unidade 8200, responsável pela recolha de informações e mensagens encriptadas, avisou as autoridades nacionais de que o Hamas tinha levado a cabo um treino militar, com a duração de um dia, em que concretizava grande parte dos pormenores avançados no "Jericho Wall", que viriam depois a ser concretizados em Outubro. A informação terá sido, no entanto, ignorada por um superior hierárquico.
"Refuto totalmente que o cenário seja imaginário", escreveu, depois, a analista numa troca de emails a que o NYT teve acesso. "É um plano concebido para iniciar uma guerra", acrescentou. "Não se trata apenas de um ataque a uma aldeia."
A informação avançada pelo jornal norte-americano vai ao encontro daquilo que alguma imprensa israelita tem dado conta ao longo desta semana. Segundo o Canal N12, uma militar da Unidade 8200 tentou avisar as Forças de Defesa de Israel (IDF, em inglês) de que o Hamas se estava a preparar para levar a cabo um "ataque de grande escala" em Israel. Mas foi repetidamente ignorada.
Ainda de acordo com o site do jornal Maariv Online, o grupo de mulheres que integram a Unidade 8200 avisou os superiores de que os agricultores que habitualmente se deslocavam à zona fronteiriça entre Gaza e Israel já não eram vistos no local e que outras pessoas, que até há pouco não costumavam estar naquele local, começaram a ser avistadas. Um comandante das IDF terá mesmo ameaçado com julgamento uma das mulheres depois de a informação ter sido partilhada.
Segundo o jornal israelita Haaretz, os vários avisos que foram deixados aos responsáveis pelas IDF foram constantemente negligenciados. Foram feitos relatos relacionados com os avanços dos elementos do Hamas junto da fronteira, o aumento da actividade com drones, os esforços para desligar as câmaras de segurança e o uso extensivo de carrinhas e motas.
Exercícios que, segundo acrescenta o NYT, integravam ainda o abate de aviões israelitas e o ataque a um kibutz, de um campo de treino militar, matando todos os cadetes. Durante o exercício, os combatentes do Hamas usaram a mesma frase do Corão que aparecia no topo do plano de ataque no "Jericho Wall" — "Entrai, de assalto, pelo pórtico; porque quando logrardes transpô-lo, sereis, sem dúvida, vencedores" —, uma das frases que foram repetidas nos vídeos publicados pelo Hamas durante o ataque mortífero do 7 de Outubro.
Ao jornal Haaretz, uma das mulheres desta unidade diz mesmo que chegaram a pensar que o Hamas estava a ser negligente, por deixar claro tudo o que estava a fazer, mas que todos os avisos foram rejeitados pelas IDF, ou "por arrogância" ou por "chauvinismo masculino". Aos media de Israel, fonte das IDF disse que depois da guerra será conduzida uma investigação para conhecer todos os detalhes relacionados com este caso.
* Texto actualizado com a informação de que a unidade 8200 não é apenas constituída por mulheres