O tema da pobreza “nunca saiu das agendas” das comissões de protecção de crianças e jovens

Quando presidia à CPCJ da Amadora, há dez anos, também havia recurso provisório a pensões para as famílias que ficavam sem casa. “O trabalho em rede” dava frutos, diz Joana Garcia da Fonseca.

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"A pobreza é um factor de risco que aumenta a probabilidade de uma família ser sinalizada", diz ex-presidente da CPCJ da Amadora Manuel Roberto
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A pobreza é um factor de risco que aumenta a probabilidade de uma família ser sinalizada numa comissão de protecção de crianças e jovens (CPCJ), mas não pode ser motivo para uma criança, sinalizada como estando em perigo, ser separada dos pais e acolhida numa instituição: quem o diz é Joana Garcia da Fonseca que foi presidente da CPCJ da Amadora, entre 2012 e 2016, antes de assumir dois anos depois e até 2021 a coordenação da Equipa Técnica Regional de Lisboa, Santarém e Setúbal da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e de Protecção de Crianças e Jovens (CNPDPCJ).

Num comentário à notícia do PÚBLICO de que há famílias sinalizadas como tendo as suas crianças em perigo por terem ficado sem casa em pelo menos três CPCJ (Lisboa Centro, Amadora e Sintra Oriental), Joana Garcia da Fonseca começa por dizer que “é inaceitável ter que acolher uma criança ou separá-la da sua família, por falta de habitação”.

Como foi noticiado, aconteceu recentemente em pelo menos uma situação de Lisboa Centro quando uma mãe com um bebé recém-nascido que vivia num quarto alugado mas partilhado com outras pessoas foi sinalizada na maternidade. O bebé foi acolhido numa instituição até a mãe conseguir encontrar habitação. Nas outras situações reportadas, as famílias ficaram juntas mas em situação precária.

Acolhimento é "último recurso"

“A necessidade de acolher uma criança é uma medida de promoção e protecção gravosa, o último recurso e só justificada pela incapacidade dos pais e a inexistência de outras respostas em meio natural de vida, nomeadamente de outros familiares, de pessoa idónea ou de família de acolhimento”, diz Joana Fonseca.

A especialista, que deixou a CNPDPCJ e exerce psicoterapia individual e terapia familiar em contexto privado, lembra-se como “o contexto habitacional precário era habitualmente reportado pelas próprias famílias ou verificado em contexto de visita domiciliária”.

E acrescenta: “O tema da pobreza nunca saiu das nossas agendas [das CPCJ] porque é um factor crítico inegável para o desenvolvimento da criança e exercício de uma parentalidade consciente e saudável. Quando presidi à CPCJ da Amadora, já existiam situações de famílias a viver em contextos habitacionais muito precários. E o recurso às pensões [para acolher as famílias que ficavam sem casa] já existia nessa altura, infelizmente, mas era uma resposta transitória.”

Questionada sobre se, nesse tempo, entre 2012 e 2016, as entidades conseguiam dar resposta antes de as famílias terem de ser acompanhadas pelas comissões de protecção, a psicóloga clínica diz: "Quando tomávamos conhecimento dessa vulnerabilidade nas condições de habitação da criança, havia todo um trabalho em rede com os parceiros que era desenvolvida. Essa colaboração acontecia com recurso às respostas que a Segurança Social, a autarquia e outras instituições próximas da criança disponibilizavam."

Apoio social sem respostas

Ouvidas pelo PÚBLICO, as presidentes das comissões da Amadora, Joana Pinto, de Lisboa Centro, Marta Bita, e de Sintra Oriental, Vera Santos Costa, dizem que no último ano as entidades de primeira linha deixaram de encontrar respostas para todas as situações. Com a subida dos preços do mercado de arrendamento, as alternativas a uma casa estão cada vez mais esgotadas. As famílias são levadas provisoriamente para um centro de acolhimento temporário, uma pensão ou residencial, financiadas pela Segurança Social quando são despejadas ou ficam sem casa.

A pobreza ou carência habitacional não constam da lista de situações em que as comissões de protecção devem abrir processos por haver indícios de perigo para os filhos. De acordo com a lei, e como se lê nas publicações da comissão nacional, a criança ou o jovem está em perigo quando se encontra numa das seguintes situações: está abandonada ou vive entregue a si própria; sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade ou situação pessoal; os pais não exercem as suas funções parentais; é obrigada a actividade ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional (como a violência doméstica, alcoolismo ou toxicodependência da mãe ou do pai, entre outros); assume a própria criança ou o jovem comportamentos que afectam gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento ou o seu equilíbrio emocional (através de consumos problemáticos ou dependências de substâncias ou de actividades como o jogo), sem que os pais tenham um papel na tentativa de remover esse perigo.

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