Novo aeroporto no Campo de Tiro de Alcochete, repor a verdade ambiental
Não se conhece qualquer estudo credível, suscetível de ser consultado, que sustente o abate de 250.000 sobreiros. Até porque tal estudo, até prova em contrário, não existe.
P'ra mentira ser segura
e atingir profundidade,
tem que trazer à mistura
qualquer coisa de verdade.
António Aleixo
Na zona afeta à localização do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) no Campo de Tiro de Alcochete (CTA) há sobreiros. Estão referenciados no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e na Declaração de Impacto Ambiental (DIA) do projeto elaborado pela NAER, datado de 2010. Assim, utilizando o poema de António Aleixo, há qualquer coisa de verdade que, no entanto, não permite minimamente sustentar a ideia de que, “se o novo aeroporto for construído em Alcochete, pode implicar o abate de 250.000 sobreiros”.
Sim, 250.000, nada mais, nada menos!
Foi esta a notícia transmitida no Jornal Nacional da TVI do dia 26 de outubro. Para robustecer a “profundidade” desejada, referida no poema, a peça da TVI apoiou-se num filme contendo imagens de um montado puro, bem organizado, sem referenciar, no entanto, o local dessas imagens.
Lamenta-se o facto de tal notícia, apesar de inexata, ter sido reproduzida, acriticamente, em certos meios de comunicação social, que a assumiram como sendo verdadeira.
A título de exemplo, referencio o artigo publicado no Diário de Notícias de 5 de novembro no qual é afirmado que “Alcochete não pode ser o nosso novo BES”, complementando esta afirmação com, passo a citar, “a notícia da TVI pôs números na realidade”. Os números não correspondem minimamente à realidade, estando longe dela.
Saliento, a propósito, que o relatório do LNEC, de 2008, contém respostas às outras afirmações expressas no artigo do Diário de Notícias. Este relatório, disponível na Internet para quem o quiser consultar, mereceu, para além do reconhecimento público, a aprovação, por unanimidade, de todos os partidos com assento na AR. Não foi por consenso.
O próprio PAN tomou a notícia por verdadeira, emitindo um alerta para a possibilidade de se estar perante um “desastre ambiental”.
Desta forma, tão importante como a inexatidão da notícia foi o facto de ter sido reproduzida no pressuposto de que se tinha baseado em dados objetivos, induzindo assim em erro quem a leu e ouviu.
Para que não restem dúvidas, o projeto do Novo Aeroporto de Lisboa previu a sua implantação no limite nascente do Campo de Tiro de Alcochete, desenvolvendo-se paralelamente à EN10 e à A13, sendo delimitado a norte pela Herdade de Vale Cobrão, pela Herdade da Vargem Fresca (Portucale/Ribagolfe) e pela Companhia das Lezírias, e a sul por outras áreas agrícolas.
A figura 1 contém os limites do Campo de Tiro de Alcochete e da localização da zona do CTA afeta ao aeroporto (zona delimitada a vermelho, a tracejado). Esta zona ocupa uma área total de 3400 hectares, reservada para a possibilidade de expansão, a partir da configuração inicial de duas pistas, ocupando 1920 hectares, para quatro pistas, se a procura futura o justificar.
É esta a localização e a área afeta ao NAL no CTA que consta do projeto para concurso, datado de 2010, e não qualquer outra. A traço contínuo são definidos os limites da área do CTA não afeta ao NAL.
No que se refere à ocupação florestal, apresenta-se na figura 2 o resultado do estudo elaborado pelo IDAD/Universidade de Aveiro, datado de junho de 2007. Constata-se que, na zona do CTA afeta ao aeroporto, os sobreiros aparecem, na maioria das situações, como espécie secundária, em convivência com eucaliptos, pinheiro-bravo ou pinheiro-manso. A área ocupada em exclusivo com eucaliptos é de cerca de 70%.
Os retângulos apresentados na figura 2 correspondem a hipóteses de localização do aeroporto consideradas no estudo do LNEC, de 2008, que antecederam a localização final. As hipóteses analisadas foram sempre estabelecidas com a preocupação de definir uma localização que afetasse minimamente zonas com sobreiros.
Há que salientar que a área prevista no projeto para localização do NAL incluiu a pista atual da FAP existente no CTA e as zonas de aproximação, bem como as zonas destinadas pela Força Aérea para o treino de pilotos no designado ataque “ar-chão”. Como facilmente se depreende, estas zonas não têm qualquer ocupação florestal.
É fácil entender que, se a notícia fosse verdadeira, o EIA e, por maioria de razão, a DIA teriam inviabilizado a localização do aeroporto numa zona com 250.000 sobreiros.
Mais ainda. Se, por absurdo, tal aprovação ocorresse, interviriam providências legais, dado que a proteção do sobreiro e da azinheira é reconhecida na legislação portuguesa (Decreto-Lei n.º 169/2001, de 25 de maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 155/2004, de 30 de junho).
A verdadeira localização da solução do aeroporto no CTA tem EIA e DIA aprovados. Importa igualmente salientar que a DIA do NAL estabelece as medidas mitigadoras face à necessidade de arranque de sobreiros para a execução da obra. Na página 32 da DIA é estabelecida a obrigatoriedade da replantação de 1,25 sobreiros novos por cada um dos arrancados.
Em síntese. Não se conhece qualquer estudo credível, suscetível de ser consultado, que sustente a notícia da TVI. Até porque tal estudo, até prova em contrário, não existe.
Trata-se, pois, de uma notícia incorreta que, no entanto, teve impacto, tendo induzido em erro quem a viu e ouviu e quem, de boa-fé, nela acreditou e a reproduziu. Impacto tanto mais significativo quanto está prevista para o próximo dia 5 de dezembro a divulgação do relatório final da Comissão Técnica Independente.
Surge naturalmente a seguinte pergunta. Porque é que passados 13 anos desde as apresentações do projeto, do EIA e da DIA é que, na proximidade da apresentação do relatório final da CTI, foi “descoberta” a existência de 250.000 sobreiros?
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico