À espera de uma nova visão da UE no que diz respeito às necessidades do Pacífico

O protocolo incluído no Acordo de Samoa abre perspectivas de maior atenção de Bruxelas às ilhas do Pacífico. Jutta Urpilainen espera que a UE venha a abrir mais delegações na região.

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A comissária europeia Jutta Urpilainen com o ministro das Pescas e Recursos Marinhos da Papuásia-Nova Guiné, Jelta Wong, em Ápia Manaui FAULALO/European Union
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Na imensidão do Pacífico Sul, face a uma barreira de coral em que só 9% não sofreu os danos da acção do homem e do aumento da temperatura, o pequeno projecto de criação de coral da comunidade de Tuana’i, na costa norte da ilha Upolu (a maior e mais povoada da Samoa), a oeste da capital, Ápia, parece uma gota de água num oceano de problemas.

A uns dois quilómetros da costa, nas águas calmas aquém do recife, Maria Satoa, principal responsável pela conservação da biodiversidade do Ministério dos Recursos Naturais e Ambiente samoano, fala, no entanto, com esperança do projecto que começou há pouco mais de um ano e mostra bons resultados.

É um projecto que tem vindo a ser coordenado pelo Secretariado do Programa Ambiental Regional do Pacífico (SPREP na sigla em inglês), sediado em Ápia, um organismo criado pelos governos e administrações da região para proteger e gerir o ambiente e os recursos naturais numa área que ocupa quase 20% do planeta, com uma equipa de 150 pessoas e 35 milhões de dólares de orçamento em 2022.

Não admira que a cada pequeno projecto financiado ou apoiado pela União Europeia aproveitem os cientistas envolvidos para solicitar mais fundos, por forma a poderem aumentar o alcance do seu trabalho, conseguir realmente aliviar o peso da ameaça climática que pesa sob as pequenas nações do Pacífico. Seja para repor a barreira de coral, seja para a investigação científica, seja para a questão tão importante da água.

É como diz ao PÚBLICO o novo director executivo da Organização de Investigação Científica de Samoa (SROS, na sigla em inglês), Fiso Pousui Fiame Leo: “O SROS depende exclusivamente do financiamento limitado do Governo para as suas operações, como tal o SROS não tem fundos suficientes para fazer a pesquisa e o desenvolvimento necessários para encontrar soluções para as questões que as alterações climáticas impõem a Samoa.”

Com a temperatura a aumentar 0,13 graus e com mais 17 dias quentes por década desde 1979, a média da temperatura da água do mar à superfície está entre as mais altas entre os países do Sudoeste do Pacífico, tendo vindo a subir a um ritmo de 0,31 graus desde 1982. Além disso, somando a subida do nível do mar devido ao aquecimento do planeta com o abatimento da terra (8mm anuais desde o sismo de 2009 – na Samoa Americana é de 16mm), o marégrafo de Ápia vem registando subidas de 9,8mm no nível do mar desde 1993. Com isso acentuando os efeitos destrutivos das marés vivas.

“Nos últimos 30, 40 anos, a temperatura em Samoa subiu em média 2,2 graus”, conta Silipa Art Mulitalo, meteorologista, principal conselheiro científico do Ministério dos Recursos Naturais e do Ambiente samoano. Daí que se venham batendo recordes desde que há registos, quer para temperaturas altas, subindo acima de 34 graus; quer para baixas, descendo até 8,4 graus (em 2015), por influência do El Niño.

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Projecto de criação de coral da comunidade de Tuana’i, na costa norte da ilha Upolu (a maior e mais povoada da Samoa), a oeste da capital, Ápia DR

Nas aldeias, os homens lembram-se do tempo em que se podiam construir estruturas ao sol sem camisola e sem chapéu, porque corria sempre um vento que ajudava a refrescar, algo que agora já não sentem. Caminhar por Ápia ao pino do sol ou mesmo circular pelo mercado abrigado na sombra dos calores do meio-dia é uma actividade que resulta na correspondente fadiga e em rios de transpiração.

O El Niño e La Niña são fenómenos climáticos responsáveis por secas prolongadas no Pacífico, afectando o primeiro as ilhas mais a sul ou a ocidente, e o segundo a zona mais a norte e oriental. Em Samoa, o impacto da seca é grave, como mostra um estudo de 2021 (Historical and future drought impacts in the Pacific islands and atolls): as secas de 1972, 1983, 1987 e 1997 provocaram fogos florestais que destruíram 80% das colheitas alimentares, enquanto a de 2010-2011 fez cair a capacidade de produção de energia da Samoa Electrical Power Generation, de 35,9% para 10,8%, tendo levado ainda ao desaparecimento de 800 hectares de floresta consumida pelas chamas em Asao e Aopo, pondo em estado crítico o já em perigo de extinção manumea, o pombo de grande porte que só se encontra em Samoa, e obrigando o Governo a adquirir 97 mil litros de água no atol de Toquelau.

A preocupação da água

A questão da água é uma constante preocupação no país. Na comunidade de Vailele, local de uma importante batalha na segunda guerra civil samoana no final do século XIX, a água do rio já não é suficiente para garantir o abastecimento da comunidade de 1300 pessoas, e um furo de sondagem de 163 metros de profundidade foi feito para evitar interrupções no fornecimento, como explicou Irasa Mauala, gestora na Divisão de Manutenção da Operação Urbana da Samoa Water Authority.

“A água é vida. Sem água não há vida”, sublinha Fiame Leo, “logo o problema da água afectará grandemente as colheitas agrícolas, a dieta dos samoanos e tudo aquilo de que Samoa depende no futuro”.

Na semana passada, Kotoni Faasau, principal climatologista do Serviço de Meteorologia de Samoa, dizia que se tinham registado 34,2 graus no país, uma temperatura excessiva para uma altura do ano em que não se devia exceder os 31, no máximo 32 graus.

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Irasa Mauala, gestora na Divisão de Manutenção da Operação Urbana da Samoa Water Authority, junto à fonte de água de Vailele António Rodrigues

De acordo com as projecções científicas, refere Silipa Art Mulitalo, “no pior dos casos”, a subida das temperaturas “seguramente afectará a viabilidade hídrica” em Samoa, “o que trará problemas”.

Com 65% da água potável para consumo humano proveniente de águas superficiais e o resto de fontes subterrâneas, poderia dizer-se que o facto de nas ilhas do Pacífico chover duas a quatro vezes mais do que a média de precipitação anual garantia à partida um abastecimento de água sustentado e sem problemas. Mas não é bem assim.

Sistemas de gestão de água deficientes e falta de infra-estruturas limitam o acesso da população, e como a maioria da água vem de fontes de superfície, nomeadamente de rios, o tratamento nem sempre é o mais adequado, tornando inevitável a necessidade de a ferver para consumo humano.

De acordo com um estudo da Universidade Nacional de Samoa e do Ministério de Recursos Naturais, junto com outros parceiros, as fontes de água testadas continham alta concentração de minerais, pesticidas tóxicos, microplásticos e bactérias como a E. coli.

Segurança

Até à construção do quiosque de água de Nuusuatia, as seis aldeias da comunidade situada na costa sul da ilha mais povoada de Samoa (Upolu), cerca de 1300 pessoas, tinham sempre de passar a água que consumiam pelo fogo. Hoje, o fontanário de água filtrada financiado pela UE e gerido pela comunidade enche-se às seis da manhã e ao final do dia para que os habitantes levem para casa a água de que necessitam, e já não precisam de a ferver.

“Hoje sentimo-nos bem e sentimo-nos seguros”, explica Sasa Milo, líder comunitário e presidente da associação do sistema de água. “Hoje estamos saudáveis”, acrescenta, enquanto convida jornalistas e representantes da UE a provarem o líquido que sai da torneira de água purificada por sistema de filtração ultravioleta.

A iniciativa europeia já deu cinco fontanários do género e é provável que venha a trazer mais num futuro próximo, depois de, em Fevereiro, Bruxelas e Ápia terem assinado um acordo financeiro de 13,5 milhões de euros para continuar a implementar o WASH Plan ou Plano Água pela Vida: Água, Saneamento e Higiene até 2025.

Na semana passada, na sua passagem pelas ilhas para assinar o Acordo de Samoa, a comissária europeia para as Parcerias Internacionais, Jutta Urpilainen, anunciou o apoio, em forma de ajuda orçamental, ao Governo samoano de três milhões de euros no âmbito do programa de resiliência e adaptação às alterações climáticas do sector da água em Samoa.

À boleia do acordo

A água sempre foi o nicho que a UE encontrou para canalizar a sua ajuda no Pacífico, uma área em que é um importante actor na pequenez da sua ajuda ao desenvolvimento entre australianos, neozelandeses, chineses e norte-americanos. No entanto, à boleia do Acordo de Samoa, Bruxelas poderá aproveitar para vir a ser um pouco mais do que isso. Aumentar a sua presença, fazer mais eco das preocupações das ilhas do Pacífico.

Como disse ao PÚBLICO a primeira-ministra de Samoa, Fiame Naomi Mata’afa, se é certo que a relação com a União Europeia “vem desde há muito”, o que traz o novo acordo assinado entre os 27 e a Organização dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico para os próximos 20 anos “é uma nova construção com uma visão regional no que diz respeito às necessidades do Pacífico”.

“Penso que é uma melhoria e esperamos que o impacto também seja muito maior”, acrescentou a chefe do Governo samoano. “Se olharmos para os dadores para as acções contra as alterações climáticas, muitos são da UE, consideramo-los muito mais reactivos às questões que nos preocupam.”

O facto de na reunião de Ápia se ter acordado uma declaração conjunta para a COP28, a conferência que se inicia na quinta-feira no Dubai, é visto como um “bom sinal” pela comissária europeia das Parcerias Internacionais. “Penso que há um compromisso de entendimento do nosso lado de que temos de prestar mais atenção ao desenvolvimento destes pequenos Estados ilhéus, a maioria no Pacífico”, explicou ao PÚBLICO.

Na perspectiva de Jelta Wong, o ministro das Pescas e Recursos Marinhos da Papuásia-Nova Guiné, “os países do Pacífico ficaram decepcionados no passado com as superpotências e não há nada de construtivo que tenha sido trazido” para a região. “O Acordo de Samoa vem dar-nos a oportunidade de estabelecer um contacto melhor com a União Europeia para ajudar na questão das alterações climáticas e das infra-estruturas”, explicou ao PÚBLICO.

O Acordo de Samoa, ao contrário dos anteriores, de Cotonou e, antes, de Lomé, traz como inovação protocolos para cada uma das regiões e irá permitir que as nações do Pacífico possam ver atendidas aquelas que são as suas principais preocupações.

É, por isso, que Jutta Urpilainen defende que a UE e os seus Estados-membros deviam reforçar a sua presença no Pacífico, onde Bruxelas tem apenas uma delegação (nas Fiji), e apenas três Estados-membros (Alemanha, França e Espanha) possuem representações diplomáticas.

“Se queremos reforçar a nossa representação, não só aqui no Pacífico mas também nas Caraíbas, [então] devemos também abrir mais delegações, [uma] coisa a ter em conta quando estivermos a elaborar o próximo orçamento, ou seja, a partir de 2027”, explicou a comissária para as Parcerias Internacionais.

Não é que em Samoa sejam mal-agradecidos pela ajuda que vêm recebendo da UE até agora. Antes pelo contrário, em qualquer visita aos projectos é ressalvada a preciosa ajuda financeira. Tal como não é olvidada a necessidade de mais auxílio, perante desafios tão tremendos e avassaladores como os que as ilhas enfrentam por culpa dos males cometidos contra o meio ambiente noutras latitudes

As secas mais prolongadas, as inundações, o aumento da temperatura e as pestes e doenças a elas associadas estão a pôr em causa a subsistência das populações. “Inhame, fruta-pão, cacau, banana são as colheitas ameaçadas pelas alterações climáticas”, lembra Fiame Leo, director executivo da Organização de Investigação Científica de Samoa. O impacto do clima na segurança alimentar não é uma questão só do Pacífico, mas nestas ilhas a situação há muito que se tornou de vida ou de morte.

O PÚBLICO viajou a convite da Direcção-Geral das Parcerias Internacionais da Comissão Europeia