José Luís Carneiro: “a marca” de Pedro Nuno Santos é “o enclausuramento à esquerda”

Candidato à liderança do PS confessa ter ficado “surpreendido” com apoio de Francisco Assis a Pedro Nuno Santos e não desfaz tabu sobre se viabilizaria governo minoritário do PSD.

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José Luís Carneiro Daniel Rocha
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Moderação e ponderação. Diálogo à esquerda, mas também à direita. José Luís Carneiro, de 52 anos, candidato à liderança do PS, sublinha todas estas palavras para mostrar o que o diferencia do seu principal adversário, Pedro Nuno Santos. O actual ministro da Administração Interna revela que, mesmo assim, gostava de contar com Pedro Nuno no seu secretariado nacional e até mesmo num seu futuro governo.

Já sobre António Costa diz, em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, esperar um desfecho “célere” do processo judicial em que está envolvido e acredita que ainda pode ter um futuro cargo internacional. Cauteloso sobre o Presidente da República, não comenta golpes de Estado e lembra compromisso de cumprir com lealdade as funções de que está investido.

Estaria ou não disponível para viabilizar um governo minoritário do PSD?
Eu concorro às eleições do PS para ganhar as eleições e ser secretário-geral e concorrer a primeiro-ministro. E concorro para ganhar as eleições. Isto num momento em que o país está a viver num quadro internacional muito exigente, com duas guerras, com factores de imprevisibilidade internacionais muito grandes, nomeadamente a polarização política e o excesso de radicalização social.

Disse na TVI que, se fosse preciso, viabilizava um governo PSD para o PSD não precisar de depender do Chega.
O que eu disse foi que não seria por mim que o Chega chegaria ao poder. Quer dizer que estou convicto de que ganharei as eleições e, portanto, por mim, o Chega não chega ao poder. Em segundo lugar, significa que temos um diálogo que é muito claro no que tem que ver com as políticas sociais, com o investimento público e com as prioridades do investimento público com os partidos à nossa esquerda. Mas também temos bem a noção de que há áreas do Estado que exigem um diálogo com o centro-direita, nomeadamente as funções de soberania.

A seguir a essa entrevista, houve uma tentativa de transmitir às bases do meu partido que eu tinha um posicionamento à direita que me aproximava mais do PSD do que das bases do meu partido. Fez parte de uma táctica operativa, mas tem sido esclarecida junto dos militantes.

Por parte de quem?
A candidatura que também está no terreno liderada pelo Pedro Nuno Santos teve interesse em colocar essa abordagem, não correspondendo ela àquilo que foi afirmado nessa entrevista, precisamente porque entendem que há uma ampla adesão nas bases do partido e um posicionamento mais moderado, mais capaz de criar um grande espaço de diálogo.

Se o PS não tiver maioria para formar governo e, por outro lado, o PSD ganhar as eleições e também não tiver maioria, o PS liderado por José Luís Carneiro não dará a mão ao PSD?
O PPD é o nosso principal competidor eleitoral. Ora, eu não posso partir para uma eleição diminuindo aquela que é a capacidade de disputa e de vitória eleitoral do PS. Quando chegarmos às eleições, vamos ver o peso que cada um tem.

O que entendo é que é preciso evitar o excesso de polarização política, numa dicotomia permanente entre bloco à esquerda, bloco à direita. É preciso que haja uma liderança capaz de evitar o enquistamento.

Quando houver resultados, logo vê?
Tem de se avaliar, em primeiro lugar, as condições políticas que se tem, ou seja, os resultados eleitorais. Foi assim em 2015. Mas convém que fique claro que eu vou bater-me para garantir uma maioria estável.

Nas últimas intervenções, tem dito que o PS precisa de moderação. Em que é que acha que Pedro Nuno Santos é radical?
O facto de fazer uma afirmação de que o PS deve ter lideranças e deve ter atitudes, comportamentos de ponderação tem que ver com o facto de entender que vivemos um momento europeu e internacional que exige lideranças com um especial sentido de compromisso, com um especial sentido de ponderação no processo de decisão e com uma cultura de compatibilização entre aquilo que poderíamos considerar a ética das convicções e a ética da responsabilidade.

Muitas vezes temos os nossos impulsos emotivos e emocionais que nos levariam a determinado tipo de posições, mas há um dever que temos sempre, quando estamos no exercício de funções públicas das funções do Estado, que é o de avaliar as consequências e os efeitos desses nossos impulsos, dessas nossas atitudes mais emocionais.

Está a dizer em relação ao seu adversário que ele é mais movido pela emotividade, pode ser mais perigoso?
Não. Estou a classificar aquelas que são as minhas características pessoais. A minha candidatura não é contra ninguém.

A moderação serve de tampão aos extremos?
Sim, a grande força política que sempre conseguiu manter um espaço que esvazia os extremos tem vindo a ser o espaço de representação política do PS. Isso exige uma especial capacidade de diálogo com todas as forças políticas e sociais democráticas. Daqui está excluído o Chega, pois atenta contra os direitos fundamentais, atenta contra as liberdades, atenta contra os valores constitucionais e atenta mesmo contra algumas minorias. Do meu ponto de vista, a concertação social é muito relevante. Deve ser valorizada, ser densificada e até modernizada.

Uma nova “geringonça” seria viável com José Luís Carneiro em caso de necessidade?
Eu compreendo que os órgãos de comunicação social queiram a chamada “chapa três”. Mas os dirigentes políticos têm responsabilidades que estão para além da chapa três, ou seja, têm a responsabilidade de construírem soluções que sirvam o país – ou seja, mais do que discutir se é “geringonça” à esquerda ou à direita, o que é que os portugueses querem saber?

Os mais idosos querem saber se as pensões estão garantidas. Como é que construímos ou mantemos a construção de um edifício social e, sobretudo, a sua modernização. Eu tenho consciência de que, no domínio das políticas sociais, é com os partidos à nossa esquerda que poderemos aperfeiçoar e melhorar aquelas que foram as conquistas de Abril. Há matérias de reforma do sistema político, do sistema eleitoral, de justiça em que não podemos contar com a esquerda. Sabemos também que não contamos com a nossa esquerda para a reforma da descentralização e até do reforço dos poderes locais.

Foi chefe de gabinete de Francisco Assis. Surpreende-o que Assis, conotado também com posições mais ao centro do Partido Socialista, se tenha posto agora ao lado de Pedro Nuno Santos?
Quero reiterar a minha relação de amizade e de respeito pelo dr. Francisco Assis. Tenho o dever de respeitar as opções que cada um.

Ficou surpreendido?
Surpreendido fiquei.

Já teve oportunidade de falar com Francisco Assis?
Ainda não.

A que atribui esta ligação de Francisco Assis a Pedro Nuno Santos?
Eu sei porque é que Pedro Nuno terá querido levar o Francisco Assis para a candidatura. É evidente que o Pedro Nuno quis ter algumas personalidades que lhe podem dar uma marca de ser alguém que também consegue dialogar ao centro. Aliás, o esforço que fez na entrevista de ontem (terça-feira) é um esforço todo ele concentrado nesse objectivo. Estou em crer que não é suficiente para uma marca de posicionamento político que é muito clara aos olhos dos portugueses.

Qual é essa marca?
Uma marca de um relativo enclausuramento num diálogo mais fechado à esquerda, que tem naturalmente vantagens, mas comporta também desvantagens naquilo que tem que ver com a afirmação dessa tal autonomia, dessa grande autonomia, daquilo que é um espaço essencial do pluralismo, da diversidade, da compatibilização das liberdades, da autonomia para empreender, para criar riqueza com o valor da igualdade, que são valores que devem caminhar juntos.

Aquele enquistamento de que falava há pouco?
A minha candidatura é uma candidatura que fala para todos e todas as forças políticas e sociais e que se afirma claramente como candidatura capaz de mobilizar a sociedade.

Quem irá propor para presidente do Partido Socialista, no caso de ser eleito secretário-geral? Carlos César?
Tenho tido uma relação com o presidente do partido de grande cordialidade, que permitiu construir uma relação de amizade que estimo e que considero. Temos de ver depois das eleições.

E que lugar teria Pedro Nuno Santos na sua direcção?
Teria todo o gosto em poder contar com ele no futuro.

Teria lugar no seu secretariado?
Dava um grande contributo no secretariado nacional do PS. Se estiver disponível, terei todo o gosto.

Pedro Nuno Santos não é um activo tóxico para o partido?
Quando falamos das pessoas no desempenho de funções públicas e quando sentimos que as pessoas dão o melhor que sabem, não devemos utilizar essa linguagem de activos tóxicos. O próprio Pedro Nuno já reconheceu que cometeu erros. Julgo que não devo acrescentar nada mais àquilo que ele próprio já disse.

Teria lugar como ministro num governo seu?
Quero contar com Pedro Nuno no futuro, ganhando as eleições no PS e ganhando as eleições no país, assim ele esteja disponível para poder participar nesse percurso comum.

E António Costa? Acha que está politicamente morto?
Eu entendo que o António Costa tem ainda um percurso político no futuro.

Ele próprio disse que não se via tão cedo a desempenhar qualquer cargo.
Entendo o que ele disse, considerando as características deste processo, que pode ser duradouro e complexo. Todavia, por aquilo que se vai conhecendo, aquilo que, numa primeira fase, apareceu como muito complexo, afinal, pode ser algo de mais simples e de menos complexo. Se assim for, e se houver a celeridade desejável no esclarecimento desta matéria, particularmente no que respeita ao primeiro-ministro...

Até dia 10 de Março?
Não quero colocar as coisas nesses termos. Quero, mais uma vez, colocar a questão em termos de interesse nacional, ou seja, este processo teve um impacto político nacional muito significativo e teve um impacto internacional na imagem do Estado português. É desejável que, tão breve quanto possível, sem colocar em causa, naturalmente, a profundidade e a segurança dos termos da administração da Justiça, seja clarificado.

Assim sendo, estou convicto de que António Costa tem, pelo seu percurso de vida cívica e política, muito a dar ao país e muito a dar a outros instâncias internacionais. Assim seja essa a sua vontade e essa a sua disposição. No que respeita às dimensões internacionais de representação do Estado português, continua a granjear a respeitabilidade e o estatuto de um político europeu que tem muito para dar ao quadro político nacional, mas também ao quadro político internacional.

É um nome a ter em conta para presidenciais?
Ele tem condições para desempenhar diversas funções e ele tem afirmado publicamente que é um homem que gosta de funções executivas. Mas eu diria que António Costa, se essa for a sua vontade, tem condições para o desempenho de quaisquer funções, nacionais ou internacionais, assim que esteja disponível e assim o desfecho deste processo possa decorrer com celeridade e provando-se, como estou convicto, que se provará a sua inocência.

Acha que este processo judicial é pior para o PS do que o processo Casa Pia a que Ferro Rodrigues aludiu há pouco tempo?
São ambos processos que contribuem para a fragilização da confiança dos cidadãos nas instituições do Estado de direito democrático. Essa é a razão por que é muito importante que, no tempo apropriado, possamos apresentar também propostas, quer em quadro de moção estratégica e de programa de governo, para avaliarmos os termos em que se deve promover uma reforma do sistema de justiça, fundamentalmente com duas grandes preocupações.

No que respeita à justiça económica, essa é uma dimensão que deve ter prosseguimento. Temos de evitar que os tempos de espera por decisões judiciais constituam bloqueios ao processo decisório e à confiança que há para investir no país.

No que respeita à justiça penal, o PS pede meças a todos os outros partidos sobre aquilo que foram as grandes reformas feitas na Justiça. Há princípios fundamentais que devemos continuar a defender: a independência da Justiça, a autonomia do Ministério Público, a desconexão de processos, porque permite evitar os chamados “megaprocessos” que criam um alarme social imenso e, depois, em termos de eficácia da administração da Justiça, têm demonstrado fragilidades muito significativas.

Se for eleito secretário-geral do PS, que relação espera ter com o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa? Será uma relação de cautela, porque está ali presente uma espécie de escorpião, como já lhe chamou Francisco Pinto Balsemão?
Tive sempre uma relação cordial, de boa cooperação institucional com o Presidente da República.

Mas a relação, por exemplo, do primeiro-ministro, António Costa, nesta recta final, não tem sido a melhor.
Tudo quanto há para dizer sobre esse assunto, do meu ponto de vista mal, tem estado na opinião pública. Portanto, não tenho nada a acrescentar.

Acha que Marcelo Rebelo de Sousa não contribuiu para uma espécie de golpe de Estado?
Trata-se de uma terminologia que eu julgo que é muito pouco adequada às considerações que se fazem sobre as relações inter-institucionais. São afirmações em que eu não me revejo. Todos estamos vinculados a um compromisso e a um juramento que fizemos perante os portugueses: cumprir com lealdade as funções que nos foram confiadas. Todos devemos cumprir escrupulosamente esse juramento.

O PS não pode comprar uma guerra com Marcelo Rebelo de Sousa, uma espécie de vendetta?
A boa cooperação institucional entre os diferentes órgãos de soberania foi e continuará a ser fundamental.

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