ONU pede que se deixe de usar a água como “arma de guerra”. Israel pode avançar para o sul de Gaza
Organizações humanitárias temem aumento de mortes na sequência de doenças provocadas pela falta de água potável.
A Organização das Nações Unidas (ONU) apelou, nesta sexta-feira, a Israel para que permita a entrada de água potável e de combustível em Gaza, e que desse modo a rede de abastecimento de água possa ser restabelecida. Em comunicado, a ONU pede para que a água deixe de ser usada como uma “arma de guerra”. Ao mesmo tempo, responsáveis pelas Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) admitem avançar com uma incursão no sul da Faixa de Gaza, uma zona até agora declarada como segura e onde estão milhares de deslocados que fugiram do norte.
"Cada hora que passa com Israel a impedir o abastecimento de água potável na Faixa de Gaza, numa violação declarada do direito internacional, coloca os habitantes da Faixa de Gaza em risco de morrer de sede e de doenças relacionadas com a falta de água potável", afirmou Pedro Arrojo-Agudo, relator especial da ONU para os direitos humanos.
A missão da ONU para os refugiados palestinianos (UNRWA, na sigla em inglês) tem sublinhado que o esgotamento do combustível em Gaza acarreta “consequências catastróficas”, incluindo o colapso do abastecimento de água, dos serviços de esgotos e saneamento, assim como das telecomunicações e dos cuidados de saúde. Tudo isto numa altura em que vários hospitais, como o de Al-Shifa, o maior na região, estão a ser alvo de constantes bombardeamentos pelas forças de Israel.
"Quero recordar a Israel que o facto de impedir de forma consciente a entrada na Faixa de Gaza dos abastecimentos necessários para a obtenção de água potável constitui uma violação do direito internacional humanitário e dos direitos humanos", insiste Pedro Arrojo-Agudo. "O impacto sobre a saúde pública e a higiene será inimaginável e poderá resultar em mais mortes de civis do que o já colossal número de mortos devido ao bombardeamento de Gaza", afirmou.
O comunicado surge pouco depois de a Organização Mundial de Saúde (OMS) ter sublinhado os riscos relacionados com a propagação de doenças na Faixa de Gaza, depois de os bombardeamentos israelitas terem levado a população a juntar-se em abrigos com pouca comida e água potável. Segundo dados da ONU, cerca de 800 mil pessoas estão deslocadas e alojadas em 154 abrigos geridos pela URWA.
"Estamos extremamente preocupados com a propagação de doenças quando chegar o Inverno", afirmou Richard Peeperkorn, representante da OMS nos territórios palestinianos ocupados. Segundo a mesma fonte, foram registados mais de 70 mil casos de infecções respiratórias graves e mais de 44 mil casos de diarreia, números significativamente mais elevados do que o previsto.
Pouco depois das tomadas de posição da ONU e da OMS, o conselheiro de segurança nacional israelita, Tzachi Hanegbi, disse que o gabinete de guerra de Israel vai autorizar a entrada de dois camiões de combustível diariamente em Gaza, uma quantidade que o próprio descreveu como “sendo mínima”.
Numa conferência de imprensa, o responsável israelita disse que a utilização do combustível seria permitida para a reactivação dos sistemas de comunicação de Gaza e para os serviços de água e esgotos. O objectivo passará por evitar a propagação de doenças sem, no entanto, perturbar o esforço de guerra de Israel contra o Hamas.
Receios de uma investida a sul
Depois de Israel ter centrado parte do esforço militar nas regiões a norte, tendo inclusive pedido à população de Gaza para rumar a sul, crescem agora os receios sobre a intensificação dos ataques noutras zonas da Faixa de Gaza, até agora consideradas seguras e para onde rumaram milhares de pessoas nas últimas semanas.
As forças israelitas estão a lançar folhetos no sul da Faixa de Gaza – pelo menos desde a passada quinta-feira — apelando aos palestinianos para que abandonem quatro cidades no extremo leste de Khan Younis, aumentando, assim, os receios de que a próxima fase da guerra contra o Hamas, depois do aparente controlo da zona mais a norte, possa estender-se para zonas mais a sul.
Os folhetos – uma estratégia de aviso usada por Israel antes do avanço dos militares – têm mensagens onde se apela aos civis nas zonas de Bani Shuhaila, Khuza'a, Abassan e al-Qarara que se permanecem nesses locais “estão a colocar a sua vida em risco”, disse um habitante à agência Reuters.
Questionado pelos jornalistas durante o briefing diário desta sexta-feira sobre um eventual avanço sobre o sul de Gaza, o porta-voz das IDF, Daniel Hagari, não recusou essa hipótese. “As IDF estão a trabalhar com objectivos muito claros para a guerra e estão determinadas a continuar a avançar para onde quer que o Hamas esteja localizado, também no sul da Faixa de Gaza, no nosso tempo, no nosso ritmo e nas nossas condições", referiu. Já na quinta-feira, o ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, disse que os soldados de Israel estavam preparados para "avançar para a próxima" fase, depois de terem assumido o "controlo de toda a parte ocidental de Gaza".
Apesar destes avisos, o êxodo em direcção ao sul da Faixa de Gaza continua. Imagens de satélite publicadas pela Maxar, a que a Reuters teve acesso, dão conta de uma multidão próxima de um checkpoint declarado como seguro por Israel. Segundo escreve o diário britânico The Guardian, neste momento já existem 1,6 milhões de pessoas deslocadas em Gaza, mais de dois terços da sua população. A maioria fugiu do norte, depois de avisos semelhantes aos que agora estão a ser deixados no sul, dando conta de que nenhum local na cidade de Gaza ou nos seus arredores seria seguro.