Governação perde-perde
Não sendo socialmente aceitável um regime de “bar aberto” para cada investidor fazer o que melhor lhe aprouver, que caminhos podemos traçar para evitar novos casos Influencer?
O recente processo Influencer está a suscitar uma grande perplexidade entre os agentes políticos e os cidadãos em geral: será que o Governo não pode apoiar os investidores no desenvolvimento dos seus projetos, ou, qual é a fronteira entre o “desbloqueamento” legal de entraves burocráticos e o favorecimento ilegítimo de certos empreendedores?
A confusão é tal que o primeiro-ministro sentiu a necessidade de fazer uma comunicação ao país sobre o assunto e diversos partidos da oposição já avançaram com ideias para evitar que processos deste tipo se repitam. A meu ver, nenhum tocou nas causas, nem propôs soluções eficazes.
Basicamente, as administrações públicas em regimes democráticos seguem um de dois modelos: i) administração dependente do governo de turno, como é o caso dos EUA; ii) administração independente, como é o caso do Reino Unido. Em Portugal temos um sistema “misto”: em teoria a administração pública é independente do governo mas, na prática, os dirigentes máximos e, às vezes, os intermédios são escolhidos pelo governante em funções em cada ministério.
Num país com uma administração pública institucionalmente débil – são frequentemente criados e extintos serviços sem fundamentação sólida e transparente – e carente de quadros qualificados, os membros dos governos sentem-se impelidos a interferir na gestão corrente e os dirigentes não têm estatuto nem autonomia para resistir a essas interferências, sejam bem ou mal intencionadas.
Em especial, quando se está em presença de projetos potencialmente criadores de riqueza e empregos, os governos tendem a ficar impacientes com quaisquer dúvidas ou reservas expressas pelos serviços públicos competentes. Para tentar acelerar a apreciação e aprovação desses projetos os governantes costumam recorrer a dois instrumentos: i) pressionar os dirigentes públicos; e/ou ii) “agilizar” e “simplificar” as leis e regulamentos aplicáveis. Mas, apesar desta tendência, que vem de longe e é transversal a todos os governos, para “reduzir prazos de apreciação”, aumentar “deferimentos tácitos”, trocar a verificação da conformidade dos projetos por “declarações de responsabilidade” dos proponentes, alargar “limiares de isenção”, aumentar a discricionariedade dos decisores, etc., continuam a surgir projetos que não conseguem passar na malha, já muito larga, dos nossos regimes de licenciamento e autorização de projetos.
Assim, e não sendo socialmente aceitável um regime de “bar aberto” para cada investidor fazer o que melhor lhe aprouver, que caminhos podemos traçar para evitar novos casos Influencer?
Em primeiro lugar é preciso estabelecer uma fronteira clara entre as funções e responsabilidades do Governo e da administração pública, para que uma secretaria de Estado não faça concursos para comprar golas antifogo, nem um dirigente da Proteção Civil faça considerações sobre a respetiva Lei de Bases.
Em segundo lugar, deve ser redesenhada, em conjunto e não ad hoc, toda a estrutura da administração pública para responder aos desafios do século XXI, extinguindo serviços obsoletos ou inúteis, criando novos serviços para áreas carentes de supervisão, eliminando sobreposição de funções e segregando as que são conflituantes (exemplo ululante, rodovia e ferrovia não funcionam debaixo do mesmo teto).
Em terceiro lugar, as regras para a ocupação do território, os limites ambientais e de conservação da natureza (Portugal tem cerca de 22% do seu território com estatuto de proteção, ou seja, quase 80% sem esse ónus) e os regimes de incentivos para o investimento devem ser claros, inequívocos e iguais para todos.
Se formos por aqui, facilitamos a vida aos investidores, evitamos incómodos sérios para os governantes e autarcas e podemos ter um país mais desenvolvido e equilibrado.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico