Fundo de captação de rodagens pode contar com mais 20 milhões de euros em 2024

Governo deixa cair dedução de IRC às produtoras, novidade na proposta de Orçamento do Estado para 2024. Grupo parlamentar do PS sugere reforço que faz incentivo chegar aos 34 milhões.

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Rodagem da série Matilha Rui Gaudêncio
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Uma das medidas da proposta de Orçamento do Estado de 2024 (OE2024) para o cinema vai cair e ser substituída por um reforço financeiro directo: o incentivo às rodagens e produção em Portugal poderá passar a contar com 34 milhões de euros e o incentivo de dedução à colecta de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) às produtoras fica pelo caminho. O grupo parlamentar do Partido Socialista apresentou terça-feira a proposta de alteração à proposta de lei do OE para 2024 que aumenta assim em 20 milhões o bolo disponível para incentivo e captação de filmagens estrangeiras e nacionais no país, juntando-se aos 14 milhões disponíveis do Fundo de Apoio ao Turismo e ao Cinema (FATC).

A crise política em curso tornou impossível a alteração legislativa, em 2024, de que dependia a introdução de um novo incentivo fiscal, uma dedução à cobrança de IRC que visava incentivar as co-produções nacionais e responder em parte a um dos pedidos do sector — a criação de duas linhas de apoios distintas, uma para os grandes estúdios estrangeiros e outra para as produtoras de menor dimensão, nomeadamente nacionais. Com a aprovação do OE2024 e a publicação do decreto presidencial, previsto para início de Dezembro, que formaliza a demissão do Governo, o executivo passará a estar em gestão e, assim, limitado a “actos estritamente necessários”.

Por isso mesmo, disse ao PÚBLICO fonte do gabinete do ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, esta é uma política pública “absolutamente fundamental”. O seu objectivo central tem sido a promoção tanto do desenvolvimento do sector quanto do “destino Portugal” do ponto de vista turístico e de cenário de filmagens.

Na proposta agora entregue, que o PÚBLICO consultou e que, dada a maioria absoluta do partido do Governo, tem todas as probabilidades de ser aprovada na votação na especialidade, sugere-se a “eliminação da autorização legislativa” que criaria a dedução à colecta de IRC. E indica-se que no novo Incentivo Financeiro à Grande Produção Cinematográfica e Audiovisual “o montante total de incentivo a atribuir anualmente” pode ir até 20 milhões de euros. A sua filosofia é em tudo uníssona com a do FATC, visando produções portuguesas, co-produções com entidades estrangeiras ou produções estrangeiras "produzidas total ou parcialmente em Portugal".

Sugere então o grupo parlamentar do PS a introdução do artigo 192.º-A (que na prática será um aditamento à Lei n.º 55/2012, que estabelece os princípios de acção do Estado no fomento, desenvolvimento e protecção do cinema e do audiovisual), que classifica o Incentivo Financeiro à Grande Produção Cinematográfica e Audiovisual como “um regime de apoio a fundo perdido”. Detalha que “o incentivo é pago ao respectivo beneficiário, pelo ICA [Instituto do Cinema e do Audiovisual], I. P., até ao final do mês de Abril do ano seguinte à conclusão da obra cinematográfica ou audiovisual, nos termos a definir na respectiva regulamentação”. As suas regras indicam que as produções só podem beneficiar de um máximo de seis milhões de euros por obra cinematográfica ou audiovisual e, no caso de séries televisivas, de um máximo de três milhões de euros por episódio.

A proposta inicial do OE previa manter 14 milhões de euros de dotação para o FATC (a mesma verba que em 2022), que tem um incentivo central: o “cash rebate”, ou seja, o reembolso de 25 a 30% das despesas das produções em Portugal. Uma parceria entre os ministérios da Cultura e das Finanças e a Secretaria de Estado do Turismo, que envolve directamente o Turismo de Portugal e o ICA, o FATC é gerido por este último. A ideia inicial do ministro Adão e Silva era juntar a um mecanismo de reembolso um mecanismo de crédito fiscal. “Em 2024, o FATC vai manter-se e será criado um regime de incentivo fiscal a projectos cinematográficos e audiovisuais de grande dimensão, que funcionará como um mecanismo complementar ao ‘cash rebate’”, lia-se num comunicado do Ministério da Cultura de dia 1 deste mês.

Agora, o cenário muda numa fase em que o FATC, cujo sucesso e procura tem esgotado muito rapidamente as verbas disponíveis, estava numa espécie de regime transitório. O Governo manifestara vontade de mudar as regras de acesso e distribuição das verbas disponíveis e possivelmente eliminar o formato de “first come, first served”, ou seja, de aceitação de candidaturas elegíveis por ordem de chegada. Um estudo feito em Março pelo PlanApp (Centro de Competências de Planeamento, de Políticas e de Prospectiva da Administração Pública) corrobora essa filosofia.

Este ano, o FATC voltou a ser vítima do seu sucesso e as verbas disponíveis na primeira fase — oito milhões de euros — esgotaram-se em minutos. A segunda fase, que deveria ter aberto no trimestre em curso, foi cancelada e decidiu-se que os seis milhões remanescentes para 2023 seriam realocados aos candidatos excluídos na primeira fase.

O trabalho da Portugal Film Commission, agora inserida no ICA, e os benefícios oferecidos pelo FATC são responsáveis pela presença de rodagens em Portugal de filmes como Velocidade Furiosa X ou séries como House of the Dragon, mas também beneficiou séries como Glória (Netflix) ou Matilha (RTP). Ainda assim, as verbas pecam por escassas e há atrasos nos pagamentos, como se tem queixado o sector. A existência do FATC e desta estratégia de promoção é dos raros pontos de política cultural em relação aos quais os diferentes partidos com assento parlamentar se têm mostrado favoráveis ao longo das últimas duas legislaturas.

Notícia corrigida às 22h25: O valor de aumento do montante disponível para incentivo às filmagens é de 20 milhões e não seis milhões de euros

Notícia actualizada às 13h33 de 17 de Novembro: acrescenta informação sobre tectos de benefício do incentivo e clarifica relação com o FATC

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