Se o novo aeroporto for em Alcochete, serão abatidos 250 mil sobreiros? “É pura especulação”

Autoridades não comentam se serão abatidos 250 mil sobreiros, caso a localização do novo aeroporto seja em Alcochete. Achar diz que não existe “levantamento exaustivo” e valores serão uma estimativa.

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O sobreiro é uma árvore protegida por lei em Portugal Nuno Ferreira Santos
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A questão foi levantada numa peça da TVI: se o novo aeroporto for construído em Alcochete, pode implicar o abate de 250 mil sobreiros. Mas será, de facto, assim? Questionámos as autoridades ligadas ao ambiente e nenhuma delas quis fazer comentários sobre este assunto ou disse ter elementos que confirmem esses números. Surge então uma nova pergunta: de onde vêm os valores? Podem ser “pura especulação ou estimativa”, que só têm em conta a área onde decorrerão as obras para a infra-estrutura e não um levantamento rigoroso do número de árvores, admite a associação ambientalista Zero.

A 26 de Outubro, numa peça da TVI, referia-se que se tinha tido acesso a documentos da Força Aérea, que eram certificados pela Achar – Associação de Agricultores de Charneca e pelo Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), e onde se mencionava que, se o novo aeroporto fosse construído em Alcochete teriam de ser abatidos 250 mil sobreiros. “De acordo com os dados destas duas entidades, será necessário abater 250 mil sobreiros”, afirmou-se.

Desses 250 mil sobreiros, 90 mil seriam cortados por causa do aeroporto em si; e 160 mil para a cidade aeroportuária, construção de acessibilidades e infra-estruturas. A TVI também cita o estudo de impacte ambiental, de 2010, que refere que serão “afectados 1102 hectares de montado”.

Logo no dia seguinte, o PAN alertava para a possibilidade de um “desastre ambiental” ligado a este abate mencionado na peça da TVI. Inês de Sousa Real dizia aos jornalistas, na Assembleia da República, que “é absolutamente inaceitável que se penhore desta forma um património natural como este”. “O sobreiro é uma árvore que é um símbolo nacional, de crescimento lento, que tem uma importância ecológica absolutamente fundamental para o país”, sustentou a deputada única do PAN.

Mas, afinal, o que acontece se for escolhido Alcochete como a localização do novo aeroporto, nomeadamente no campo de tiro da Força Aérea Portuguesa? Será, de facto, necessário abater 250 mil sobreiros?

“Não existe um levantamento exaustivo”

Questionada sobre se tem conhecimento do abate desta dimensão e sobre os documentos citados pela TVI, a Força Aérea disse ao PÚBLICO que “não tem quaisquer comentários”. “Mais se informa que a Força Aérea nesta, como noutras circunstâncias, será sempre parte da solução”, acrescentou.

As mesmas questões foram colocadas à Agência Portuguesa do Ambiente (APA). A resposta também foi inconclusiva: “Nesta fase, a APA não tem conhecimento sobre as questões suscitadas, não lhe sendo possível prestar esclarecimentos sobre as mesmas.”

Na mesma linha, o ICNF disse também não ter “qualquer elemento sobre a eventual instalação de um aeroporto na zona de Alcochete”. A restante resposta menciona as medidas de compensação, caso tenham de ser abatidos sobreiros. O sobreiro é uma árvore protegida por lei em Portugal e o seu corte poderá apenas acontecer com uma declaração de “imprescindível utilidade pública”, em que se mostre que não há outra alternativa a esse abate. Para compensar esse corte, terão de ser plantadas outras árvores.

A Achar dá algumas pistas para se perceber o que pode estar em causa. A associação diz que, do seu conhecimento, “não existe um levantamento exaustivo dos sobreiros existentes” no campo de tiro. Dessa forma, não se pode indicar quantas árvores podem ser cortadas, caso a escolha da localização seja Alcochete. Mesmo assim, a associação de proprietários florestais, que é gestora do grupo de certificação no qual se inclui o campo de tiro, não conhece em detalhe o projecto do novo aeroporto para saber que áreas podem ser afectadas.

Procurando dar uma resposta à questão do referido abate dos 250 mil sobreiros, a Achar assinala que, caso toda a área de sobreiros do campo de tiro seja afectada, se considera que a estimativa das 250 mil árvores será “uma razoável aproximação”. Neste caso, não se considera apenas o aeroporto em si, mas toda a cidade aeroportuária.

Para tal, citam-se dados de uma apresentação na Ordem dos Engenheiros de 2015 que referia cerca de 3680 hectares de sobreiros. “Considerando uma densidade média dos povoamentos de 65 árvores por hectare, podemos concluir que é uma estimativa válida se toda a área de sobreiro vier a ser afectada”, argumenta-se. Tendo em conta esses dados, teriam de ser abatidos 239.200 sobreiros.

Como nota final, sublinha-se que uma decisão técnica bem fundamentada sobre o novo aeroporto terá de incluir uma “rigorosa avaliação” do número de sobreiros que poderão ser afectados. Dessa forma, terá de ser realizado um levantamento no terreno. Como ainda não terá sido feito, “não será possível confirmar ou desmentir estimativas”, afirma-se.

Portanto, os valores avançados poderão ser uma especulação. É essa a leitura de Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero. Francisco Ferreira refere que este é um aspecto que acha pertinente ser averiguado pela Comissão Técnica Independente, criada pelo Governo para apoiar a decisão política relativa à escolha da localização do novo aeroporto de Lisboa.

“Os números actuais de abates de sobreiros são pura especulação ou estimativa, que pode estar muito errada porque há uma identificação de área de povoamento e não de número de árvores”, explica o presidente da Zero. Além disso, destaca que todas as obras associadas podem ter impactes no corte de sobreiros, como o ramal ferroviário.

Francisco Ferreira enumera linhas vermelhas traçadas pelas organizações não-governamentais de ambiente relativamente ao aeroporto e infra-estruturas associadas: a violação do regulamento geral do ruído em áreas urbanas consolidadas; a sua construção em áreas da Rede Natura 2000 ou que implique o sobrevoo em Zonas de Protecção Especial a altitudes inferiores a mil pés; e a sua localização em cotas inferiores a dez metros em áreas costeiras e estuarinas. “Os sobreiros estão de fora, mas será, sem dúvida, um aspecto relevante a considerar”, nota.