Comissão de Ética diz que Centeno “cumpriu os deveres”, mas alerta para “danos” na imagem

Comissão de Ética do BdP diz que Centeno cumpriu deveres, mas admite que o convite dirigido ao governador para assumir o cargo de primeiro-ministro pode trazer “danos à imagem” do regulador.

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Mário Centeno, governador do Banco de Portugal Reuters/PEDRO NUNES
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Mário Centeno agiu de acordo com os seus deveres de governador do Banco de Portugal quando foi convidado por António Costa a ponderar sobre a possibilidade de ser primeiro-ministro, considerou a Comissão de Ética do banco central, que alerta, contudo, que as notícias que surgiram sobre o assunto podem prejudicar a imagem da instituição.

Num parecer emitido na passada segunda-feira e que foi nesta quarta-feira dado a conhecer pela administração do Banco de Portugal, a Comissão de Ética, presidida por Rui Vilar, conclui que “face ao pedido que foi dirigido ao governador pelo primeiro-ministro na tarde de 7 de Novembro, o governador, no plano subjectivo, agiu com a reserva exigível naquelas concretas circunstâncias, cumprindo os seus deveres gerais de conduta”.

Mário Centeno foi, como confirmou durante o fim-de-semana em declarações ao Financial Times e num comunicado subsequente, convidado por António Costa “para reflectir” sobre a possibilidade de ser nomeado como primeiro-ministro de um governo que contaria com o apoio da maioria parlamentar do Partido Socialista. A solução, contudo, acabou por não ser adoptada pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tendo Mário Centeno afirmado que estava ainda “muito longe” de chegar a uma decisão sobre a matéria.

Apesar de considerar as acções do governador adequadas, a Comissão de Ética alerta que, na prática, aquilo que se passou nos últimos dias pode prejudicar a percepção em torno do Banco de Portugal. “No plano objectivo, os desenvolvimentos político-mediáticos subsequentes podem trazer danos à imagem do banco”, diz o parecer, alertando que “a defesa da instituição é ainda mais relevante num período como o actual”.

“A comissão sublinha a importância dos princípios que enformam os normativos em vigor e recomenda que o governador, a administração e o banco no seu todo continuem empenhados na salvaguarda da imagem e reputação do Banco de Portugal”, diz ainda o documento, assinado pelos três membros da comissão, Rui Vilar, Rui Leão Martinho e Adelaide Cavaleiro.

Montenegro desvaloriza parecer

Depois de António Costa ter revelado que tinha proposto o nome de Mário Centeno para o cargo de primeiro-ministro, na passada sexta-feira, a oposição veio questionar a legitimidade do governador para se manter em funções, exigindo a sua demissão.

Isso mesmo defendeu o vice-presidente do PSD, António Leitão Amaro, que, ao PÚBLICO, afirmou que Centeno “perdeu legitimidade e condições objectivas para ser governador do Banco de Portugal”. Já Rui Rocha, da Iniciativa Liberal, considerou que “Centeno só tem um caminho a seguir: abandonar a função de governador”, enquanto André Ventura disse que o governador “não dá garantia de imparcialidade”.

Em resposta a estas críticas, e na sequência do parecer da Comissão de Ética agora conhecido, o regulador sublinha, no comunicado emitido nesta manhã, que “o conselho de administração considera que sempre estiveram reunidas as condições de independência do Banco de Portugal e dos seus órgãos para o exercício das suas competências”.

Agora, o presidente do PSD, Luís Montenegro, mantém que o convite a Centeno põe em causa a sua independência e desvaloriza o parecer da Comissão de Ética. “É uma forma interna de resolver o assunto, mas não corresponde àquele que é um sentir, que creio que a maior parte da população portuguesa apresenta, de que quem lidera uma entidade de regulação, uma entidade que tem de garantir a sua independência, não deve imiscuir-se nas questões políticas. Já não devia transitar directamente do Governo para essa entidade e, muito menos, estando nessa entidade, acabar por permitir que seja um agente político permanentemente”, disse Montenegro, em declarações aos jornalistas, nesta quarta-feira.

Assim, independentemente do parecer agora conhecido, o líder do PSD considera que “não foi bom para o Banco de Portugal e não foi para a autoridade do governador do Banco de Portugal aquilo em que ele se envolveu”.

À esquerda, não houve pedidos de demissão do governador do Banco de Portugal. O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, Pedro Filipe Soares, lembrou que “a relação entre Mário Centeno e PS é conhecida”, mas salientou que "também é conhecida a forma como a direita sempre usou Centeno para atacar o PS e considerou que este foi um episódio para “distrair do essencial”, referindo-se à discussão do Orçamento do Estado para 2024.

O PCP, por seu lado, escusou-se a avaliar se a credibilidade do governador ficaria prejudicada pelo convite para assumir o cargo de primeiro-ministro, considerando que essa era uma questão a ser tida em conta pela Comissão de Ética do Banco de Portugal. Agora que o parecer desta comissão é conhecido, os comunistas defendem que a independência do governador não fica em causa por este episódio político, mas pela actuação que tem mantido até agora.

“Onde deve estar a independência do governador é, sobretudo, em relação ao sector que supervisiona, ou seja, em relação aos interesses da banca. Desde o início, Mário Centeno tem sido um governador dos interesses da banca, tem permitido que as comissões bancárias aumentem de forma muito significativa e tem permitido o agravamento das prestações do crédito à habitação. No plano internacional, perante as decisões de agravamento das taxas de juro de forma muito rápida e prejudicial para países como Portugal, não verificamos que Mário Centeno tenha defendido o interesse de Portugal junto do Banco Central Europeu”, resume o deputado Duarte Alves, em declarações ao PÚBLICO.

Já Rui Tavares, deputado único do Livre, critica o posicionamento dos partidos da direita antes de ser conhecido o parecer da Comissão de Ética. "Foi bizarro ver certos partidos (PSD, IL), que, supostamente, são grandes defensores da independência do Banco de Portugal, a pressionarem a Comissão de Ética (ela própria independente do Banco de Portugal) para demitir o governador, horas antes de ela se reunir. E fico curioso para ver se vão pedir a demissão da Comissão de Ética também", diz, numa resposta enviada por escrito. "Quanto ao Livre, não queremos juntar mais uma crise à crise, que já estamos a viver, nem queremos que haja pretextos que não deixariam de ser usados por estes mesmos partidos para um regresso às políticas de austeridade", acrescenta.

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