Arguidos da Operação Influencer saem em liberdade. Corrupção e prevaricação caem
Vítor Escária apenas terá de entregar o passaporte e Lacerda Machado prestar uma caução de 150 mil euros. Juiz considera não haver indícios fortes de corrupção e prevaricação.
O juiz Nuno Dias Costa decidiu que todos os arguidos saem em liberdade e deixa cair os crimes de corrupção e de prevaricação. Assim, o ex-chefe de gabinete do primeiro-ministro (foi exonerado do cargo na semana passada), Vítor Escária, ficou apenas sujeito a entregar o passaporte enquanto o advogado Diogo Lacerda Machado, amigo de António Costa, terá de prestar uma caução de 150 mil euros no prazo de 15 dias, tendo igualmente de entregar passaporte. O presidente da Câmara de Sines, Nuno Mascarenhas, fica sujeito a termo de identidade e residência (TIR) e sem crimes, enquanto a Start Campus terá de apresentar uma caução de 600 mil euros.
Também os dois administradores da sociedade Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, ficam apenas sujeitos a TIR.
Vítor Escária e Diogo Lacerda foram detidos, indiciados pelo Ministério Público (MP), por prevaricação e tráfico de influência, sendo o segundo ainda suspeito, com mais os dois arguidos, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, de corromper o presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, que foi detido por suspeitas de corrupção e prevaricação.
Segundo o MP, em troca, Mascarenhas terá recebido benefícios indevidos para a câmara — uma doação de 5000 euros ao Festival de Músicas do Mundo e um apoio às equipas jovem de futebol de um clube local — e para si, nomeadamente o apoio do Partido Socialista numa carreira futura, o que seria importante, já que se encontra a executar o último mandato na Câmara de Sines.
E a Afonso Salema e Rui Oliveira Neves o MP imputava mais crimes (sete ilícitos): um de tráfico de influência, um de corrupção activa, três de prevaricação e dois de recebimento indevido de vantagem.
Porém, o juiz Nuno Dias Costa deixou cair os crimes de corrupção e prevaricação. De acordo com a informação divulgada aos jornalistas, num papel distribuído à porta do tribunal, o juiz considerou fortemente indiciados Diogo Lacerda e Vítor Escária, em co-autoria e na forma consumada, apenas de um crime de tráfico de influência.
Já no caso de Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, o juiz considerou que deviam ser indiciados por um crime de tráfico de influências e outro de oferta indevida de vantagem. Dos mesmos crimes ficou indiciada a empresa Start Campus. Nuno Mascarenhas saiu apenas com TIR e sem indiciação de crimes.
No domingo, depois de terminados os interrogatórios, o MP tinha pedido a prisão preventiva de Vítor Escária e de Diogo Lacerda Machado, mas no despacho onde determina as medidas de coação, o juiz considerou que as medidas pedidas pelo MP para os dois arguidos eram "claramente desproporcionadas, sobretudo à luz da pena que previsivelmente virá a ser aplicada àqueles, não valendo aqui considerações genéricas ou estereotipadas".
Para o presidente da Câmara Municipal de Sines o MP pediu a suspensão de funções e uma caução de 19 milhões de euros para a Start Campus SA, a empresa responsável pelo megaprojecto para a construção de um gigantesco centro de armazenamento de dados digitais, em Sines.
Quanto aos representantes da Start Campus, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, os procuradores do Ministério Público tinham pedido que lhes fosse aplicada uma caução de 200 mil euros e de 100 mil euros, respectivamente, bem como a interdição de contactarem com os demais arguidos e de se ausentarem para o estrangeiro
A própria empresa, a Start — Sines Transatlantic Renewable & Tecnology Campus SA, apesar de ser uma pessoa colectiva, foi apresentada pelos procuradores ao primeiro interrogatório judicial. Afonso Salema respondeu em nome próprio e igualmente em representação da sociedade anónima. O valor de 19 milhões de euros pedido pelo MP foi justificado por ser 10% do valor que alegadamente os accionistas já investiram no Sines 4.0.
As detenções dos cinco arguidos ocorreram numa operação, na última terça-feira, dia 7 de Novembro, que levou à realização de 42 buscas.
No total, há para já nove arguidos no processo. Juntam-se aos cinco detidos, o ministro das Infra-Estruturas, João Galamba, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o advogado e antigo porta-voz do PS João Tiago Silveira e a empresa Start Campus.
Em causa, neste processo, segundo o comunicado da Procuradoria-Geral da República (PGR) divulgado na semana passada estão, além do projecto de construção de um centro de dados na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus (que já levou a detenções e à constituição de arguidos), as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas) e um projecto de central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, apresentado por consórcio que se candidatou ao estatuto de Projectos Importantes de Interesse Comum Europeu (IPCEI).
Segundo o Ministério Público (MP), podem estar em causa os crimes de prevaricação, corrupção activa e passiva de titular de cargo político e tráfico de influência.
No mesmo comunicado, a PGR informou que o primeiro-ministro, António Costa, seria alvo de um processo de investigação autónomo no MP no Supremo Tribunal de Justiça, após suspeitos terem invocado o seu nome como tendo intervindo para desbloquear procedimentos nos negócios investigados.
Nessa sequência, o primeiro-ministro apresentou a demissão e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou a marcação de eleições legislativas antecipadas para 10 de Março de 2024.
Para Manuel Magalhães e Silva, advogado de Diogo Lacerda Machado, “este processo acabou aqui”: “A partir do momento em que o que está em causa é um tráfico de influências com as características menores que este tem, mais a obtenção indevida de vantagem e nada disto tem a ver com o primeiro-ministro….”.
Magalhães e Silva explicou que “o que está em cima da mesa é haver a apresentação, por parte do Dr. Lacerda Machado, de algumas pessoas a outras pessoas”.
Questionado se o MP devia tirar consequências do resultado destas medidas de coacção que o juiz decidiu aplicar, o advogado respondeu: “Disto e de outras coisas. O MP já devia ter tirado consequências há muito tempo, há anos e continua a não tirar. Há sobretudo erros graves de funcionamento e de organização do MP e continua a não haver nem instruções nem directivas por parte da Senhora Procuradora Geral da República para reconduzir o MP a um modelo que seja efectivamente garantista e eficaz”.
Instado a comentar o facto do presidente da Câmara de Sines ter estado detido seis dias e ter saído do tribunal apenas com um TIR e sem crimes, Magalhães e Silva disse que esta situação “devia envergonhar sobretudo os magistrados do MP que, com os indícios que tinham fizeram estas detenções”.
Já Tiago Félix da Costa que representa Rui Oliveira Neves disse que se "fez justiça". "Rui Oliveira Neves é inocente. Todos os que o conhecem pessoalmente e profissionalmente sabiam disso. A Justiça começou a dar o primeiro passo para o confirmar", afirmou o advogado, sublinhando que o próprio MP reconheceu que "o crime de corrupção não estava fortemente indiciado" depois do interrogatório.
O advogado rejeitou, no entanto, a ideia de que a decisão do juiz sobre as medidas de coacção possa ser considerada um "atestado de incompetência ao Ministério Público". Mas considerou que a detenção do seu cliente foi "absolutamente desnecessária". "Acho que este processo é um bom prenúncio para se fazer uma reflexão profunda sobre a justiça", sustentou.
Pedro Duro, advogado de Afonso Salema, admitiu que o resultado das medidas de coacção do juiz "não é o resultado condizente com as expectativas do Ministério Público". Porém, recusou a ideia de que o juiz tivesse dado um puxão de puxão de orelhas ao MP, sublinhando que lhe cabe sim fazer "a sua avaliação dos indícios”.