Movimentos anti-imigração em Portugal estão “cada vez mais organizados”
Estudo conclui que grupos anti-imigração ocupam cada vez mais espaço, não só nos movimentos sociais, mas também na política partidária portuguesa, embora não tenham ainda grande visibilidade.
Os movimentos anti-imigrantes existem em Portugal e estão cada vez mais organizados, aproximando-se dos congéneres europeus, embora sem um impacto social equivalente, segundo Thaís França, uma investigadora do Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE.
Nos grupos anti-imigrantes “há uma organização muito maior, muito mais forte, há muitos mais grupos aparecendo e cada vez mais organizados, com agendas mais claras, ocupando cada vez mais espaço, não só de movimentos sociais, mas também dentro da política partidária”, alertou a investigadora, cujo estudo incluiu 20 entrevistas a activistas portugueses que se apresentam como anti-imigrantes.
As conclusões apontam para uma agenda semelhante a outros países europeus. “Esses movimentos anti-imigração existem em Portugal, mas não têm tanta visibilidade quanto noutros contextos”, considera a investigadora, para quem, contudo, “é mentira” que o problema não exista em Portugal. “Começam a aparecer algumas manifestações de discursos de ódio, principalmente online, casos que se vêem na rua, de manifestação contra migrantes”, exemplifica.
Reconhecendo que é “tudo muito pontual”, a investigadora diz que o seu estudo mostra que essas movimentações existem “de uma forma mais submersa e que estão a organizar-se”. Até porque, salientou, há um crescimento em Portugal do “espaço para essas reivindicações anti-imigração acontecerem, apesar de, até hoje, Portugal ter tido uma política muito aberta em relação aos imigrantes”.
Os novos afluxos de estrangeiros ao país ameaçam conferir maior visibilidade a estes problemas, já que, com a imigração tradicional dos países lusófonos, o chamado “choque cultural” era menos intenso. A investigadora, de origem brasileira, foi confrontada com isso nas suas entrevistas. “[Os activistas anti-imigração] diziam que o meu caso é um caso de excepção, porque estou integrada na sociedade portuguesa, a trabalhar e a contribuir”, numa espécie de “discurso da boa selvagem” em relação ao outro.
Contra a diversidade cultural nas escolas
Esses grupos defendem um “controlo maior da entrada” de migrantes e criticam as políticas de “diversidade cultural nas escolas”, explicou a investigadora. Consideram ao mesmo tempo que Portugal precisa de mudar as políticas migratórias, no sentido de estreitar as portas de entrada aos estrangeiros, por entenderem que há o “risco de uma perda da identidade portuguesa, à medida que mais imigrantes vêm e que Portugal começa a adoptar outros costumes culturais que não seriam os tradicionais”.
As conclusões do projecto, que integra estudos semelhantes realizados na Noruega, Itália, Alemanha, França e Áustria, serão apresentadas no dia 29 de Novembro. Apesar de o discurso anti-imigrantes estar latente na sociedade, Thaís França não acredita que o assunto surja nas próximas eleições de Março.
“O tema da anti-imigração está presente na agenda do Chega” e “tenta entrar noutros partidos”, mas a actual crise política “acontece dentro de um contexto de corrupção” e será esse o tema principal da campanha, vaticina. Conclui, porém, que se estivéssemos perante “uma saída normal do Governo, essa questão da migração apareceria com mais força na agenda”.
De resto, a investigadora considera que o aumento dos casos de xenofobia contra brasileiros mostra a transversalidade do tema aos vários sectores da sociedade portuguesa. “Hoje em dia, tem-se uma perspectiva muito maior do que é a xenofobia, do que é racismo e há muitos mais canais para discutir essas questões, que antes tinham menos visibilidade”, declara.
Comentando o recente caso de um vídeo difundido online em que uma mulher portuguesa no aeroporto de Lisboa diz a uma brasileira “Vá para a sua terra, estão a invadir Portugal”, entre outras declarações xenófobas, a investigadora não considera que o episódio seja representativo da experiência de todos os brasileiros em Portugal, embora sustente que cada vez mais brasileiros se confrontem com “casos de discriminação, de racismo e de xenofobia”.
O episódio no aeroporto gerou polémica no Brasil, com o ministro da Justiça, Flávio Dino, a referir-se ao caso: “Bom, se for isso, nós temos direito de reciprocidade, não é? Porque em 1500 eles invadiram o Brasil. E concordo até que eles repatriem todos os imigrantes que lá estão, devolvendo junto o ouro de Ouro Preto, e aí fica tudo certo, a gente fica quite.”
Para a investigadora brasileira do ISCTE, estes incidentes “não representam uma mudança estrutural. “O que nós vemos são casos isolados, que não estão inseridos dentro de um grupo organizado”, salienta, negando que haja um sentimento xenófobo generalizado em Portugal contra os brasileiros.