Qual é o custo ambiental e humano dos produtos que compramos online a preços baixos?

Estes produtos são associados normalmente a uma menor qualidade e a uma maior pegada ambiental. A redução da produção é apontada como uma solução, mas será suficiente?

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Estima-se que 92 milhões de toneladas de roupa sejam descartadas por ano EPA/DEDI SINUHAJI
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É muito provável que já se tenha deparado com as montras virtuais de lojas, como a Shein, a Temu e o AliExpress, onde encontra todo o tipo de produtos a preços bastante apelativos em comparação com aqueles que podem ser encontrados em qualquer outra loja física. Para Susana Fonseca, da Associação Zero, as pessoas não sabem a razão pela qual os produtos são baratos e "quem está a ser prejudicado ao longo do caminho". Qual será, afinal, o custo a pagar por um preço aparentemente tão reduzido?

Os impactos destas indústrias são vários, especialmente do ponto de vista ambiental. Se pensarmos numa peça de vestuário — 66% das compras realizadas online pelos portugueses são em vestuário e calçado —, a pegada ambiental, como explica Salomé Areias, fundadora do movimento Fashion Revolution, começa na extracção do petróleo, passando pela extrusão da tinta, produção de tecidos, tratamento dos mesmos, embalagem e transporte. E as consequências podem ser maiores se os diferentes processos forem realizados em países distintos.

Antes de estas plataformas existirem, este tipo de impacto já estava associado à produção dos produtos vendidos nas lojas físicas. Como refere Salomé Areias, a ultra fast fashion veio exponenciar os impactos que já eram “gigantes com a fast fashion e a indústria têxtil em geral”.

Quais são os impactos ambientais?​

Quando chega a hora de escolher a matéria-prima a usar nas peças, o plástico tem sido a escolha óbvia, já que é um dos materiais mais baratos. “Nós sabemos que, por norma, 69% das fibras da indústria têxtil são plásticas”, o que significa que no que diz respeito à ultra fast fashion essa percentagem deverá ser “muito maior”.

As fibras libertam constantemente microfibras que são posteriormente lançadas no meio ambiente. “Neste momento, os microplásticos já são encontrados basicamente em todos os ecossistemas do mundo, porque viajam pela água, pelo ar, nos próprios produtos, na cadeia alimentar, no nosso sangue”, afirma Susana Fonseca. A responsável pela área de Sociedades Sustentáveis e Novas Formas de Economia na Associação Zero menciona ainda que este tipo de matéria é perigoso pela “capacidade que tem de, ao interagir com outros sistemas, se tornar uma esponja de químicos”.

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Lucas Hoang/UNSPLASH

Os próprios tecidos têm impactos diferentes se pensarmos, por exemplo, no poliéster, conhecido por ser barato, resistente e de fácil manutenção, mas extremamente poluente por ser sintético, ou no algodão que é um dos materiais que mais água consome.

Susana Fonseca alerta ainda para os impactos associados aos processos que permitem que alguns tecidos fiquem com determinados efeitos — lavagens, tingimentos, branqueamentos, processos de corrosão do tecido. Estes processos não só implicam uma utilização avultada de recursos hídricos, como introduziram um novo problema ambiental, que afecta a saúde da população global: as substâncias químicas.

Apesar de, na Europa, existirem um conjunto de regras a cumprir no que diz respeito ao tipo de substâncias que podem ser usadas nos produtos, fora do continente europeu esse controlo não é tão restritivo. “Quando as pessoas compram um brinquedo, um produto têxtil, um equipamento electrónico, um cosmético, um perfume, neste tipo de marketplaces, que de facto não garantem o cumprimento da legislação europeia, acaba por existir um risco maior de presença de substâncias químicas perigosas”, alerta Susana Fonseca.

E os impactos humanos?

O documentário Untold: Inside the Shein Machine mostrou ao mundo as condições de trabalho de uma das principais lojas online de ultra fast fashion: os trabalhadores ganham cerca de 3,45 cêntimos por cada peça produzida, trabalham cerca de 18 horas por dia, não têm direito a fins-de-semana e o descanso mensal reduz-se a uma folga.

Daniela Guerreiro, doutoranda em Antropologia no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, explica que estas práticas acontecem porque as empresas "querem atingir um determinado nível de produção". "Se não dão condições dignas aos seus trabalhadores, não é possível falarmos em moda sustentável", continua.

No entanto, Daniela Guerreiro considera que estes efeitos poderão ser atenuados com uma nova diligência que está a ser trabalhada pela União Europeia em matéria de direitos humanos que visa responsabilizar as marcas pela sua cadeia de produção. As marcas terão de “se aproximar dos parceiros de produção e identificar o que está a ser zelado do ponto de vista ambiental e dos direito humanos” e, consequentemente, “ajudar os seus parceiros”.

Para onde vão estes produtos quando são descartados?

Estas lojas são vistas como verdadeiros “estímulos” tendo em conta a “facilidade que temos em aceder a vários produtos” e os “preços mais apelativos”. Susana Fonseca defende que “este estímulo ao consumo acaba por ser um estímulo aos produtos devolvidos”.

“As pessoas consomem as coisas, em média, quatro vezes”, diz Salomé Areias , alertando para o facto de a maioria das coisas que descartamos serem constituídas essencialmente por plástico. “Neste momento, temos a informação de que são 92 milhões de toneladas de roupa que são descartadas por ano”, continua.

Estes produtos, essencialmente têxteis, são encaminhados para países com situações políticas e económicas mais vulneráveis e onde as pessoas dependem da revenda destes produtos. De seguida, aqueles que não forem vendidos são colocados num aterro ou no mar. “Não há lugar no planeta, não há incentivos económicos para reutilizar esta quantidade bizarra”, explica a fundadora do movimento Fashion Revolution.

Daniela Guerreiro refere também que “esta economia informal destruiu praticamente a indústria têxtil desses países”.

A redução da produção seria suficiente?

A redução da produção não é suficiente por si só, já que "há uma força demasiado grande da economia relacionada com a forma como o capitalismo funciona" que faz com que as empresas procurem constantemente maximizar os seus lucros. Salomé Areias considera que “é preciso haver uma redução dos volumes de produção. Mas isso só terá impacto se quem fizer isso for realmente responsável por grandes valores de produção” e se este processo for acompanhado de legislação.

A mesma fonte defende ainda que é necessário existir vontade política por parte dos Governos para procurar soluções que vão “além dos acordos não vinculativos das cimeiras do clima”, bem como para aplicar leis e sanções. Susana Fonseca refere que seria importante implementar legislação que proíba a destruição das colecções, quando não vendidas, e que responsabilize do ponto de vista ambiental e social os produtores que trabalham fora do bloco europeu.

“Nós temos legislação na União Europeia de aplicação de responsabilização alargada do produtor onde as embalagens que são usadas no envio das encomendas pagam um valor que depois é usado pelos municípios ou serviços de gestão para fazer a triagem [dos resíduos], para que haja ecopontos na rua", explica Susana Fonseca. “Muitas vezes estas encomendas que vêm de fora não pagam esse 'ecovalor' e ficamos com o material que tem de ser reciclado” no bloco europeu, acrescenta.

Outro aspecto importante passa pela mobilização da população. As pessoas podem começar por rever o seu consumo, explica Susana Fonseca, dizendo que é necessário ter uma “maior consciência do que realmente necessitam e comprar aquilo que precisam mesmo”. Para ultrapassar o excesso de consumo, as pessoas podem, por exemplo, aceder a mercados em segunda mão, cuidar melhor da roupa, emendá-las ou dar as peças que já não querem a alguém que precise, sugere Salomé Areias.

Salomé Areias considera ainda que “a mudança não parte dos elementos que fazem parte de um sistema” e, por isso, são as pessoas que têm de “ir contra o sistema”. Nas empresas, as pessoas devem questionar as chefias e os fornecedores sobre estas dinâmicas do trabalho que acabam por ter custos elevados, seja porque estão envolvidos em actividades ilícitas ou por usarem materiais, que embora digam ser sustentáveis, não o são.