Associações exigem cancelamento de projectos de exploração de lítio
Investigação que levou a demissão de Costa por causa de lítio no Barroso gera reacção de associações que insistem que os planos só iam prejudicar as regiões já desfavorecidas beneficiando as empresas.
Um conjunto de associações que tem vindo a protestar e a tentar travar projectos de exploração de lítio em Portugal exigiu nesta terça-feira o cancelamento daquelas explorações em reacção às investigações da Procuradoria-Geral da República que levaram à demissão do primeiro-ministro, António Costa.
“Exigimos o cancelamento imediato de todos os projectos de mineração de lítio em Portugal, quer estejam em fase de prospecção, de avaliação, ou de exploração”, lê-se num comunicado conjunto dos grupos Associação Montalegre com Vida, Povo e Natureza do Barroso, Unidos pela Natureza - Associação de Desenvolvimento de Dornelas, Unidos em Defesa de Covas do Barroso, Movimento Não às Minas Montalegre, Colectivo Minas Não, Extinction Rebellion Portugal e Grupo de Investigação Territorial.
Os concelhos de Montalegre e de Boticas, no distrito de Vila Real, são um dos epicentros dos casos no cerne das investigações da Procuradoria-Geral da República, ligados à exploração de lítio na região do Barroso e à produção de hidrogénio em Setúbal.
Estão em causa suspeitas de corrupção activa nestes processos por parte de elementos do Governo e não só. Embora as investigações estejam ainda a desenrolar-se e o veredicto vá demorar, o grupo não tem dúvidas sobre as causas em relação à exploração de lítio naqueles dois concelhos.
Negócio sem justificação ecológica
“A promoção por parte do governo de António Costa da extracção de lítio em Portugal não se deve a qualquer justificação ecológica e/ou climática, mas sim à da criação de uma rede de oportunidades de negócio para beneficiar muito poucos”, lê-se no comunicado. O lítio é visto como um elemento importante para a transição energética, já que permite a produção de baterias de lítio para os carros eléctricos, que poderão substituir os veículos que necessitam de derivados do petróleo, como a gasolina e o gasóleo, e que emitem dióxido de carbono, o principal gás que exacerba o efeito de estufa, que está na origem das alterações climáticas.
As investigações levaram ao ministro das Infra-estruturas, João Galamba, e ao presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Nuno Lacasta, a serem constituídos arguidos, além de mais cinco detenções.
“O facto de o presidente da APA estar envolvido no processo (…) na condição de arguido, atesta que são fundadas as desconfianças de vários movimentos ambientais e da população civil em geral, de que os processos de licenciamento e exploração mineira não têm sido conduzidos de forma transparente em Portugal”, lê-se no comunicado.
Apesar de tanto as populações dos dois municípios, como as autarquias, a sociedade civil e as associações ambientalistas como a Zero terem estado contra a exploração de lítio naqueles municípios, a APA emitiu em Maio uma Declaração de Impacte Ambiental (DIA) favorável à mina do Barroso, que fica no concelho de Boticas, cujo projecto está a cargo da Savannah Resources Plc, e, meses depois, em Setembro, emitiu uma DIA favorável condicionada à mina do Romano, em Montalegre, cuja exploração é feita pela empresa Lusorecursos Portugal Lithium. Em Maio, Nuno Lacasta disse ao PÚBLICO que a mina do Barroso passava a ser a fasquia para novas explorações de lítio.
“Para nós não era novidade. Há muito que temos vindo a alertar para esta situação”, diz ao PÚBLICO Nelson Gomes, presidente da associação Unidos Em Defesa de Covas do Barroso, um dos grupos que assina o comunicado, que está contra a exploração da mina de Boticas. “O Governo tem-se mostrado sempre ao lado da empresa, nunca esteve do lado da população. A importância era sempre que a empresa pudesse levar o projecto a avante.”
Nelson Gomes queixa-se da forma como os contratos foram feitos, sem as entidades locais terem tido oportunidade de opinarem, ou do facto de a APA ter impedido o acesso a documentos do processo. “Interpusemos uma acção em tribunal que nos deu razão e a APA foi condenada a pagar 15.000 euros”, garante.
“A nossa posição mantém-se. Continua-se a sacrificar estas zonas pobres, onde as populações já são tão sacrificadas. Se queremos combater as alterações climáticas, temos de preservar a floresta, a qualidade de água e estas populações que vivem de forma sustentável”, afirma Nelson Gomes. “Impor sacrifícios a estas populações não faz sentido.”
Para Armando Pinto, à frente da Associação Montalegre Com Vida, que luta contra o projecto da mina de lítio em Montalegre, o “processo era muito pouco transparente”, afirma à agência Lusa. Embora não comente a investigação que está em curso, espera que o processo caia. "É o que nos move desde o início", disse. A nova investigação “vem dar alguma razão às nossas reivindicações ou alertar, mais uma vez, para aquilo que nós temos vindo a dizer ", adiantou.
“Alguma desconfiança”
O estatuto destes projectos, para já, não se altera. “Não sei se os projectos vão ficar mais vulneráveis, o processo administrativo vai continuar” por enquanto, diz ao PÚBLICO Nuno Forner, que pertence à Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável.
Para o ambientalista, os processos dos dois projectos de mineração no distrito de Vila Real não foram alvo de desconfiança. “Não me parece que aquilo estivesse a levantar suspeitas. Temos que acreditar nas instituições e nos processos administrativos que são feitos de boa-fé”, sublinha.
Mas as consequências da exploração de lítio é uma preocupação para a associação “Eram projectos com impactos ambientais muito significativos”, com “bastantes implicações na vida das pessoas que vivem na região”, refere Nuno Forner.
Agora, é necessário “aguardar com serenidade”, defende o ambientalista. “A justiça tem o seu espaço, tem o seu papel, para avaliar a questão”, diz, adiantando que se houver algo de estranho, será o momento de “uma tomada de posição”.
Mas há algum mal que já está feito, admite Nuno Forner, em relação a projectos de exploração como os do lítio, em que um dos grandes argumentos para a sua necessidade é a transição energética: “A população vai ter sempre alguma desconfiança porque se perde a credibilidade das instituições que estão envolvidas nestes processos.”
Notícia corrigida às 11h de dez de Novembro de 2023: Duarte Cordeiro não foi tornado arguido ao contrário do que foi escrito.