Houve “dúvidas e reticências”, mas dedicação plena e Unidades Locais de Saúde já têm lei

Decretos-lei que criam regime de dedicação plena e generalizam as Unidades Locais de Saúde foram publicados esta terça-feira.

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Os diplomas agora publicados trazem grandes alterações à forma de organização do SNS Miguel Manso
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A adesão à dedicação plena alarga o número de horas extraordinárias a realizar num ano até às 250 horas e a jornada diária a nove horas. Estão sujeitos ao novo regime os médicos integrados em Unidades de Saúde Familiar (USF), nos Centros de Responsabilidade Integrados (CRI), os chefes de direcção de serviço ou de departamento e os médicos de saúde pública, “salvo oposição expressa dos mesmos”.

O decreto-lei que cria a dedicação plena e alarga as USF foi publicado, esta terça-feira, em Diário da República. Aprovado em Conselho de Ministros de forma unilateral, o diploma não acolheu o acordo dos sindicatos médicos. Este decreto-lei, juntamente com o da generalização das Unidades Locais de Saúde, foi promulgado pelo Presidente da República a 24 de Outubro, mas com “inúmeras dúvidas e reticências”.

O diploma da dedicação plena e das USF entra em vigor na quarta-feira e produz efeitos a 1 de Janeiro de 2024. A excepção é o artigo que remete para o diploma que majora o valor das horas extraordinárias, que produz efeitos a 1 de Outubro de 2023. Esse regime, tal como já tinha sido revelado, é prorrogado até ao dia 10 de Janeiro de 2024.

A adesão à dedicação plena não tem uma duração máxima, nem depende de renovação, mas estão previstas incompatibilidades e impedimentos. “No que respeita aos trabalhadores médicos, são consideradas actividades privadas e condições incompatíveis, nomeadamente, o exercício de funções de direcção técnica, coordenação e chefia de entidades da área da saúde no sector privado ou social, convencionadas ou não com o SNS, bem como a titularidade de participação superior a 10 % no capital social de entidades convencionadas, por si ou por cônjuge e pelos ascendentes ou descendentes de 1.º grau”. Os consultórios individuais não estão abrangidos por esta incompatibilidade.

O decreto-lei refere ainda que a acumulação de actividade assistencial em entidades privadas ou do sector social “depende de requerimento” e “carece de prévia autorização” pela administração do estabelecimento ou serviço de saúde público onde o médico trabalha, “não podendo dela resultar para o SNS qualquer responsabilidade pelos encargos resultantes dos cuidados por esta forma prestados aos seus beneficiários, nem afectar a satisfação de necessidades permanentes ou temporárias do serviço a que o médico se encontra vinculado”.

Suplemento de 25%

O horário de trabalho é o já anunciado plano de 35 horas mais cinco horas complementares. Nos CRI dos serviços de urgência, as cinco horas complementares “são prestadas nesses serviços”. “Sem prejuízo da prestação de trabalho em serviços de urgência, o período normal de trabalho diário tem um limite de 9 horas”, especifica o diploma.

O documento esclarece que até à aprovação do novo regime dos CRI, “que serão integrados por equipas multiprofissionais sujeitas ao regime de dedicação plena, mantêm-se em funcionamento os CRI existentes à data da produção de efeitos do presente decreto-lei” ou que venham a constituir-se nos termos do definido no Estatuto do SNS.

De resto, o decreto-lei confirma muito do que já tinha sido referido pelo ministro da Saúde e contestado pelos sindicatos médicos. Para os clínicos que fazem urgência, a dedicação plena implica que o horário semanal da urgência seja de 18 horas, podendo acrescentar-se um período semanal único de até seis horas de trabalho suplementar.

A prestação de trabalho suplementar “não se encontra sujeita a limites máximos, quando seja necessária ao funcionamento de serviços de urgência, não podendo o médico realizar mais de 48 horas por semana, incluindo trabalho suplementar, num período de referência de seis meses, nem exceder 250 horas de trabalho suplementar por ano”. Quanto ao descanso após uma noite de trabalho, o mesmo existe, mas sem direito a que reduza o período normal de trabalho semanal.

O médico também poderá ter de exercer funções noutro hospital até 30 quilómetros de distância para assegurar o funcionamento da rede de urgências metropolitanas e quando “seja necessária a gestão integrada dos serviços de urgência de dois ou mais serviços e estabelecimentos de saúde”.

Quanto aos médicos que não fazem urgência, as cinco horas complementares serão prestadas em actividade assistencial “após as 17 horas nos dias úteis” e “pelo menos uma vez por mês ao sábado”.

A prestação das cinco horas complementares “confere direito a um suplemento correspondente a 25 % da remuneração base mensal”, que “é considerado no cálculo dos subsídios de férias e de Natal”.

Relativamente aos médicos de saúde pública, as cinco horas complementares serão usadas para “assegurar o normal funcionamento” dos locais onde estão integrados “nos dias úteis das 8 horas às 20 horas”. Em dedicação plena, “quando escalados para o efeito”, estes médicos estão obrigados a permanecer contactáveis e a apresentarem-se fora do horário para responder a uma emergência de saúde pública ou “a realizar actos de natureza inadiável ou imprescindível”.

Mínimo de 1750 utentes

Relativamente ao alargamento das USF, o Governo destaca algumas alterações em relação ao regime actualmente em vigor, nomeadamente a forma de constituição da lista de utentes que “passará a ponderar, e a ser proporcionalmente ajustada, ao risco individual de cada utente”. Todos os profissionais que integrem as USF terão acesso ao regime remuneratório e de incentivos até agora só aplicados às USF modelo B.

O decreto prevê uma actualização “na avaliação da componente da compensação pelo desempenho, nomeadamente a que está associada a actividades específicas, a qual continua a privilegiar a qualidade de cuidados, mas passa também a valorizar a melhoria do acesso, da qualidade, da eficiência e da integração de cuidados”.

Quanto ao horário de trabalho, a dedicação plena implica 35 horas mais cinco, que no caso dos cuidados de saúde primários serão ajustadas ao aumento das unidades ponderadas – forma de avaliação associada ao número de utentes por lista de médico de família. “A adesão ao regime da dedicação plena pressupõe que o trabalhador médico preste cuidados a uma lista com uma dimensão mínima de 1750 utentes, correspondendo, em média, a 2164 unidades ponderadas.”

O diploma estabelece os valores a pagar aos diversos profissionais de saúde que constituem as USF pelo alargamento da lista de utentes e refere também que o horário de funcionamento dos centros de saúde, que à partida será das 8 às 20 horas nos dias úteis, pode ser reduzido ou alargado “de acordo com as características geodemográficas da área de cada USF”.

Relativamente ao alargamento do horário, pode ir até às 24 horas nos dias úteis e entre as 8 e as 20 horas aos sábados, domingos e feriados, podendo existir outras possibilidades. As alterações no horário devem ser avaliadas pelos Agrupamentos de Centros de Saúde ou Unidades Locais de Saúde em articulação com a Direcção Executiva do SNS.

O Governo mantém a possibilidade de serem criadas USF modelo C, que podem ser geridas por privados ou pelo sector social. “A lista de critérios e a metodologia aplicáveis à constituição das USF C são aprovados por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde”, lê-se no diploma.

País vai ter 40 unidades locais de saúde

Foi também publicado o decreto-lei que vai permitir criar, a partir de 2024, 32 novas unidades locais de saúde (ULS) no país, que se juntam às actuais oito já existentes. No total, o país passará a ter 40 ULS, que são entidades públicas empresariais, cujos modelos organizativos permitem “a prestação integrada de cuidados de saúde primários e hospitalares”, conforme se lê no diploma do Governo.

Uma unidade local de saúde é um modelo de organização que integra os centros hospitalares, os hospitais e os agrupamentos de centros de saúde (ACES) de uma área geográfica. O modelo não é novo em Portugal: a primeira ULS foi criada há mais de 20 anos, em Matosinhos. Depois disso, surgiram mais sete – Norte Alentejano (em 2007), Guarda, Baixo Alentejo e Alto Minho (as três em 2008), Castelo Branco (em 2010), Nordeste (em 2011) e Litoral Alentejano (em 2012). Em conjunto, estas servem cerca de um milhão de pessoas.

“A integração dos ACES, hospitais e centros hospitalares já existentes no modelo das ULS constitui uma qualificação da resposta do SNS, simplificando os processos, incrementando a articulação entre equipas de profissionais de saúde, com o foco na experiência e nos percursos entre os diferentes níveis de cuidados, aumentando a autonomia gestionária, melhorando a participação dos cidadãos, das comunidades, dos profissionais e das autarquias na definição, acompanhamento e avaliação das políticas de saúde, maximizando o acesso e a eficiência do SNS”, lê-se no Decreto-Lei.

Com esta integração, o Governo entende ainda que “é alcançada uma maior eficiência na gestão dos recursos públicos”, seja pela garantia da “participação dos municípios no planeamento, organização e gestão do funcionamento da resposta em saúde à população de determinada área geográfica, potenciando a proximidade e a gestão em rede”.

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