Por que existe tanto desinteresse nas eleições europeias?

Muitíssimo poucos eleitores sabem para que servem as eleições para o Parlamento Europeu. Os poucos que votam transformam estas eleições num referendo aos partidos nacionais

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Os portugueses são chamados de cinco em cinco anos a votar nas eleições para o Parlamento Europeu. Isto traduz uma forma de participação popular num sistema político supranacional e que tem uma enorme influência na vida do país: a União Europeia.

Quando em Portugal são realizadas eleições legislativas, autárquicas ou para a Presidência de República, os eleitores conhecem, melhor ou pior, as funções de cada um destes órgãos. As leis emanadas pela Assembleia da República, os atos dos Governos, a ação das câmaras municipais e das juntas de freguesia ou as intervenções dos Presidentes da República são notícia diária nos meios de comunicação social e objeto de discussão pública constante.

No entanto, muitíssimo poucos eleitores sabem para que servem as eleições para o Parlamento Europeu (PE). Os poucos que votam transformam estas eleições num referendo aos partidos nacionais, até porque são estes que vão a votos, e não os partidos europeus – os quais, algo paradoxalmente, serão os que de facto estarão representados nos grupos do PE. Vota-se por inércia nos partidos do costume e não por interesse nas questões de âmbito europeu.

Importa perceber por que tão poucos portugueses votam nas eleições europeias. Nas últimas eleições votaram 31% dos eleitores. A situação não é muito melhor na Europa, mas, ainda assim, votaram 51% em todo o espaço europeu. Há fatores que influenciam a média, como o facto de na Bélgica e no Luxemburgo o voto ser obrigatório ou poder haver coincidência das eleições europeias com outros atos eleitorais, o que, naturalmente, aumenta o número de votantes nas eleições para o PE. No entanto, nos grandes números, vê-se que os portugueses votam muito menos do que a generalidade dos europeus.

Encontro sete grandes razões para que isso aconteça:

1) O Parlamento Europeu é fisicamente longínquo – poucas pessoas sabem bem onde fica;

2) Há um grande desconhecimento dos poderes do PE e de como funciona o sistema legislativo e de governo da União Europeia;

3) Os poucos que conhecem os mecanismos europeus saberão que o PE tem uma capacidade legislativa muito mais limitada do que os parlamentos nacionais, além de que cada país elege uma pequeníssima fração do PE – os portugueses elegem 21 deputados, que correspondem a 3% do Parlamento Europeu, e mesmo o maior Estado da União, a Alemanha, elege apenas 13%;

4) Os cidadãos não veem qualquer relevância da ação do Parlamento Europeu no seu dia a dia;

5) Existe uma irritação geral – na Europa e não só em Portugal – em relação aos custos elevados associados ao funcionamento do PE, que incluem os salários e as despesas de funcionamento, bem como os custos de deslocação semestral de toda a estrutura entre Estrasburgo e Bruxelas;

6) Nos países com sistemas parlamentares ou semiparlamentares, como o português, as eleições legislativas são, na prática, também eleições para o Governo, sendo os líderes dos partidos os candidatos a primeiros-ministros – apesar de António Costa ter feito tábua-rasa dessa tradição em 2015 –, mas não é assim na União Europeia, na qual o “chefe de governo” – o presidente da Comissão, atualmente Ursula von der Leyen – não é uma consequência “natural” das eleições;

7) Finalmente, não são os partidos em que se vota que vão estar representados no Parlamento Europeu – os deputados eleitos integram um dos sete grupos parlamentares europeus, ou ficam, excecionalmente, como “não inscritos”, diluindo-se a relação com os partidos nacionais que os elegeram.

Recentemente, o presidente do PSD, Luís Montenegro, veio tacitamente reforçar a ideia de que as eleições europeias têm pouco interesse ao declarar que serão “uma bela oportunidade que os portugueses terão para mostrar um cartão amarelo ao Governo” – quando não é o Governo que está em causa nestas eleições.

A “cidadania europeia”, reconhecida formalmente nos Tratados, implica “literacia europeia”. O direito de participação nos destinos da Europa só faz sentido se os cidadãos compreenderem, ainda que superficialmente, como funciona a União e em que se “transformam” os votos que depositam nos partidos nacionais.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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