Para eles, trabalhar todos os dias no escritório é “impensável”. Por isso, despediram-se

Um computador com Internet é tudo o que precisam, mas obrigavam-nos a estar no escritório. Eles procuraram empresas que os deixassem ficar em casa. “O teletrabalho em 2023 não é igual ao de 2020.”

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A falta de tempo ou de equilíbrio entre a vida pessoal e profissional estão entre as razões que explicam as condições impostas pelos trabalhadores no regresso ao escritório Paulo Pimenta
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Catarina Santos aguentou um ano num trabalho que lhe estava a roubar qualidade de vida. Tal como milhares de pessoas, saía de casa cedo, apanhava trânsito e, com sorte, chegava ao escritório 40 minutos depois. As oito horas seguintes eram passadas em frente a um computador a desempenhar uma função que, afirma, podia fazer a partir de qualquer lugar se a empresa o permitisse. Quando o relógio marcava as 18h, estava na altura de enfrentar novamente a segunda hora de ponta do dia e chegar a casa a tempo do jantar.

“Estava a ficar sem tempo para mim e não estava a saber gerir isso”, recorda ao P3 a analista de negócios. Cansada e desmotivada, começou a procurar ofertas de emprego que permitissem um regime de trabalho híbrido. Assim que encontrou, despediu-se.

Na empresa de informática onde trabalhava, no Porto, os funcionários eram obrigados a ir ao escritório cinco vezes por semana e, mesmo quando tinham de prestar apoio técnico aos clientes, tinham de passar primeiro pelo local do trabalho. Nesses dias, o horário de trabalho alargava-se e chegava ainda mais tarde a casa.

“Já estive em teletrabalho noutra empresa quando começou a pandemia e, nessa altura, não correu bem porque tinha poucas reuniões. Mas o teletrabalho em 2023 não é igual ao de 2020”, defende a jovem de 30 anos.

"Pandemia" é a palavra que o sociólogo Vítor Sérgio Ferreira começa por destacar para falar sobre as relações entre os jovens e o mercado de trabalho actual. Acima de tudo, a possibilidade de poderem trabalhar a partir de casa, benefício exclusivo de algumas profissões, originou “uma tensão” aquando do regresso ao escritório depois do confinamento, e as ambições profissionais que os jovens recém-chegados ao mercado de trabalho agora procuram não são as mesmas das gerações mais velhas.

“Temos vindo a descobrir que a ideia de ter um trabalho que permita ter uma vida pessoal e familiar, que são duas coisas com alguma diferença, é um trabalho que tende a ser cada vez mais valorizado”, destaca o sociólogo. A estabilidade profissional é outro dos conceitos encarados de forma diferente pelas novas gerações. Hoje, não tem de estar associada a um emprego para toda a vida ou a um contrato sem termo, mas antes a “alguma garantia de que quando deixam um posto de trabalho podem encontrar outro com alguma facilidade”.

No caso da Wyser, multinacional de recrutamento, quando o empregador publicita uma vaga que permite o teletrabalho, a procura tende a ser maior. Sem surpresas, tecnologia é o sector em que é mais fácil implementar este regime laboral, tal como a banca, contabilidade, seguros, engenharia ou advocacia.

“Nos perfis de tecnologia é muito raro conseguirmos ter candidatos disponíveis para oportunidades 100% presenciais. Pensando, por exemplo, numa amostra real de aproximadamente 200 candidatos para duas vagas de um perfil de tecnologia, em que numa referimos que é em regime remoto e na outra não, a capacidade de atrair candidatos cresce de 27% para 45% quando a oferta inclui teletrabalho”, adianta Liliana Costa, gestora de tecnologia e telecomunicações no grupo da qual a Wyser faz parte. Os empregadores também reconhecem que “vão perder a capacidade de atrair e reter candidatos” se excluírem a opção de trabalho remoto ou híbrido e, por isso, cedem às condições dos candidatos.

O modo de trabalho foi o que mais pesou quando Daniel Medeiros, 27 anos, aceitou uma nova proposta de trabalho, há três meses. A antiga empresa passou a permitir teletrabalho em dois dias alternados, em vez de três dias consecutivos. Daniel, a viver em São João da Madeira, fez as contas das deslocações para o Porto e foi-se embora mal recebeu uma proposta de trabalho totalmente remoto (neste caso, o ordenado e as funções de trabalho também eram melhores).

“O aumento salarial é pequeno, mas traduz-se em muito dinheiro ao final do mês porque não estou a gastar em combustível e alimentação [fora de casa]​”, explica.

Bem-estar é mais importante do que vida profissional

A falta de tempo ou de equilíbrio entre a vida pessoal e profissional estão entre as razões que explicam as condições impostas pelos trabalhadores no regresso ao escritório. Do lado dos empregadores, incluindo empresas tecnológicas, são vários os que cortam no trabalho remoto, provocando uma luta de interesses com os funcionários.

A Amazon, que durante o confinamento adoptou o teletrabalho, exigiu o regresso ao modelo híbrido, monitoriza as faltas e já despediu, pelo menos, 30 mil pessoas. O Twitter exige o trabalho presencial, o Zoom, que oferece serviços de videoconferências, obriga os trabalhadores a ir ao escritório duas vezes por semana e até o jornal The New York Times está a exigir que os técnicos de informática regressem à redacção. Como consequência, os mais de 700 trabalhadores da empresa fizeram greve na semana passado, não só contra o regresso ao local físico de trabalho, como também contra as ameaças em caso de incumprimento e falta de abertura à negociação, escreve a Bloomberg.

Para os lojistas, destaca a Wyser, trabalhar remotamente é impossível e, para garantir que todos têm os mesmos direitos, há empresas que recusam que quem trabalhe na parte financeira, no marketing ou nos recursos humanos fique em teletrabalho.

No entanto, é um entrave que não se aplica a João Areias que, tal como Daniel Medeiros, trabalha na área de recursos humanos numa empresa do Porto. Entrou há pouco mais de um ano, mas não demorou muito a perceber que existia abertura para propor mudanças, se alguma das regras impostas não fosse compatível com a vida pessoal dos funcionários. E foi o que aconteceu em Setembro.

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Na empresa de João sempre existiu abertura para o teletrabalho João Areias

A escalada dos preços das rendas obrigou o jovem de 26 anos a deixar o apartamento onde vivia no Porto e a procurar outro fora dos grandes centros urbanos. Encontrou um apartamento mais acessível em Viana do Castelo, mas com as deslocações diárias a poupança mensal era praticamente nula.

“Não seria satisfatório ter de me despedir por causa desta mudança de cidade, mas, se não fosse aceite teria de tomar essa decisão. Na fase da minha vida em que me encontro, prefiro priorizar o meu bem-estar e conforto do que a minha vida profissional”, explica. Depois de ter exposto a situação à chefia, a empresa decidiu que João e a restante equipa ficariam três dias em teletrabalho.

Apesar de ir ao escritório duas vezes por semana, está a conseguir poupar em combustível e refeições. O valor da renda é igual ao que pagava no Porto, mas a casa é maior. Em relação à produtividade, defende que estar em casa “não é para preguiçosos” e também não significa trabalhar menos. O volume de trabalho é o mesmo dos dias em que vai ao escritório, mas a vontade de fazer mais, e de mostrar que as funções que executa são importantes mesmo estando em casa, aumentou.

“Acho que é inevitável sentir um bocado de pressão. No meu caso, é uma percepção minha, porque nunca me disseram nada, mas é algo que pesa sempre mais quando acontece um erro que é normal, mas que pode ser encarado pelas chefias como uma distracção que aconteceu por estar em teletrabalho.”

Trabalhar 100% presencial? “Impensável”

As novas alterações à lei do teletrabalho, que entraram em vigor em Maio deste ano, destacam que os empregadores estão obrigados a fornecer equipamentos de trabalho remoto e pagar custos adicionais, como a energia e Internet, aos trabalhadores. Estas condições estão também estipuladas nos contratos dos três jovens que receberam computador, telemóvel de serviço e material de escrita.

Mas, apesar de todos os extras e apoios, dizem que trabalhar não é tudo e que ficar na mesma empresa até à reforma também não está nos planos. Encaram o teletrabalho como uma regalia que, a qualquer momento, pode acabar, por isso, e por muito que gostem do que fazem, das condições, dos colegas e até do ambiente laboral, não rejeitam a ideia de voltarem a trocar por outra coisa se, um dia, essa liberdade terminar.

“Na empresa, não está previsto que isso vá acontecer, mas iria depender do regime que implementassem – uma coisa era ser regime híbrido e outra era passar a ser totalmente presencial – e aí, provavelmente tentaria voltar a procurar o que fosse remoto”, revela Daniel. Abdicar do teletrabalho por um aumento salarial só o cativaria se o valor fosse muito superior ao que recebe agora. “Neste momento, trabalhar 100% presencial é impensável.”

Vítor Sérgio Ferreira realça que esta postura está também relacionada com outros aspectos da vida pessoal destes três jovens. Primeiro que tudo, estão no início da vida profissional e não têm filhos, o que significa que podem tomar decisões mais repentinas com base nos seus próprios interesses. Além disto, são qualificados, e ter um diploma, apesar de não ser tudo, ainda funciona como “escudo protector” contra condições precárias ou desemprego em algumas áreas.

Para os jovens, mais do que o conforto de ficar em casa, principalmente em dias de chuva como os das últimas semanas, e de não perderem tempo no trânsito, o teletrabalho permite-lhes gerir a vida como querem. Para Daniel, que tem isenção de horário, “trabalhar agora ou daqui a cinco horas é completamente indiferente”, desde que mantenha o compromisso com a empresa e faça horas extras quando necessário. O discurso dos outros dois não é muito diferente e, mesmo em casa, estão em contacto permanente com as respectivas equipas mas só durante as horas de trabalho, sublinham. Para mim está a ser melhor psicologicamente. Sinto-me mais descansado e focado”, conclui João.

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