O Qatar fez de Lionel Messi o melhor do mundo

O que nos diz a Bola de Ouro é que, como no Rock in Rio, o “palco mundo” é o mais importante. E foi assim que Messi, que “tocou” no “palco mundo”, bateu Haaland, o artista principal do “palco Europa”.

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Lionel Messi, jogador argentino EPA/MOHAMMED BADRA
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Lionel Messi conquistou, nesta segunda-feira, a Bola de Ouro, galardão para o melhor jogador da temporada 2022-23. Depois de brilhar no Mundial, bateu Erling Haaland, que brilhou na Europa. Faz sentido? Esse nunca será um tema fechado, mas há pistas para lá chegarmos, mesmo que, provavelmente, sem uma conclusão irrebatível.

No Mundial do Qatar, Messi arrastou a Argentina até uma final, desbloqueou os jogos com golos e com magia, prestou-se até a um golo “maradonesco” na meia-final e tratou de erguer o troféu no dia em que marcou dois golos e ainda inventou outro. Depois de terminar a temporada no PSG, sumiu para o sol de Miami, numa viagem que muitos criam poder tirar-lhe a Bola de Ouro. Mas não tirou. E o motivo ficara escrito há alguns meses, quando o mundo esteve no Qatar e viu Messi colocar-se na rota para melhor de sempre – dizia-se que lhe faltava um Mundial.

Agora, para a cerimónia de Paris, a questão que se colocava era se havia forma de aquele que se colocou na rota de melhor futebolista da história não ser, num plano mais micro, o melhor futebolista do ano. Eden Hazard disse mais ou menos isto, de forma ainda mais crua: “Seria ilógico não atribuir a Bola de Ouro ao melhor jogador da história no ano em que ganhou o Campeonato do Mundo".

Ninguém poderá dizer de forma definitiva e irrebatível que Messi é o melhor da história – ou sequer o melhor do ano. Mas há algo que todos podemos garantir: que o Mundial é visto como factor decisivo no “trono” de melhor jogador do ano e que esse “trono” – ou o de melhor de sempre – é justificado com a avidez do desporto de nunca dizer que não a um bom culto de personalidade.

O futebol quer sempre saber quem é o melhor – do mês, do ano, da década e da história. Até pode nem ser Messi, que isso nunca será conversa fechada, mas, pelo menos durante um ano, o argentino poderá dizer que é ele. E já o tinha dito sete vezes antes desta.

Poderia ser Haaland?

Como é que alguém pode conquistar este prémio a jogar num campeonato secundário como o francês e, depois, numa Liga totalmente periférica como a norte-americana?

A explicação simples é a de que o prémio se refere à temporada 2022-23 e não ao ano civil 2023. A justificação mais complexa pode chegar-nos por aquilo que disse Vincent Garcia, editor-chefe da revista France Football, que deu uma explicação sobre Ronaldo (ausente dos nomeados pela primeira vez desde 2004) que ajuda a explicar também o prémio a Messi: "A ausência de Ronaldo não foi, de todo, tema de discussão entre a comissão. Não brilhou no Mundial e joga numa Liga [Arábia Saudita] que tem visibilidade limitada", justificou, em entrevista ao portal alemão “TZ”.

O que Garcia disse, sem o dizer, é que estar numa Liga periférica depois de levar a Argentina “ao colo” no Mundial é uma coisa, estar numa Liga periférica depois de não ter prosperado no maior palco de selecções é outra.

Tudo isto chega para justificar o prémio a Messi? Talvez não, porque a luta nunca seria com Ronaldo, Mané, Benzema ou qualquer outro que tenha viajado para futebóis menores. A luta seria com Erling Haaland, o goleador.

O epíteto que colocamos para definir Haaland não é trivial, na medida em que pode ter sido por isso, pelo menos em parte, que foi tomada esta decisão: Haaland marca golos – e marcou muitos – mas é, futebolisticamente, mais unidimensional do que Messi.

Mas se ser o melhor do mundo não requer obrigatoriamente predicados variados – se assim fosse, até Aursnes estaria na luta –, então o que desequilibrou?

Falemos da comparação de títulos: Haaland conquistou a Liga inglesa e a Liga dos Campeões – ou seja, levou para casa os dois títulos mais importantes do futebol europeu. E foi fundamental em ambos, com golos atrás de golos. Fica apenas o amargo de “desaparecer” em partidas decisivas, o que tem sempre peso.

Messi também conquistou o campeonato interno em França – bem menos relevante do que o inglês – e “trocou” a Champions pelo Mundial de selecções.

Não tivesse sido esta uma temporada de Mundial e nem haveria discussão – seria Haaland o melhor do mundo. Mas, no fim de contas, o que a France Football nos está a dizer é que, como no Rock in Rio, o “palco mundo” é o mais importante. E foi assim que Messi, que “tocou” no “palco mundo”, bateu Haaland, o artista principal do “palco Europa”.

Bonmatí, claro

No sector feminino a dúvida não era tão grande como no masculino. Aitana Bonmatí, espanhola, venceu a Liga dos Campeões e o Mundial. Aitana Bonmatí foi a melhor jogadora da Liga dos Campeões e do Mundial. Aitana Bonmatí ainda conquistou a Liga espanhola, apenas para terminar com as “conversas de café”.

Há pouco a dizer desta eleição, já que não entregar o prémio a Bonmatí seria um crime, tal foi a superioridade em relação a todas as outras – no plano individual, mas também no colectivo, que nisto da Bola de Ouro nunca se sabe qual deles será mais valorizado.

A espanhola de 25 anos, dona de um pé direito de tremenda qualidade técnica, conquista o prémio pela primeira vez, sucedendo à compatriota Alexia Putellas, que ficou afastada desta luta por uma lesão prolongada. O prémio manteve-se em Espanha e no meio-campo.

Nos restantes prémios também não houve grandes surpresas. Jude Bellingham conquistou o troféu Kopa, destinado ao melhor jogador sub-21, Emiliano Martínez ficou com o Yashin, para melhor guarda-redes (e teve direito a assobiadela dos franceses no Théâtre du Châtelet) e Erling Haaland ficou com o Gerd Müller, de melhor marcador (prémio de consolação e teve direito, por isso, a um longo vídeo com todos os seus golos da temporada).

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