O Louvre comprou pela primeira vez uma pintura da Renascença portuguesa
Museu francês atribui o quadro ao atelier real de Lisboa (c. 1540). O galerista Philippe Mendes, que o vendeu, assegura que os autores são Garcia Fernandes e Cristóvão de Figueiredo.
O Museu do Louvre anunciou no início desta semana, através de uma publicação na rede social X (antiga Twitter), a aquisição de uma pintura dos primitivos portugueses: “Uma Ressurreição de Cristo executada por volta de 1540 no atelier real de Lisboa”, que “constitui um testemunho de primeira grandeza da arte da Renascença portuguesa”.
A compra foi feita ao galerista luso-francês Philippe Mendes – que a tinha adquirido num leilão em Lisboa, no ano passado –, que atribui a obra a dois mestres primitivos portugueses: Garcia Fernandes (c. 1514-c. 1565) e Cristóvão de Figueiredo (falecido c. 1543).
Em declaração ao PÚBLICO, Philippe Mendes avançou que o quadro irá ser exposto no Louvre já nas próximas semanas, certamente junto a duas outras obras relevantes da história da pintura portuguesa: Natureza-morta com Peixe (1645), de Baltazar Gomes Figueira; e Maria Madalena Confortada Pelos Anjos (1679), da filha deste pintor, Josefa d’Óbidos, que o próprio galerista tinha doado ao museu parisiense em 2016.
O galerista acredita que a presente aquisição desta Ressurreição de Cristo pelo Louvre – e noticiada pelo jornal Expresso – possa indicar a intenção de finalmente se avançar para a já tantas vezes falada criação de uma sala destinada à pintura portuguesa.
Ao PÚBLICO, o director do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA), Joaquim Caetano, disse ter tido conhecimento da decisão do Louvre de adquirir a obra, e mostra alguma expectativa sobre “a forma como o museu a vai agora apresentar e identificar”. “O facto de a arte portuguesa estar representada nos grandes museus mundiais é bom para Portugal, para o conhecimento da nossa cultura”, acrescenta o responsável do MNAA, que não quis, no entanto, fazer mais comentários sobre a compra, nem pronunciar-se sobre a autoria desta Ressurreição de Cristo.
A questão da autoria
Na realidade, este painel a óleo foi posto em leilão, em 2022, em Lisboa, pela casa Veritas, acompanhada por uma nota do historiador de arte Vítor Serrão, que defendia a autoria de Diogo de Contreiras (1500-1570), mesmo tratando-se de um trabalho colectivo, como era moda na época de D. João III (1502-1557), em que intervieram também os já citados Garcia Fernandes e Cristóvão de Figueiredo.
“Depois da investigação feita através das radiografias e reflectografias realizadas para o leilão de Lisboa, defendo que Contreiras colaborou na execução da parte inferior do quadro”, diz agora Vítor Serrão ao PÚBLICO, acrescentando que conhecia esta obra já desde há duas décadas, a considera “uma pintura óptima” e se lhe referiu, de resto, no seu livro O Renascimento e o Maneirismo – História da Arte em Portugal (Presença, 2002). Mas o historiador de arte nota que, mais do que a autoria, o que é relevante, para além da sua qualidade intrínseca, é ela “revelar bem a técnica e o modo de trabalhar da época joanina”.
Philippe Mendes, que adquiriu esta Ressurreição de Cristo por 100 mil euros – mas disse não estar autorizado agora a divulgar o valor da venda ao Louvre –, insiste na atribuição da sua autoria a Garcia Fernandes e Cristóvão de Figueiredo, com base no posterior trabalho de investigação realizado nos melhores ateliers de restauro de Paris, com as técnicas mais sofisticadas de reflectografia, que permitiram, por exemplo, “observar as hesitações do desenho de base, nervoso e dramático, pela mão de Cristóvão de Figueiredo, um artista-chave nos primitivos portugueses”. Foi sobre este desenho que “Garcia Fernandes pintou este Cristo com cores luminosas, de uma grande doçura, que dão uma monumentalidade à composição”, acrescenta o galerista e historiador de arte, que levou esta Ressurreição de Cristo (121 por 59 centímetros) à feira de Arte de Maastricht, nos Países Baixos, no passado mês de Março, onde chamou a atenção e o interesse do Museu do Louvre.
A decisão parece manifestar o interesse crescente da grande instituição parisiense por esta época e pela história da arte portuguesa, depois da exposição A Idade de Ouro da Renascença Portuguesa, apresentada no Verão do ano passado no Louvre, no âmbito da Temporada Cruzada Portugal-França.